Mais de 25 milhões de brasileiros declararam já ter possuído criptomoedas , segundo a 1ª Pesquisa Nacional das Criptomoedas, realizada pela Paradigma Education em colaboração com o Datafolha. É bastante provável que ao menos parte deste contingente, equivalente a aproximadamente 16% do eleitorado nacional, possa influenciar decisivamente o futuro do país nas eleições presidenciais de 2026.

Perfil dos investidores de criptomoedas no Brasil. Fonte: 1ª Pesquisa Nacional das Criptomoedas

As descobertas da pesquisa sugerem a formação de um eleitorado com interesses específicos em torno das políticas para ativos digitais, tornando-se um fator que os candidatos à presidência não poderão ignorar em suas plataformas eleitorais, afirmou Felipe Sant’Ana, cofundador da Paradigma Education, em entrevista exclusiva para o Cointelegraph Brasil:

“3,52 milhões (2,2%) de adultos brasileiros dizem já ter tido cripto numa carteira própria. É bem mais do que a margem de diferença que definiu as últimas eleições presidenciais (2,1 milhões de votos). Eu não sei quantas dessas pessoas são ‘eleitoras de uma questão única’, mas intuo que boa parte não votaria num candidato que queira proibir o direito à autocustódia. E vice-versa: muitos apoiariam um candidato que queira resguardar esse direito.”

Para Felipe, seria insensato não olhar para as demandas desses eleitores, mesmo que em questões bastante específicas, como as criptomoedas e, mais ainda, a preservação da liberdade de autocustodiar ativos digitais:

“Estou usando exemplos de posições extremas, claro, mas o ponto é que uma decisão dessas pode desequilibrar a balança em 2026.”

Criptomoedas não são de direita ou de esquerda

Ao traçar um perfil das preferências políticas dos investidores de criptomoedas, a pesquisa revela que a maioria se autodeclara de centro e tem maior engajamento que a média da população brasileira.

Perfil político ideológico dos investidores de criptomoedas em comparação com o total da população brasileira. Fonte: 1ª Pesquisa Nacional das Criptomoedas 

A percepção de que os usuários de criptomoedas se identificam com valores conservadores de direita ou ignoram a política foi desmistificada pela pesquisa. “É equivocada essa percepção de que ‘quem tem cripto é mais de direita, basta olhar os números’, afirma Felipe, acrescentando que a principal característica dos usuários brasileiros é o pragmatismo:

“São pessoas dispostas a mudar de ideia, com opiniões não-pasteurizadas. Por que infiro isso, em vez de dizer que é um grupo que simplesmente ‘não liga’ pra política? Porque quem já investiu em cripto é três vezes menos propenso a dizer que ‘não tem orientação política’/não vota/não sabe.”

Essa constatação evidencia que há espaço para que candidatos de todos os espectros políticos adotem políticas pró-cripto. Felipe destaca que há casos de uso plausíveis tanto para políticos de direita quanto de esquerda:

“Parafraseando Melvin Kranzberg, ‘a tecnologia não é nem de direita nem esquerda, muito menos de centro.’ Cripto pode ser usada para implementar uma Renda Básica Universal que crie moeda e distribua renda focando nos pobres. Mas também pode ser usada para proteger o patrimônio com um dinheiro absolutamente inconfiscável e ‘não-desvalorizável.’ Cripto pode servir para experimentar implementação de impostos georgianos, como Taxas de Harberger, que promovam a alocação eficiente de recursos. Ou pode servir para se ‘embaralhar’ dinheiro numa Tornado Cash da vida, garantindo a total privacidade do portador.”

Como tecnologia, as criptomoedas são neutras e não é possível ter controle absoluto sobre as formas como são utilizadas.

É fundamental que os políticos compreendam e aceitem isso, segundo Felipe. “É como a internet, as pessoas vão usar [as criptomoedas] de jeitos infinitos – inclusive alguns dos quais não vamos gostar", afirma.

Criptomoedas no debate político nacional

À medida que o Bitcoin (BTC) e as criptomoedas foram se tornando cada vez mais populares nos últimos anos, o tema passou a fazer parte do debate político nacional. A princípio, sem despertar divisões partidárias, como no caso do projeto de lei de regulação das criptomoedas no Brasil, de autoria do deputado federal Áureo Ribeiro (SD-RJ).

Recentemente, com o apoio de Donald Trump à indústria nos Estados Unidos e os avanços no desenvolvimento do Drex, a moeda digital de banco central (CBDC) brasileira, alguns membros da oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passaram a utilizar os ativos digitais como uma bandeira política.

Em agosto, a deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.341/2024, propondo a proibição da extinção do papel-moeda em território nacional e tornando facultativa a adoção do Drex.

Segundo a pesquisa, o Drex é o terceiro ativo digital mais conhecido pelos brasileiros, atrás apenas do Bitcoin e do Ethereum (ETH).

Ativos digitais mais conhecidos pelos brasileiros. Fonte: 1ª Pesquisa Nacional das Criptomoedas

Em defesa do PL, Zanatta afirmou que o “real digital” poderá ser utilizado como uma ferramenta de controle social para impor restrições aos cidadãos brasileiros. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) manifestaram apoio à proposta em mais de uma ocasião.

O Banco Central (BC) negou as acusações, afirmando que o Drex está sendo desenvolvido como uma CBDC de atacado – e que, portanto, não será utilizado pelos consumidores finais. Além disso, a segurança e a privacidade do sistema se adequarão à Lei de Sigilo Bancário, atualmente em vigor, garantiu o BC.

A polêmica em torno do Drex ilustra como as criptomoedas entraram definitivamente na agenda política nacional. Esta é apenas uma das evidências de que a classe política tem conhecimentos sobre as criptomoedas, ao contrário de cinco ou seis anos atrás, quando a ignorância sobre o assunto prevalecia.

"Hoje, se 56% dos brasileiros dizem conhecer cripto, presumo que a grande maioria dos políticos eleitos tenha um mínimo conhecimento de causa", diz Felipe, ressaltando que “ainda há um longo trabalho de educação a ser feito.”

Reserva Estratégica Soberana de Bitcoin

Entre as iniciativas positivas, o fundador da Paradigma Education cita a criação de uma reserva estratégica de Bitcoin no Brasil, que tem apoiadores tanto entre membros do governo quanto na oposição.

No final de novembro, o deputado federal Eros Biondini (PL-MG) apresentou o Projeto de Lei 4.501/2024, no qual propõe a criação de uma reserva estratégica de Bitcoin para diversificar os ativos do Tesouro Nacional.

Declaradamente inspirada no projeto de lei apresentado pela senadora republicana Cynthia Lummis nos Estados Unidos, a Reserva Estratégica Soberana de Bitcoin (RESBit) teria inicialmente uma proporção de 5% das reservas internacionais do país. O montante seria equivalente a US$ 17,75 bilhões – ou 177.500 BTCs a preços atuais de mercado.

De acordo com o deputado, a participação do Bitcoin no Tesouro Nacional poderia ainda ser aumentada gradualmente no futuro, visando “garantir a soberania financeira do Brasil nas próximas décadas."

Mais recentemente, em março, Pedro Guerra, chefe de gabinete do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, manifestou publicamente apoio pessoal à implementação de uma reserva estratégica de Bitcoin patrocinada pelo governo.

É importante ressaltar, no entanto, que a proposta não está na agenda do governo. Tratou-se apenas de uma tentativa de estimular o debate sobre o tema tanto no Congresso Nacional quanto na sociedade brasileira.

Felipe é favorável ao projeto e acredita que sua concretização é inevitável diante das mudanças na ordem geopolítica global, embora haja poucas perspectivas de aprovação no curto prazo:

“Acho que a chance de passar nos próximos 2 anos é baixa; mas, no longo prazo, beira 100%. A chance de que o Bitcoin exista por mais tempo que o dólar aumentou significativamente depois desse conflito comercial global. Hoje, as reservas internacionais de Bancos Centrais possuem aproximadamente 60% em títulos de dívida americana, e menos de 0,01% em Bitcoin. Essa proporção vai mudar nas próximas décadas. Quem se antecipar vai ter vantagem.”

Não é irônico que o Bitcoin acabe sendo adotado por estados nacionais, quando foi idealizado por Satoshi Nakamoto como um padrão monetário para eliminar intermediários? Para Felipe, essa é justamente a “beleza do Bitcoin: o criador não tem interferência nenhuma no destino da sua criação.”