A criação de sistemas e meios de pagamento digitais alternativos ao dólar deve ficar de fora da declaração final da cúpula do BRICS, que será realizada no Rio de Janeiro entre 6 e 7 de julho.
Apesar da pressão exercida pela Rússia e pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), liderado pela ex-presidente Dilma Rousseff, pela adoção de ativos digitais para buscar maior independência da moeda norte-americana, a proposta teria sofrido resistência do Brasil e da Índia. A China também não teria dado apoio decisivo à proposta.
Fontes citadas por uma reportagem da Folha de São Paulo indicaram que a criação de uma moeda do BRICS ou mesmo a criação de um sistema de pagamentos digitais alternativos ao SWIFT — que permitiria transações comerciais com moedas dos países do bloco — não deve estar entre as prioridades do bloco neste momento.
A posição do Brasil visa evitar um confronto direto com os Estados Unidos. Segundo Bryan Harris, sócio-gerente da consultoria Sabio, a resposta do governo de Donald Trump seria “rápida e severa.” “Posso ver países como a Índia e o Brasil fazendo de tudo para evitar esse cenário.”
Em janeiro, logo após assumir a presidência, Trump emitiu uma advertência direta aos países do bloco. O presidente norte-americano declarou que haveria retaliações significativas caso os membros do BRICS tentassem substituir o dólar como moeda de reserva global.
A ameaça envolvia a imposição de "tarifas de 100%" se o grupo avançasse na criação de uma nova moeda do BRICS ou apoiasse qualquer outro meio de pagamento que pudesse rivalizar com a moeda norte-americana.
O Brasil e a Índia priorizam sua relação comercial e política com os EUA, cientes de que as consequências de sanções ou um isolamento econômico seriam potencialmente negativas.
Segundo um negociador envolvido nas discussões, a proposta de uma plataforma mais robusta "não foi suficientemente discutida". Ele acrescentou que muitos países, incluindo o Brasil, não querem "cutucar a onça com vara curta."
A percepção é que os riscos associados a uma iniciativa que desafiasse diretamente a hegemonia do dólar, superariam os potenciais benefícios de um sistema alternativo ainda em fase de concepção e e com incerteza sobre sua aceitação global.
Assim, a menção a um sistema de pagamentos digitais alternativo na declaração final deve se resumir a uma referência vaga, sem compromissos explícitos ou metas objetivas para o avanço do projeto.
Rússia é a maior interessada na criação de sistemas alternativos
Vladimir Putin, presidente da Rússia, tem sido um dos maiores defensores da criação de um sistema de pagamentos alternativo ao dólar para contornar as sanções econômicas impostas pelo Estados Unidos e a União Europeia após o início da guerra da Ucrânia em fevereiro de 2022.
No mês passado, Putin se reuniu com Rousseff em São Petersburgo e defendeu que o NDB, banco de investimento do BRICS, promova a expansão da liquidez das moedas nacionais dos países do bloco e a criação de uma plataforma digital para investimentos.
Embora o presidente russo não tenha detalhado a proposta, Putin e membros de seu governo têm tomado medidas favoráveis à adoção de ativos digitais, incluindo o Bitcoin (BTC), para criar um sistema de pagamento e liquidação de transações internacionais menos dependente das potências ocidentais.
Na edição anterior da cúpula, em Kazan, na Rússia, o ministro das Finanças russo, Anton Siluanov, afirmou que “os países do Brics precisam de medidas de proteção e mecanismos financeiros alternativos", estipulando o prazo de um ano para que entrassem em funcionamento.
Na declaração final da cúpula de Kazan foi incluído o compromisso de desenvolver “uma infraestrutura independente de liquidação e custódia transfronteiriça", intitulada Brics Clear, . Além disso, houve uma orientação aos ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais dos países-membros para discutir "a questão das moedas locais, instrumentos de pagamento e plataformas." No entanto, com o Brasil na liderança do bloco, o projeto não avançou.
Especialistas acreditavam que, sob a presidência do Brasil, o BRICS poderia acelerar o processo de desdolarização das finanças globais, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.