Uma alteração sutil na política de privacidade do X (antigo Twitter) exige a concordância obrigatória dos usuários com a coleta e o uso de dados para treinamento de modelos de aprendizado de máquina e inteligência artificial (IA), podendo resultar em uma nova suspensão da plataforma de rede social no Brasil.
A advertência foi feita por Ronaldo Lemos, especialista em direito digital e fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, em uma postagem publicada no próprio X:
"O X mudou sorrateiramente seus termos para usar todos os posts e conteúdo na plataforma para treinar inteligência artificial. Dia 15 de novembro não haverá mais opt out. Ou seja, não tem como se opor a esse treinamento. Por muito menos a ANPD [Autoridade Nacional de Proteção de Dados] suspendeu a IA da Meta no Brasil."
Lemos referiu-se à medida cautelar expedida pela ANPD, autarquia federal ligada ao Ministério da Justiça e Segurança, que proibiu a Meta de usar dados e informações publicadas em plataformas da empresa, como Facebook, Instagram e WhatsApp, para treinamento de seus sistemas de IA generativa.
A medida foi tomada depois que a nova política de privacidade da Meta entrou em vigor, em 26 de junho, liberando o uso de conteúdos compartilhados pelos usuários e disponíveis publicamente para treinamento de IA generativa.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) garante a proteção de dados no Brasil, respaldada pelo direito fundamental à proteção de dados pessoais.
A permissão para o uso de publicações e informações dos usuários do X está implícita em uma única frase, segundo Lemos:
"Se você continuar a usar nossos produtos ou serviços em ou após 15 de novembro de 2024, estará concordando com os termos de serviço e política de privacidade atualizados do X."
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A alteração valida o uso de dados para treinamento dos modelos de aprendizado de máquina e inteligência artificial, conforme previsto no item 2.1 dos termos de serviço do X.
Trecho dos termos de serviço e políticas de privacidade do X relativo ao compartilhamento de dados dos usuários. Fonte: X
Àqueles que não concordarem com a obrigatoriedade de cessão de conteúdos e dados restará apenas a opção de abandonar a rede social.
Em julho, o X começou a utilizar postagens publicadas por seus usuários para treinamento do Grok, o modelo de IA generativa integrado à rede social desenvolvido por Musk. Embora a mudança nos termos de serviço não tenha sido oficialmente comunicada pela plataforma, os usuários tinham a opção de revogar a permissão para que seus dados fossem utilizados.
Luca Belli, professor de direito digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV), qualificou as novas políticas de privacidade e termos de serviço do X como "totalmente ilegais" em reportagem da Folha de São Paulo, pois permite que a plataforma viole a opcionalidade ao uso de dados pessoais em treinamento de modelos de IA.
ANPD chegou a acordo com a Meta
A ANPD retirou a medida cautelar contra a Meta após a celebração de um Plano de Conformidade entre as partes, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.
O documento determina que os usuários do Facebook e do Instagram deverão receber notificações por e-mail e no próprio aplicativo com informações claras e acessíveis sobre o tratamento de dados da empresa para fins de treinamento de seu sistema de inteligência artificial.
A Meta também deverá atualizar documentos de comunicação com o público em geral, como Aviso de Privacidade e banners em sua página de privacidade, com informações mais precisas sobre o tratamento de dados pessoais para treinar modelos de IA generativa.
Os usuários ainda precisarão ser informados sobre o direito de manifestar oposição ao tratamento de dados pessoais para fins de treinamento de IA e poderão exercer tal direito de forma facilitada.
O Plano de Conformidade exige da Meta o compromisso de não usar dados pessoais de contas de menores de dezoito anos para treinar o seu modelo de IA, até que uma decisão definitiva sobre a matéria seja tomada pela ANPD.
A polêmica sobre a coleta de dados para treinamento dos modelos de IA das empresas de Elon Musk pode opor novamente o empresário à Justiça brasileira. Em agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a suspensão da rede social no Brasil, depois que Musk se recusou a apontar um representante legal no país.
Em sua decisão, o ministro argumentou que Musk estava usando o X para promover e incentivar discursos extremistas e antidemocráticos. Além disso, a empresa estaria desobedecendo as leis brasileiras ao não seguir determinações judiciais para bloqueio de contas e moderação de conteúdo.
Após uma série de ataques e contra-ataques de ambos os lados, o X finalmente foi desbloqueado no Brasil em 8 de outubro, quando a empresa cumpriu todas as determinações impostas pelo STF para permitir o retorno de suas operações no país.