Ao abrir mão da tecnologia blockchain para avançar com a implementação do Drex, paradoxalmente, o Banco Central (BC) pode acelerar a adoção de stablecoins no mercado financeiro e a tokenização de ativos reais (RWA) brasileiros em redes públicas e privadas, afirmam especialistas.
Daniel Coquieri, CEO da Liqi, afirma que, embora o Drex seja um projeto relevante para a inovação financeira no país, a iniciativa privada não depende dele para que a “tokenização dê certo.”
Em uma postagem no LinkedIn, Coquieri acrescentou que “hoje já existem iniciativas sólidas, em redes privadas e públicas, que oferecem segurança e escalabilidade” para iniciativas de tokenização.
No curto prazo, Coquieri defende que as medidas mais urgentes a serem adotadas pelo BC são estabelecer normas para a adoção de stablecoins que atuem como uma camada de liquidação nos mercados financeiro e de capitais, além de parâmetros regulatórios para emissão de ativos diretamente on-chain, “reduzindo a distância entre o mundo off-chain e on-chain.”
“Avançar nesses dois pontos já seria um enorme passo para a infraestrutura digital que estamos construindo", afirmou o CEO da Liqi.
Na mesma linha, Deivison Arthur, CEO da EBX, propõe que o BC abandone o projeto de implementação de uma moeda digital de banco central (CBDC) “pura” e adote um modelo baseado em CBDCs sintéticas (sCBDC) – moedas digitais emitidas pelo setor privado, mas lastreadas e reguladas pelo governo:
“Diferente da CBDC ‘pura’, a sCBDC transfere parte da operação para empresas, permitindo descentralização doméstica e abertura para stablecoins, moedas sociais e inovação local.”
A proposta tem similaridades com a regulação aprovada nos EUA com a Lei GENIUS, onde os emissores de stablecoins precisam adquirir títulos públicos para garantir resgates e a manutenção da paridade de 1:1 com a moeda emitida pelo BC, explica Arthur:
“O governo ficaria com regulação, supervisão e garantia do lastro; as empresas, com a infraestrutura, usabilidade, compliance e gestão de riscos. É um modelo híbrido que une a segurança pública à agilidade privada.”
Ao optar por este modelo, o BC poderia integrar o real digital ao Pix, cuja governança centralizada tem demonstrado vulnerabilidade a fraudes e vazamentos. Sem falar na escalada do custo operacional do sistema, que pode vir a tornar o serviço pago como forma de custear sua manutenção.
“Ao somar a robustez regulatória e a agilidade da inovação privada, o Brasil pode criar um Pix 2.0 distrital, interoperável com DeFi, resistente a crises e uma nova referência global em pagamentos e resistência à crise", afirma Arthur.
Falta de privacidade inviabiliza o Drex tanto em redes públicas quanto permissionadas
Fundador da Fintrender e autor do livro “A Tokenização do Dinheiro”, Gustavo Cunha afirma em texto sobre o tema que a mudança no foco estratégico do BC de soluções de infraestrutura para aplicações práticas vai acelerar a tokenização no Brasil:
“Isso significa criar regras e padrões para que a iniciativa privada desenvolva soluções de tokenização, stablecoins e instrumentos financeiros digitais — sem precisar ‘reinventar’ toda a infraestrutura de liquidação, que já é robusta, segura e amplamente testada.”
Para Cunha, a transição para uma nova fase da internet baseada em redes públicas não permissionadas – a Web3 – é inevitável. Um dos principais obstáculos a serem superados para a consolidação dessa nova é a privacidade. Justamente o motivo que levou o BC a desenvolver o Drex em uma rede permissionada.
No entanto, o projeto esbarrou nas dificuldades de conciliar privacidade e composabilidade de forma eficiente e segura. Segundo Cunha, a resolução desse problema depende do desenvolvimento de soluções tecnológicas baseadas em prova de conhecimento zero (ZK-proofs) e criptografia homomórfica.
No futuro, será possível realizar transações públicas com total privacidade, afirma Cunha:
“Quando isso acontecer, o Drex poderá migrar diretamente para uma rede pública, aproveitando interoperabilidade global, liquidez ampliada e a inovação contínua do ecossistema aberto.”
Apesar das incertezas em relação à continuidade do Drex, o projeto foi fundamental para a evolução do ecossistema brasileiro de ativos digitais, segundo o especialista:
“Foi a postura proativa do Banco Central que colocou a tokenização no radar do setor financeiro e estimulou bancos, fintechs e startups a investirem tempo e recursos nesse campo.”
Agora, fazer a tokenização avançar independentemente do Drex “passa a ser, mais do que nunca, a meta de todos os agentes envolvidos em projetos de stablecoins e tokenização no país", conclui Cunha.
Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, Ricardo Santos, engenheiro que participou diretamente do Piloto Drex, defendeu uma correção de rota nos rumos do projeto, sob pena de “consolidar um modelo isolacionista, centralizador e ineficiente, que bloqueia a integração do Brasil ao sistema financeiro global baseado em liquidez aberta e infraestrutura programável.”