Resumo da notícia:
Brasil reduz participação do dólar em suas reservas internacionais, seguindo tendência global de diversificação.
O yuan chinês já representa 5,3% das reservas do Banco Central brasileiro, superando o euro (5,2%) e consolidando-se como a segunda moeda mais relevante após o dólar.
Bitcoin ainda não pode ser considerado um ativo de reserva viável, embora os EUA estudem criar uma reserva estratégica da criptomoeda.
O Brasil reduziu em 12% a participação do dólar na composição de suas reservas internacionais nos últimos sete anos, buscando diversificação em ativos como o ouro e yuan chinês, alinhado a um movimento global de desdolarização.
Em 2018, o dólar representava 89% das reservas internacionais brasileiras. Atualmente, a participação da moeda americana caiu para 78%, de acordo com dados do Banco Central (BC). No mesmo período, as reservas em ouro cresceram 400%, de 0,7% para 3,5%.
A moeda chinesa, cuja primeira aquisição ocorreu em 2019, já representa 5,3% das reservas do BC, superando o euro (5,2%) e ficando atrás apenas do dólar.
Esse movimento, no entanto, não é exclusividade do Brasil. Globalmente, a dominância do dólar nas reservas dos bancos centrais caiu de 60%, em 2015, para os atuais 46% – seu menor nível desde 1995, uma queda de 14 pontos percentuais em uma década.
Um conjunto de fatores tem contribuído para minar a percepção do dólar como um “porto seguro”: a deterioração dos fundamentos fiscais dos Estados Unidos e a crescente fragmentação do cenário geopolítico.
Com a dívida pública dos EUA estimada em 120% do PIB, seu maior nível desde a Segunda Guerra Mundial, e sem superávits primários desde 2007, cresce o ceticismo sobre a solvência do governo americano.
Danillo Uliana, analista da WeSearch, aponta que este cenário aumenta o risco de "repressão financeira", um regime no qual o governo busca manter os juros reais baixos para aliviar o peso da dívida, erodindo o retorno dos credores. Como consequência direta, os títulos do Tesouro americano, tradicionalmente o ativo mais seguro do mundo, passam a se comportar como ativos de risco.
“A renda fixa americana atravessa um bear market [mercado de baixa] incomum: o ETF TLT caiu em torno de 50% desde o pico de 2020 e segue volátil em 2025", destaca o analista.
Paralelamente aos riscos fiscais, a “militarização do dólar” como instrumento de política externa tem incentivado a busca global por diversificação. A imposição de sanções e o congelamento de ativos de nações soberanas demonstraram que a posse de reservas em dólar implica um risco geopolítico concreto.
O congelamento de cerca de US$ 300 bilhões das reservas cambiais da Rússia foi um alerta para nações não totalmente alinhadas aos EUA no contexto global. Países como a China, em particular, interpretaram esse ato como um sinal claro da necessidade de reduzir sua exposição a ativos que podem ser bloqueados unilateralmente, acelerando a busca por alternativas que estejam fora do alcance direto da jurisdição americana.
Nesse contexto de instabilidade macroeconômica e tensões geopolíticas, a demanda por ouro tem aumentado significativamente.
“Segundo o relatório do Banco Central Europeu (BCE), ‘The International Role of the Euro 2025’, o ouro alcançou 20% e superou o euro (16%) nas reservas oficiais", afirma Uliana.
“Além disso, os estoques oficiais de ouro (36 mil toneladas) aproximam-se dos picos dos anos 1960, com destaque para a Polônia, que liderou a acumulação no 1º trimestre de 2025, e a China, que continua fazendo aquisições constantes,” acrescenta.
Como resultado, o ouro vem renovando suas máximas históricas constantemente em 2025. O metal precioso acumula ganhos de 47,6% contra uma desvalorização de 9,4% do DXY, índice que mede o desempenho do dólar em relação a uma cesta de moedas fortes.
Dólar ainda mantém hegemonia
Ainda que em um cenário de maior diversificação, a desvalorização do dólar e a redução de sua participação nas reservas de bancos centrais por enquanto não comprometem a hegemonia do dólar no sistema financeiro global.
“A participação global do dólar ainda segue firme, apesar da erosão discreta (“stealth erosion”) que evidencia uma perda progressiva de espaço em favor de alternativas regionais e moedas emergentes,” afirma o analista da WeSearch.
O analista atribui a manutenção da hegemonia do dólar ao “peso desproporcional dos EUA no sistema financeiro: 4% da população mundial, cerca de 27% do PIB nominal global em 2025, 40% do estoque global de dívida de renda fixa e 49% da capitalização de ações.”
O principal motivo seria a falta de uma alternativa viável para substituí-lo. Hoje, o dólar está presente em 88% das transações de câmbio e as tentativas de criar uma moeda ou sistema de pagamentos alternativo enfrentam dificuldades para avançar.
O BRICS, bloco multilateral que reúne Brasil, China, Rússia, Índia, Irã e outros cinco países, tem feito esforços nesse sentido, seja discutindo a criação de uma moeda comum, seja adotando moedas próprias para liquidação de transações comerciais.
No entanto, segundo Uliana, as iniciativas do BRICS enfrentam restrições de liquidez e credibilidade, e a falta de um sistema unificado impede avanços relevantes:
“Na prática, o uso do yuan em pagamentos via SWIFT representa cerca de 2-3% do total em 2025, mesmo com esforços de acordos bilaterais (China-Rússia, Brasil-China) e tentativa de uso em projetos comuns de energia/comércio.”
Bitcoin já pode ser considerado um ativo de reserva global?
Os criptoativos ainda não podem ser considerados uma alternativa viável ao dólar ou mesmo ao ouro. A crescente adoção institucional não eleva o status do Bitcoin (BTC) a um ativo de reserva, afirma o analista:
“Alguns analistas projetam que, futuramente, o Bitcoin possa integrar as reservas internacionais devido ao seu reconhecimento como ‘ouro digital’. Entretanto, atualmente, a criptomoeda é predominantemente considerada um instrumento de hedge por investidores privados.”
O próprio Banco Central brasileiro rejeita a adoção do Bitcoin como ativo de reserva, alegando que se trata de um ativo extremamente volátil.
Esse status pode mudar caso os Estados Unidos avancem com o projeto de criação de uma reserva estratégica de Bitcoin. No entanto, a prioridade do governo Trump com sua política pró-cripto parece ser utilizar as stablecoins como um instrumento para sustentar a hegemonia do dólar.
A Lei GENIUS estabelece que os emissores de stablecoins devem lastrear os tokens em circulação na proporção de 1:1 com Títulos do Tesouro de curto prazo, gerando demanda contínua por dólares não apenas em nível governamental, mas também individual.
“Se nas economias desenvolvidas, as stablecoins são vistas sob o ângulo da inovação financeira, nos mercados emergentes elas assumem um caráter ainda mais prático e imediato: tornam-se instrumentos de acesso à liquidez, proteção contra a volatilidade cambial e canais de integração internacional", afirma Uliana.
Para o analista, a ampla adoção de stablecoins “pode remodelar fluxos financeiros locais e, ao mesmo tempo, reforçar a centralidade do dólar digital no sistema monetário global.”
Independentemente disso, segundo ele, o fenômeno da desdolarização que estamos testemunhando não deve resultar na substituição do dólar por outro ativo de reserva dominante, mas sim “no surgimento de um sistema mais fragmentado e multipolar, no qual ativos tradicionais e digitais coexistem em novos arranjos de liquidez global.”