O veto de Donald Trump ao desenvolvimento de uma moeda digital de banco central (CBDC) atrelada ao dólar nos Estados Unidos e as campanhas da oposição ao governo Lula contra o “real digital” não ameaçam a continuidade do projeto do Drex, afirmou João Gianvecchio, gerente de ativos digitais do Banco BV.
Em entrevista ao Cointelegraph Brasil durante o Web Summit Rio, Gianvecchio afirmou que “o projeto tem evoluído bastante” na segunda fase do piloto, atualmente em andamento, ao mesmo tempo em que novos testes com soluções de privacidade vêm sendo executados.
O Banco BV está envolvido no desenvolvimento do Drex desde os estágios iniciais do projeto. “Quando surgiram as primeiras discussões sobre o Drex, nós entendemos que era importante estar próximo do regulador, participando e auxiliando na criação da plataforma do real digital", afirmou o executivo.
Piloto Drex avança
Na segunda fase do Piloto Drex, o Banco BV integra um consórcio em conjunto com a B3 e o Banco Santander focado na compra e venda de automóveis, explorando especificamente a tokenização de ativos reais (RWA) e a digitalização dos processos de financiamento e transferência de propriedade de veículos.
Segundo Gianvecchio, o objetivo é simplificar, agilizar e tornar mais seguro o processo de compra, venda e registro de automóveis no Brasil por meio da plataforma do Drex.
“Hoje, existe uma fricção no processo de compra e venda de veículos, pois é necessário que haja confiança para viabilizar a transação", afirmou o executivo.
O caso de uso desenvolvido pelo consórcio viabiliza operações C2C (customer-to-customer), nas quais duas pessoas físicas podem transacionar veículos por meio de troca instantânea DvP (entrega versus pagamento), com tokens RWA e certificado de registro digitalizado.
Além de maior eficiência operacional, um dos principais benefícios desse caso de uso será a redução de fraudes. Na plataforma do Drex, a liquidação financeira e a transferência de propriedade serão instantâneas, automáticas e seguras para todas as partes envolvidas.
Gianvecchio afirmou que o desenvolvimento do produto está seguindo o cronograma previsto pelo Banco Central e será concluído em tempo hábil:
“Nós temos até o final de junho para emitir um relatório de acordo com os parâmetros definidos pelo Banco Central, que, então, deve consolidar as informações para torná-las públicas juntamente com as dos demais consórcios.”
Segundo o gerente de ativos digitais do Banco BV, eventuais atrasos na implementação do projeto são naturais em um processo de remodelamento dos trilhos financeiros em uma economia cada vez mais digital.
“É muito difícil precisar um horizonte de tempo [para implementação]”, diz Gianvecchio. “O que a gente vem fazendo dentro de casa é criar as esteiras para que quando esse trilho do Drex estiver pronto, nós possamos ofertar os novos serviços para os nossos clientes o mais rápido possível.”
Tokenização e o Drex
A visão estratégica do Banco BV para os ativos digitais não se restringe ao Drex, como explicou o gerente de ativos digitais. Segundo Gianvecchio, embora a moeda digital de banco central prometa trazer ganhos significativos de eficiência, o banco não está esperando pela implementação completa da plataforma para avançar com iniciativas de tokenização de ativos reais.
"Tokenização e Drex podem andar separados", afirmou o executivo, citando o lançamento recente do Token de Dívida Imobiliária Corporativa (TDIC) criado em parceria com a Liqi, uma fintech especializada em tokenização.
Segundo Gianvecchio, o TDIC demonstra tanto o potencial quanto as limitações que o Drex poderia resolver. "O TDIC que a gente lançou em parceria com a Liqi faz a liquidação em Pix, mas tem uma ineficiência operacional nesse processo que com o Drex ganharia muito mais eficiência", explicou Gianvecchio.
A liquidação via Pix, embora funcional, não oferece a mesma integração nativa com contratos inteligentes que a infraestrutura do Drex proporcionará.
"Se fosse tudo via Drex haveria maior segurança e eficiência", diz o executivo, sob o argumento de que os contratos inteligentes eliminariam etapas manuais e reduziriam os custos e riscos operacionais.
Estados Unidos são exceção e não a regra
O executivo descarta a possibilidade de que o veto de Trump ao “dólar digital” nos EUA e a adoção de stablecoins para reforçar a hegemonia da moeda norte-americana possam alterar o desenvolvimento de moedas digitais de banco central em outras jurisdições:
“O fator Estados Unidos é um caso isolado, pois existem grandes projetos de CBDCs sendo desenvolvidos ao redor do mundo.”
Gianvecchio menciona como exemplo o projeto Ágora, que congrega bancos centrais de países como Japão, Inglaterra, México e França, sendo que este último representa a União Europeia.
Segundo Gianvecchio, a opção dos EUA por stablecoins revela que os criptoativos e as moedas digitais de banco central vão coexistir em um sistema financeiro integralmente digitalizado:
“Vai depender muito do consumidor final, da regulação e da política monetária de cada país para que cada banco central decida o trilho que será usado, se stablecoins ou moedas digitais que terão interoperabilidade com outras moedas digitais.”
Mudança no BC e campanhas da oposição não ameaçam o Drex
No cenário doméstico, Gianvecchio não acredita que a mudança na presidência do Banco Central, com a saída de Roberto Campos Neto e a entrada de Gabriel Galípolo, possa afetar o andamento do projeto:
“Os grupos de trabalho do Drex que foram formados antes e depois da mudança na presidência do BC continuam operando normalmente depois da saída do Campos Neto. Os mesmos times técnicos, os mesmos times de negócios continuam trabalhando na gestão do Galípolo. Não parece haver descontinuidade.”
A campanha da oposição ao governo Lula contra o Drex também não representa uma ameaça. Gianvecchio acha pouco provável que uma mudança no governo interrompa o desenvolvimento do real digital, visto que o BC é um órgão independente.
Em agosto de 2024, a deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.341/2024, propondo a proibição da extinção do papel-moeda em território nacional e tornando facultativa a adoção do Drex.
Em defesa do PL, Zanatta afirmou que o “real digital” poderá ser utilizado como uma ferramenta de controle social para impor restrições aos cidadãos brasileiros, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) manifestaram apoio à proposta em mais de uma ocasião.