Resumo da notícia:

  • A Medida Provisória 1.303/2025 que propõe acabar com a isenção de R$ 35 mil mensais para criptoativos pode caducar em 8 de outubro.

  • Especialistas do setor apontam que ainda há possibilidade de negociação para manter algum limite de isenção e garantir isonomia com o mercado acionário.

  • Caso a MP perca validade, o governo pode reapresentar as propostas via Projeto de Lei, permitindo debate mais amplo sobre a tributação de ativos digitais.

A Medida Provisória (MP) 1.303/2025, que propõe novas regras para tributação de investimentos financeiros no Brasil, incluindo os criptoativos, precisa ser aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal até quarta-feira, 8 de outubro, para não perder a validade.

Com votação pautada para terça-feira, 7 de outubro, na comissão mista que analisa a matéria, o governo corre contra o tempo para vencer a resistência de parlamentares da oposição. Nestas circunstâncias, a aprovação é incerta, afirma Pedro Torres, especialista em ativos virtuais e sócio do Sydow e Torres Advogados:

“É um prazo bastante apertado. Vai ser basicamente um dia para votar na comissão mista e depois aprovar nas duas casas.”

O eventual vencimento da MP invalida o texto proposto pelo relator Carlos Zarattini (PT-SP) e todas as centenas de emendas apresentadas durante a tramitação, exigindo que o governo ou o parlamento apresentem uma nova proposta legislativa para que o tema volte a ser formalmente discutido.

Representantes do mercado ouvidos pelo Cointelegraph Brasil acreditam que há chances de aprovação, desde que o governo ceda em alguns pontos.

Vanessa Butalla, vice-presidente de Jurídico, Compliance e Riscos do Mercado Bitcoin (MB), acredita que a flexibilidade do governo nas negociações será um fator decisivo para o avanço da proposta:

“Diante do curto prazo para votação e da prioridade recente dada a outras pautas econômicas, cresce a percepção de que o governo pode aceitar ajustes adicionais ou até mesmo abrir mão de trechos mais sensíveis para evitar que a medida provisória caduque sem aprovação.”

Para Julián Colombo, diretor sênior de Políticas Públicas e Estratégia para a América do Sul na Bitso, a aprovação passa necessariamente por ajustes no texto final:

“A MP 1.303/2025 está na reta final e ainda pode sofrer ajustes antes da votação. Dada a complexidade e o alcance da proposta, é provável que, se aprovada, traga mudanças.”

Apesar da intenção de Zarattini de acelerar a tramitação da MP no Congresso, buscando uma aprovação relâmpago dentro dos limites regimentais, a proposta enfrenta resistência de membros da oposição.

Torres afirma que há múltiplas divergências devido ao mérito da proposta e à forma como ela foi encaminhada ao Congresso. O advogado entende que uma alteração significativa na tributação de investimentos financeiros deveria ter sido apresentada sob a forma de um projeto de lei específico, proporcionando espaço para um debate mais amplo sobre as medidas propostas.

Demandas do setor vão além da manutenção da isenção

Editada pelo governo após o Congresso vetar o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), a MP 1.303/2025 busca elevar a arrecadação federal de forma emergencial para cumprir as metas fiscais de curto prazo. Segundo o Ministério da Fazenda, as novas regras podem aumentar a arrecadação do governo em cerca de R$ 20 bilhões a partir de 2026.

A ânsia do governo para aprovar as medidas teria, inclusive, transformado alguns pontos da MP em moeda de troca em negociações políticas mais amplas, que extrapolam o objeto central da matéria, segundo Torres.

O descontentamento da bancada do agronegócio com as alterações propostas por Zarattini tornou-se um dos principais "pontos de inflexão", travando a votação da MP na comissão mista. Devido à pressão dos ruralistas, o relator voltou atrás e decidiu manter a isenção sobre investimentos em títulos do agronegócio para viabilizar a aprovação da matéria.

“Diante do curto prazo para votação e da prioridade recente dada a outras pautas econômicas, cresce a percepção de que o governo pode aceitar ajustes adicionais ou até mesmo abrir mão de trechos mais sensíveis para evitar que a medida provisória caduque sem aprovação,” afirma Butalla.

Alterações nas regras sobre a tributação de criptoativos ainda podem ser incorporadas à proposta, acredita a executiva do MB, pois, segundo ela, “uma parte relevante do Congresso segue resistente às regras propostas, enxergando nelas apenas um caráter arrecadatório.”

“Isso mantém em aberto a possibilidade de novas alterações no trecho que trata da tributação de criptos e meios de pagamento", afirma Butalla.

Colombo acrescenta que, assim como o agronegócio travou a tramitação da MP na comissão mista, empresas e entidades do mercado cripto estão trabalhando ativamente nos bastidores para garantir um ambiente regulatório e fiscal mais favorável para o setor:

“Hoje, o parecer trabalha com fim da isenção e imposto de 17,5% a partir de 2026, além de 7,5% para regularização; esse pacote pode ser reescrito nas negociações finais.”

As empresas e entidades do setor têm como principal demanda a manutenção de um limite de isenção sobre ganhos de capital com criptoativos, garantindo isonomia com o mercado acionário, afirma Butalla:

“O texto atual tira a isenção para vendas mensais de até R$ 35 mil em criptoativos, mas mantém e até amplia benefícios para quem investe em ações, mesmo existindo 2,5 vezes mais investidores em cripto do que em ações no país. Desejamos recuperar algum limite de isenção, seja no modelo mensal de R$ 35 mil ou ao menos idêntico à regra trimestral de R$ 60 mil usada para a bolsa de valores, para assegurar igualdade de tratamento aos cidadãos investidores de ambos os ativos.”

Além do estabelecimento de um limite de isenção, outros pontos que estão sendo negociados no Congresso envolvem a revisão da alíquota de 7,5% para regularização de criptoativos não declarados, simplificação das regras de reporte em harmonização com a Lei de Ativos Virtuais e as normas do Banco Central e da Receita Federal, e a diferenciação entre investimentos financeiros e meios de pagamento.

A estratégia governamental é consequência direta de uma compreensão "simplista" e "limitada" dos criptoativos, segundo Torres.

O advogado argumenta que a versão final da proposta ignora a diversidade de aplicações da tecnologia blockchain e as diferentes finalidades dos criptoativos, que não se limitam à especulação financeira:

“Tem ativos como o Bitcoin, que são associados à reserva de valor. As stablecoins atreladas ao dólar, como o USDT, que se prestam a diversas funções. Tokens utilitários, tokens securitários e por aí vai. É preciso entender para que esses tokens foram criados, quais suas finalidades, quem são os usuários.”

Para Colombo, é fundamental que haja tratamento diferenciado para o uso de criptoativos em compras cotidianas e remessas de baixo valor, com um regime de tributação simplificado, enquanto operações de trading e investimento financeiro ficariam sujeitas à alíquota estabelecida pelo governo.

A garantia de que a MP não tenha efeitos retroativos também é uma demanda do setor. Nesse caso, criptoativos adquiridos antes da implementação da proposta seriam excluídos do novo regime, assegurando neutralidade tributária sobre ganhos acumulados até a data de transição.

O que acontece se a MP 1.303/2025 caducar?

Mesmo que a MP caduque, o debate sobre a tributação de criptoativos não será encerrado. Torres aponta que a perda de eficácia da medida provisória abre novas possibilidades para a construção de um marco tributário para o setor.

Uma das alternativas levantadas por Torres é a transposição das propostas apresentadas na MP por meio de emendas a um Projeto de Lei que já esteja em andamento no Congresso. Para o governo, seria uma forma de acelerar a discussão dentro de um novo contexto político com tempo hábil para implementação a partir de janeiro de 2026.

Outra possibilidade seria apresentar as propostas por meio de um Projeto de Lei específico. Para Torres, essa alternativa é mais adequada, pois permite um debate mais amplo e profundo sobre as regras e suas implicações.

Diferentemente do rito acelerado da MP, um PL oferece mais tempo e espaço para "costurar algum acordo político", ouvir os diversos setores do mercado e aprimorar tecnicamente a proposta, afirma o advogado.