A criação de uma reserva estratégica de Bitcoin (BTC) no Brasil não está na agenda do governo federal e depende da coordenação de diversos agentes e entidades para se concretizar, segundo disse Pedro Guerra, chefe de gabinete do vice-presidente Geraldo Alckmin, em entrevista ao economista Fernando Ulrich.
Guerra explicou que sua manifestação a favor da criação de uma reserva de Bitcoin durante a cerimônia de posse dos novos diretores da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo (FPBC) teve como objetivo ampliar o debate sobre o tema tanto no Congresso Nacional quanto na sociedade brasileira, mas não se trata de uma política de governo.
Na ocasião, Guerra afirmou em seu discurso que “debater com rigor a constituição de uma reserva soberana de valor de Bitcoin é de interesse público e será determinante para a nossa prosperidade.”
A FBPC é uma entidade formada por mais de 200 parlamentares cujo objetivo é discutir e propor soluções para reduzir o chamado Custo Brasil: entraves burocráticos, econômicos e jurídicos que prejudicam a eficiência operacional e a competitividade das empresas brasileiras, causando prejuízos estimados em R$ 1,7 trilhão ao ano – 19% do PIB nacional.
Nos próximos dois anos, a agenda da FPBC terá como foco a economia digital, abordando temas como inteligência artificial (AI) e transformação digital no mercado de trabalho. O Bitcoin e as criptomoedas, no entanto, não estão na pauta das discussões.
Diante dessa lacuna, Guerra entendeu que deveria chamar a atenção dos parlamentares para a importância de estudar e compreender o Bitcoin como um instrumento de aprimoramento da gestão pública e da política monetária:
“Eu achei importante dedicar um trecho da minha fala a esse tema porque seria efetivamente útil para os trabalhos da frente. Em segundo lugar, porque o Bitcoin não é uma abstração, é uma coisa que já está aí há belos 16 anos e que passou pelo teste da realidade em muitos momentos desde então.”
Guerra destacou que os Estados Unidos criaram uma agenda de trabalho para criação de uma Reserva Estratégica de Bitcoin, a partir da ordem executiva assinada pelo presidente Donald Trump, enquanto outros países vêm desenvolvendo e implementando políticas públicas de incorporação de Bitcoin a suas reservas.
O Brasil teria vantagens competitivas entrando agora nessa corrida, afirmou Guerra, mencionando a excelência do sistema financeiro brasileiro em termos de eficiência e segurança, além da disposição da população para adotar novas tecnologias e o alto número de usuários declarados de criptomoedas no país.
Entre os potenciais benefícios da criação de uma reserva estratégica de Bitcoin, Guerra citou a expansão da capacidade de investimento do estado, a redução da dívida pública, além das propriedades de reserva de valor do Bitcoin:
“Na era da economia digital, com uma tecnologia como o Bitcoin, é preciso repensar o desenho do estado avaliando tudo o que está à nossa disposição. A criação de uma reserva de Bitcoin, ainda que modesta, pode preservar o poder de compra da moeda para as próximas gerações. O Bitcoin, ao se apropriar de premissas muito básicas, como abundância e escassez, oferece uma resposta a tudo isso.”
Guerra também mencionou algumas vantagens da incorporação do Bitcoin ao sistema financeiro nacional para os consumidores finais, como a permissão para o uso da criptomoeda como colateral em operações de crédito e concessão de empréstimos.
Etapas para adoção de reserva de Bitcoin no Brasil
Guerra afirma que a proposta de criação de uma reserva estratégica de Bitcoin no Brasil por meio do Projeto de Lei 4501/2024, de autoria do deputado federal Eros Biondini (PL-MG), favorece a ampliação do debate. No entanto, dificilmente haverá avanços sem um engajamento mais amplo da classe política e da sociedade civil. Segundo o assessor da vice-presidência, a aprovação do projeto depende da coordenação de diversos atores e entidades.
Guerra afirma que ainda há muito desconhecimento sobre o tema e identifica três percepções equivocadas que são comuns entre os políticos. Em primeiro lugar, há uma percepção generalizada de que as criptomoedas compõem uma classe de ativos única, quando na verdade as propriedades de descentralização e política monetária do Bitcoin são únicas.
Há também o entendimento de que a adoção de uma moeda digital de banco central (CBDC), no caso o Drex, torna o Bitcoin irrelevante. Guerra ressalta que se trata de tecnologias distintas e potencialmente complementares.
Por fim, associa-se o Bitcoin à tecnologia blockchain subjacente, minimizando suas propriedades monetárias.
Durante a entrevista, Ulrich explica que a gestão das reservas internacionais no Brasil cabe ao Banco Central, e, portanto, seria importante entender a disposição da instituição para incorporar o Bitcoin ao Tesouro Nacional.
Guerra admite não ter conhecimento acerca do posicionamento institucional do BC sobre o tema. No entanto, sabe-se que o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é um crítico da criptomoeda, tendo manifestado opiniões contrárias à adoção em sua trajetória no serviço público, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.
Apesar disso, Guerra ressalta que o processo de entendimento e aceitação é gradual e seguirá avançando, especialmente em um contexto de transição acelerada para a economia digital e turbulência geopolítica.
Lembrando que o Bitcoin foi criado em resposta à crise financeira global de 2008, Guerra questiona a capacidade das instituições tradicionais de evitar eventos semelhantes no futuro.
Confira a entrevista completa.