Há um mês, o Banco Central do Brasil (BC) anunciou oficialmente o adiamento do lançamento do Drex, estendendo o período de testes da CBDC brasileira pelo menos até o final de 2025.
O adiamento foi justificado pela insuficiência das soluções de privacidade desenvolvidas até o momento, conforme declarou o BC em um comunicado oficial:
"As soluções tecnológicas de privacidade testadas até o presente estágio do Piloto não apresentaram a maturidade necessária para garantir o atendimento de todos os requisitos jurídicos relacionados à preservação da privacidade dos cidadãos, apesar de terem evoluído ao longo do tempo."
Embora o atraso possa ter frustrado as expectativas de usuários e de empresas do ecossistema de ativos digitais brasileiro, ele pode contribuir para o desenvolvimento e o amadurecimento de produtos e serviços que tendem a ganhar tração com a moeda digital de banco central (CBDC).
Em uma entrevista ao Cointelegraph Brasil, Dan Yamamura, cofundador e sócio da BRX Finance e da gestora Fuse Capital, afirmou que esse hiato cria um "momento único" para a aceleração da inovação no Brasil. "Estamos aproveitando esse tempo para desenvolver e testar casos de uso que serão fundamentais no futuro", afirmou.
Segundo o cofundador da BRX Finance, esse momento único representa uma fase intermediária de transição da Web 2.0 para a Web3, a qual ele se refere como Web 2.5.
Web2.5: fase de transição para uma economia 100% digital
Yamamura destaca que a Web 2.5 incorpora os princípios de descentralização e autorregulamentação, centrais à Web3, para promover uma integração gradual das tecnologias descentralizadas ao sistema financeiro tradicional (TradFi), especialmente por meio da tokenização de ativos do mundo real (RWA).
Operando dentro dos limites regulatórios atuais, em que as leis sobre os ativos digitais ainda estão sendo discutidas, as empresas podem atuar de acordo com os padrões de conformidade e segurança explorando os recursos introduzidos pela Web3.
O adiamento do Drex prolonga a vida útil da Web 2.5 e favorece a inovação por permitir que novos casos de uso sejam testados e desenvolvidos antes da transição para uma economia 100% digital, baseada na CDBC brasileira, acredita Yamamura:
"Acho [o atraso] interessante nesse sentido. Nossa visão é que a Web 2.5 tende a se estender, aproveitando o que há de melhor no mundo da Web3 e trazendo para o mundo da Web 2. Assim, criamos novas versões de coisas que já existem hoje e outros produtos derivados dessas coisas. Ganhamos tempo para que novos casos de uso apareçam e tomem corpo."
Sem essa fase intermediária, a adoção das tecnologias da Web3 poderia ser mais rápida, mas menos estruturada, afirma Yamamura. A Web2.5 serve para preparar tanto o mercado quanto os reguladores para as inovações introduzidas pela Web3.
BRX Finance explora casos de uso focados na expansão do crédito
A BRX Finance foi fundada no final do ano passado com o objetivo de aplicar recursos de finanças descentralizadas (DeFi) a instrumentos financeiros tradicionais, aproveitando a receptividade do BC à inovação.
A joint venture é fruto de uma sociedade entre a Fuse Capital e a Transfero, alavancada pela capacidade de desenvolvimento de novas soluções tecnológicas da primeira, com sua experiência e proximidade com startups de blockchain e criptomoedas, e a infraestrutura voltada para o mercado de tokenização de ativos do mundo real da segunda, que também a emissora da maior stablecoin pareada com o real, o BRZ.
O primeiro produto lançado pela BRX Finance foi a plataforma de crédito, gestão e empréstimos de ativos digitais Kona Finance. Voltada para pequenas e médias empresas, a plataforma se baseia na tokenização de recebíveis para promover a antecipação de receitas.
Operante desde o início deste ano, o Kona Finance tem permitido à empresa expandir casos de uso de tokenização de ativos do mundo real. Yamamura destaca uma parceria fechada com a V360, uma plataforma de gestão de notas fiscais que tem como clientes grandes empresas, como a Vale e a Anima.
Até US$ 50 milhões em recebíveis poderão ser antecipados por clientes da V360 por meio da infraestrutura do Kona, tornando o processo mais simples, rápido, econômico e transparente. Ao utilizar a infraestrutura do Kona, as empresas poderão antecipar pagamentos com prazos de até 120 dias, garantindo liquidez imediata e oportunidades de desconto para antecipação de pagamentos.
Embora utilize a infraestrutura de uma rede blockchain e a tecnologia dos contratos inteligentes para automatizar transações, o produto é totalmente regulado, explicou o cofundador da BRX Finance:
"Trata-se de um contrato bem amarrado. O colateral é emitido como um título garantido, então tem a regulamentação da securitizadora. E os pagamentos são feitos por uma instituição de pagamento regulada pelo Banco Central. Existe o token RWA, mas na prática o produto, enfim, ele praticamente não existe. O produto oferecido pela BRX é regulado em todas as pontas e apenas usa a infraestrutura de blockchain para operacionalizar transações. Isso é importante porque traz segurança e conformidade ao mercado, enquanto aproveita as vantagens tecnológicas da blockchain."
Recentemente, a empresa fechou uma parceria com a Jobis para criar um fluxo de caixa estável para profissionais autônomos. Por meio do aplicativo da Jobis, os usuários podem se cadastrar para receber sua renda mensal de maneira antecipada, sempre no dia 1º de cada mês.
O valor do salário a ser recebido é determinado pela quantidade de clientes que o profissional autônomo atenderá no mês determinado. Além da garantia de uma renda fixa mensal, o aplicativo oferece gestão automatizada de cobranças, a partir de uma taxa de gestão de 7%.
Por fim, Yamamura menciona uma parceria com a Muda Meu Mundo para viabilizar adiantamentos a pequenos produtores rurais:
"São adiantamentos semanais de valor de R$ 100, R$ 200 até R$ 1.000. O varejista quer comprar do pequeno produtor, mas não quer lidar com o pequeno produtor porque os valores são muito baixos e eles não têm crédito. Então, a gente oferece esse acesso ao crédito."
Yamamura afirma que esses casos de uso não têm espaço no sistema financeiro tradicional, uma vez que os custos operacionais e a burocracia não oferecem um retorno razoável às empresas do sistema legado. No entanto, a partir de uma infraestrutura baseada na tecnologia blockchain e em contratos inteligentes elas viabilizam novos modelos de negócios ao promover a expansão e a democratização do acesso ao crédito.
Futuro do Drex
Produtos como estes e outros que ainda estão em desenvolvimento vão pavimentar o caminho para um futuro no qual o DREX possa ser implementado com sucesso, sem fricções entre o universo das TradFi e das finanças descentralizadas.
A experiência acumulada e as inovações desenvolvidas durante essa fase de transição serão fundamentais para a adoção da tecnologia blockchain em larga escala. Por isso, reafirma Yamamura, não é necessário ter pressa para a implementação do Drex:
"Essa fase da Web2.5 tende a ser longa, mas é essencial para a evolução do mercado financeiro. Ela permite a integração dos benefícios tecnológicos da Web3 com a segurança e a regulamentação da Web2, criando um ambiente mais eficiente e preparado para o futuro. Quando o DREX for implementado, estaremos prontos para aproveitar todas as oportunidades que ele trará."
Conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil, novas soluções para o Drex foram anunciadas nos últimos dias. A empresa global de consultoria e auditoria Ernst & Young (EY) anunciou esta semana que deve começar nos próximos dias os testes do “Starlight” para o Drex, uma solução de código aberto baseada em provas de conhecimento zero (ZK) focada na privacidade dos usuários do sistema.
Já a startup brasileira Parfin divulgou o projeto de criação de uma rede de camada 2 permissionada para integrar o Drex ao ecossistema mais amplo de DeFi.