Investidor de perfil conservador em se tratando de seu próprio dinheiro e defensor de políticas de Estado capazes de direcionar e impulsionar o crescimento econômico e a mitigação da desigualdade social, o futuro Ministro da Fazenda do governo Lula, Fernando Haddad, caracteriza-se por ser um crítico do Bitcoin (BTC), e de sua proposta de descentralização monetária.

Haddad foi confirmado como titular da Fazenda na última sexta-feira, 9, quando o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou os nomes de cinco primeiros escolhidos para compor sua equipe de governo.

Na nova configuração da Esplanada dos Ministérios sob o comando de Lula, a Fazenda será uma nova pasta oriunda do desmembramento do chamado super-ministério da Economia chefiado por Paulo Guedes durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Bitcoin como ameaça à soberania nacional

As mais recentes manifestações de Haddad sobre o Bitcoin marcam uma posição veementemente contrária ao experimento de El Salvador, que em setembro do ano passado instituiu uma lei nacional que fez do BTC moeda de curso legal no país.

Em uma sabatina realizada na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) em agosto deste ano, respondendo como candidato do PT ao governo de São Paulo, Haddad declarou discordar do experimento, sob o argumento de que adoção do BTC como moeda legal ainda "vai dar muita confusão e causar muito problema.”

Segundo o futuro Ministro, comparou a adoção do Bitcoin com a desregulamentação dos mercados financeiros e afirmou que experiências como a promovida pelo governo do presidente salvadorenho Nayib Bukele equivalem a "mexer com fogo": 

"Os anos 1990 culminaram com a desregulamentação dos mercados financeiros. Na época, eu escrevi um artigo falando que aquilo ia gerar a maior crise financeira da história contemporânea. Dez anos depois, explodiu a crise de 2008. Por causa da desregulamentação financeira. Isso aí você está mexendo com fogo”.

Na ocasião, Haddad apenas reiterou uma impressão desfavorável à Lei Bitcoin de El Salvador que havia manifestado às vésperas da instituição do projeto em uma publicação no Twitter datada de 6 de setembro de 2021. 

Em sua crítica, Haddad não cita nominalmente o Bitcoin, mas acrescenta um link que remete a uma reportagem da Folha de São Paulo sobre a adoção do criptoativo por El Salvador.

Pelo teor da mensagem, supõe-se que o futuro Ministro da Fazenda acredita que o Bitcoin constitui uma ameaça à soberania financeira dos estados nacionais. No entanto, ao mencionar que "os EUA desejam... uma AL dolarizada", Haddad desconsidera o fato de que, antes da aprovação da Lei Bitcoin, El Salvador já não possuía moeda própria. A economia do país era, isso mesmo, dolarizada.

Moeda única sul-americana

Como alternativa à dolarização ou ao Bitcoin, Haddad mostrou-se favorável à criação de uma moeda única sul-americana em um artigo publicado na Folha de São Paulo em 1º de abril.

Em parceria com Gabriel Galípolo, um dos idealizadores do programa econômico do PT, o futuro Ministro analisa os riscos à soberania nacional de um sistema financeiro internacional avalizado pelo dólar à luz das sanções impostas pelos EUA e a União Europeia à Rússia após a invasão à Ucrânia:

"Como nas ameaças bélicas, as reservas internacionais funcionam como uma defesa das moedas domésticas, inclusive para desencorajar ataques. Porém, como países emergentes ou em desenvolvimento, em diferentes graus, todos ainda sofremos limitações econômicas decorrentes da fragilidade internacional de nossas moedas. Um projeto de integração que fortaleça a América do Sul, aumento o investimento e comércio combinado é capaz de conformar um bloco econômico de maior relevância na economia global e conferir maior liberdade ao desejo democrático, à definição do destino econômico dos participantes do bloco e à ampliação da soberania monetária."

Na prática, a proposta de moeda única regional segue os moldes do euro, garantindo a uma instituição financeira supra-nacional o controle da política monetária, no caso, "um Banco Central Sul-Americano". Ou seja, a proposta se opõe diametralmente à descentralização monetária proposta pelo Bitcoin.

Em uma postagem mais antiga, Haddad classificara como "interessante" um artigo do Washington Post publicado em um momento em que o preço do BTC derretia menos de um mês depois de ter registrado a máxima histórica de US$ 19.798 em dezembro de 2017.

Intitulado "O Bitcoin está ensinando aos libertários tudo que eles não sabem sobre economia", o artigo aponta as falhas do modelo econômico e da proposta de eliminação de intermediários em transações financeiras proposto pela criptomoeda.

Diante de um cenário regulatório ainda indefinido apesar da aprovação do projeto de lei 4401/2021, vale a pena ficar atento à postura do Ministério da Fazenda e do novo governo em relação ao Bitcoin e às criptomoedas de forma geral.

Investidor de perfil conservador

A declaração de bens encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ocasião das eleições deste ano revela um investidor de perfil conservador, cujo patrimônio concentra-se em imóveis e aplicações em instrumentos de renda fixa.

De acordo com os dados disponibilizados pelo TSE, Haddad possui dois imóveis no valor total de R$ 273 mil, R$ 140 mil em cotas de sociedade em uma empresa e dois investimentos em fundos de renda fixa que, no total, somam R$ 181 mil.

Trajetória

Formado em direito pela Universidade de São Paulo (SP) em 1985, Haddad complementou sua formação com um mestrado em Economia (1990) e um doutorado em Filosofia (1996)

Haddad se filiou ao PT ainda em 1983, nos momentos iniciais de constituição da legenda. Em 2003, assumiu um cargo como assessor especial do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no primeiro mandato de Lula como presidente. Em 2005, assumiu o Ministério da Educação, do qual se licenciou em 2012 para concorrer à prefeitura de São Paulo.

Em 2018, substituiu Lula já na reta final da campanha presidencial como candidato do PT e foi derrotado por Jair Bolsonaro. Este ano, concorreu ao cargo de governador do São Paulo e foi derrotado por Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) no segundo turno.

Desde então seu nome vinha sendo cotado para assumir um cargo de relevância no futuro governo do PT. A escolha de Haddad para ocupar o Ministério da Fazenda aponta para uma participação ativa do governo como indutor do desenvolvimento econômico.

Programas de governo registrados em blockchain

Apesar das críticas às criptomoedas, Haddad parece reconhecer o valor e a utilidade da tecnologia subjacente às criptomoedas, em linha com o pensamento de executivos de instituições financeiras como o JP Morgan Chase e o Goldman Sachs. Tanto em 2018 quanto em 2022, Haddad e o PT registraram seus planos de governo em redes blockchain.

Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil na ocasião, os Planos de Governo foram registrados usando a blockchain da Decred e podem ser baixados no site do TSE (Plano do Lula e Plano do Haddad) e conferidos no verificador da Decred.

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