Resumo da notícia:
Investigação do ICIJ acusa Binance e OKX de movimentarem milhões de dólares em lavagem de dinheiro para o crime organizado.
O ICIJ aponta que o fluxo de fundos ilícitos persistiu mesmo após as exchanges fecharem acordos de compliance com a Justiça dos EUA.
A flexibilização regulatória sob o governo de Donald Trump e a concessão de perdão a executivos condenados são citadas como fatores agravantes para a recorrência de crimes com criptomoedas.
Uma ampla investigação conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) intitulada “Coin Laundry” (Lavanderia de Moedas, em tradução livre) afirma que as maiores exchanges de criptomoedas globais se tornaram parte de uma engrenagem utilizada para lavagem de bilhões de dólares provenientes de fraudes, tráfico de drogas, hacks e outras atividades ilícitas.
A investigação do ICIJ rastreou milhares de transações em blockchains, a partir de endereços de carteiras de criptomoedas associadas a cibercriminosos, lavadores de dinheiro e esquemas de fraude. A conclusão é que exchanges como Binance e OKX foram utilizadas para movimentar grandes volumes de fundos ilícitos, permitindo a conversão de criptoativos em moedas fiduciárias como o dólar e, consequentemente, sua integração ao sistema financeiro.
Segundo a investigação divulgada no Brasil pela Agência Pública, empresas como a Binance e a OKX continuam processando milhões de dólares para organizações globais como o Grupo Huione, ligado a criminosos chineses, e endereços associadas ao Cartel de Sinaloa e o grupo de hackers norte-coreano Lazarus Group.
A investigação argumenta que as atividades ilícitas são decorrentes da flexibilização da regulamentação e da fiscalização do setor, exacerbada por um retrocesso nas medidas de aplicação da lei nos Estados Unidos sob a administração do presidente Donald Trump.
O ICIJ aponta que a Binance teria movimentado pelo menos US$ 408 milhões em USDT do Grupo Huione, uma organização financeira baseada no Camboja usada por quadrilhas chinesas para lavar dinheiro de tráfico humano e fraudes.
Esse volume teria sido movimentado depois de novembro de 2023, quando a exchange e seu fundador, Changpeng “CZ” Zhao, assumiram a culpa por operar sem os devidos mecanismos contra a lavagem de dinheiro, permitindo que a plataforma fosse utilizada por "terroristas, cibercriminosos e pedófilos.”
Após a confissão, CZ renunciou ao cargo de CEO e posteriormente cumpriu pena de prisão por quatro meses nos Estados Unidos. Recentemente, o fundador da Binance recebeu perdão presidencial de Trump, gerando suspeitas sobre um possível conflito de interesses.
Trump argumentou que CZ não era culpado pelas acusações do Departamento de Justiça (DOJ), enquanto o empresário afirmou não ter qualquer tipo de conexão com o presidente e suas empresas.
Em fevereiro de 2025, perante a Justiça dos EUA, a OKX admitiu atuar como transmissora ilegal de dinheiro. Em abril de 2025, a exchange anunciou seu retorno ao mercado americano, após fechar um acordo de US$ 505 milhões com o DOJ.
Mesmo após o acordo, contas de clientes da OKX continuaram a receber fundos do Grupo Huione, totalizando mais de US$ 226 milhões.
Segundo John Griffin, especialista em análise de dados on-chain da Universidade do Texas, o alto volume dos fundos ilícitos gera receita que implica em maior lucratividade para as plataformas:
"Se as exchanges expulsam os criminosos de suas plataformas, perdem uma fonte importante de receita. Então, há um incentivo para permitir que essa atividade continue".
A investigação apresenta evidências de que um endereço hospedado na Binance –atribuído pelo Tesouro dos EUA a uma entidade que lava dinheiro para o Cartel de Sinaloa, uma organização criminosa mexicana – teria recebido mais de US$ 700 mil de contas baseadas na Coinbase.
Outros US$ 250 milhões em fundos ilícitos foram atribuídos a transações do Hydra Market, uma plataforma russa da dark web.
No caso da OKX, a investigação também também rastreou fundos de uma rede de traficantes chineses de fentanil direcionados para diversas contas na plataforma.
Binance e OKX respondem às acusações
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Binance afirmou que é “totalmente incorreto” afirmar que a Binance ignora atividades criminosas:
“A Binance mantém controles rigorosos de compliance e adota tolerância zero a atividades ilícitas. Assim como acontece com instituições financeiras tradicionais, não é possível impedir que clientes devidamente verificados enviem fundos para a plataforma. Ainda assim, temos sistemas altamente eficazes para identificar e investigar transações suspeitas, tomar medidas quando necessário, restringir contas e congelar valores conforme as obrigações regulatórias.”
O comunicado acrescenta que a exchange “conta com um dos programas de compliance e investigações mais robustos e avançados da indústria de ativos digitais.”
A Binance afirma ainda que consultorias independentes conduzidas pela Chainalysis e pela TRM Labs demonstram que a movimentação de fundos ilícitos registrados na Binance “é muito inferior à média do setor e já caiu entre 96% e 98% desde o início de 2023.”
A OKX alega que “os fluxos citados representam uma fração muito pequena da atividade total da plataforma, e que grande maioria do uso da OKX é legítima e ocorre sob controles robustos de AML/KYC.”
No comunicado compartilhado com o Cointelegraph Brasil, a exchange afirma que sempre que atividades suspeitas são identificadas, a OKX toma medidas urgentes que incluem a “suspensão de interações, bloqueio de transferências e apoio a investigações criminais.”
A OKX “também refuta a alegação de que as exchanges de criptomoedas em geral são um refúgio para lavagem de dinheiro ou transferência de fundos ilícitos.”
Fragmentação regulatória e deficiências de compliance impedem fiscalização efetiva
A investigação atribui a recorrência de atividades criminosas no mercado de criptomoedas à fragmentação regulatória e a mecanismos de fiscalização insuficientes. As deficiências no setor de compliance interno das exchanges são um agravante.
Nos EUA, as exchanges são classificadas como empresas de transferência de dinheiro e, portanto, estão submetidas a um padrão de fiscalização menos rigoroso do que o sistema bancário. As políticas pró-cripto de Trump resultaram no encerramento de diversas ações civis contra entidades do mercado e na flexibilização da fiscalização, inclusive com a concessão de indultos a executivos condenados por lavagem de dinheiro, a exemplo de CZ.
Além disso, as forças de segurança não dispõem de treinamento, recursos e ferramentas especializadas de análise de dados on-chain para investigar crimes financeiros que envolvem criptomoedas.
Muitas vezes os criminosos distribuem os fundos em múltiplas carteiras anônimas antes de depositá-los nas exchanges, dificultando a identificação de sua origem.
As exchanges, por sua vez, não destinam recursos humanos e financeiros suficientes para fortalecer seus mecanismos de combate à lavagem de dinheiro, limitando a eficácia de seus próprios sistemas de controle, segundo o ICIJ.
Tanto a Binance quanto a OKX negam que isso seja verdade. “Temos investido continuamente em equipe especializada, tecnologia e governança, e reforçamos esses controles ano após ano,” afirma a Binance.
“A OKX trabalha em estreita colaboração com agências de aplicação da lei em todo o mundo e utiliza um programa em camadas que combina profissionais de compliance experientes, monitoramento interno impulsionado por IA e análises on-chain, além de parcerias com empresas como a Chainalysis e redes como a Beacon, para identificar, restringir, congelar ou encaminhar atividades suspeitas às autoridades,” diz o comunicado da OKX.
A investigação do ICIJ conclui que, sem uma revisão da regulamentação do setor, que envolve acordos de cooperação internacional, e uma aplicação da lei mais eficaz, as criptomoedas continuarão a ser utilizadas para lavagem de dinheiro do crime organizado.
Apesar das acusações do ICIJ, segundo a Chainalysis, o percentual de criptomoedas envolvidas em crimes financeiros foi de aproximadamente 0,14% do total das transações on-chain em 2024. Esse número mostra que o uso de criptomoedas em atividades ilícitas ainda é pequeno quando comparado ao sistema financeiro global.
Confira a íntegra da resposta enviada pela Binance:
A principal missão da Binance é impedir que agentes mal-intencionados usem nossa plataforma de forma indevida. É totalmente incorreto afirmar que a Binance “faz vista grossa” para atividades criminosas. Pelo contrário: contamos com um dos programas de compliance e investigações mais robustos e avançados da indústria de ativos digitais.
Dados independentes da Chainalysis e da TRM Labs mostram que a atividade ilícita envolvendo cripto caiu de forma significativa entre o início de 2023 e meados de 2025. Hoje, a exposição direta a esse tipo de transação nas sete maiores exchanges centralizadas representa apenas alguns centésimos de um por cento do volume total. As duas consultorias também confirmam que a exposição da Binance a fundos ilícitos é muito inferior à média do setor e já caiu entre 96% e 98% desde o início de 2023.
A Binance mantém controles rigorosos de compliance e adota tolerância zero a atividades ilícitas. Assim como acontece com instituições financeiras tradicionais, não é possível impedir que clientes devidamente verificados enviem fundos para a plataforma. Ainda assim, temos sistemas altamente eficazes para identificar e investigar transações suspeitas, tomar medidas quando necessário, restringir contas e congelar valores conforme as obrigações regulatórias.
Utilizamos tanto ferramentas internas quanto soluções de análise blockchain de terceiros para detectar, avaliar e mitigar qualquer exposição a entidades sancionadas ou comportamentos proibidos. Sempre que uma carteira ou atividade é sinalizada como potencialmente relacionada a partes sancionadas, conduzimos uma análise completa e tomamos as ações cabíveis, incluindo restrições de conta e congelamento de fundos, quando apropriado.
A Binance segue comprometida em cooperar com reguladores, autoridades e parceiros do setor para fortalecer a integridade e a segurança do ecossistema cripto como um todo.
Confira a íntegra da resposta enviada pela OKX:
A OKX leva as questões alegadas a sério e acolhe o escrutínio sobre como as exchanges combatem atividades ilícitas. Também refuta a alegação de que as exchanges de criptomoedas em geral são um refúgio para lavagem de dinheiro ou transferência de fundos ilícitos.
Os fluxos citados representam uma fração muito pequena da atividade total da plataforma. A grande maioria do uso da OKX é legítima e ocorre sob controles robustos de AML/KYC, que continua a desenvolver e fortalecer de acordo com a evolução das expectativas regulatórias.
A OKX trabalha em estreita colaboração com agências de aplicação da lei em todo o mundo e utiliza um programa em camadas que combina profissionais de compliance experientes, monitoramento interno impulsionado por IA e análises on-chain, além de parcerias com empresas como a Chainalysis e redes como a Beacon, para identificar, restringir, congelar ou encaminhar atividades suspeitas às autoridades.
Quando riscos credíveis são detectados, a OKX age rapidamente, incluindo a suspensão de interações, bloqueio de transferências e apoio a investigações criminais. A OKX toma todas as medidas possíveis para ajudar a proteger as vítimas e o ecossistema como um todo contra fraudadores e criminosos que usam cripto como mais uma ferramenta em seu arsenal para enganar e causar sofrimento às suas vítimas.
Contexto adicional:
A ONU estima que mais de US$ 2 trilhões são lavados globalmente todos os anos. Em comparação, segundo a Chainalysis, o volume total de transações ilícitas usando ativos digitais nos últimos cinco anos foi de aproximadamente US$ 189 bilhões.
Em 2024, o valor total recebido por endereços ilícitos de criptomoedas totalizou US$ 40,9 bilhões, ou 0,14% de todas as transações on-chain (abaixo dos US$ 46,1 bilhões em 2023, segundo a Chainalysis).