A privacidade digital talvez não esteja entre as prioridades dos cidadãos em um mundo amplamente conectado, no qual quantidades maciças de dados são produzidas diariamente, mas os governos estão plenamente conscientes de que suas estruturas de controle dependem da capacidade de monitorar e rastrear as atividades que ocorrem on-line. Afinal, a vigilância constante é uma premissa fundamental de sistemas centralizados.
O despertar das massas, no entanto, é apenas uma questão de tempo. Quando a maioria dos usuários de serviços digitais perceber a importância de assumir o controle sobre seu histórico de dados, serão necessárias infraestruturas descentralizadas para oferecer privacidade e segurança aos cidadãos, afirmou Alexis Roussel, cofundador e CCO da Nym Network, em entrevista exclusiva ao Cointelegraph Brasil.
“A maioria das pessoas não se importa com o fato de trocar dados com sua rede e seus amigos, mas eles sabem que vivem em um mundo digital em que se está constantemente coletando dados sobre suas atividades e cada vez mais vão querer ter controle sobre isso", diz Alexis.
O executivo ressalta que ao abrir mão de sua privacidade digital, os usuários estão inevitavelmente perdendo autonomia:
“As pessoas não se importam com a privacidade, mas querem ter o controle. E, na verdade, estamos cada vez mais conscientes de que, em lugares onde não temos privacidade, temos menos controle.”
Considerada um fator fundamental para o desenvolvimento da indústria de criptomoedas, a regulamentação das criptomoedas nos Estados Unidos pode ser justamente o catalisador fundamental para que as pessoas despertem para o que está em jogo, pois, segundo Alexis, não há hipótese alguma de que governos sejam a favor de expandir o direito à privacidade dos cidadãos:
“Os EUA nunca serão a favor da privacidade, e Trump nunca será a favor. Por enquanto, ele não está tomando medidas contra a privacidade, e isso é bom, ao contrário da Europa, que é ativamente contra qualquer salvaguarda.”
Embora as leis tendam a se opor à privacidade, haverá níveis diferentes de restrições em cada jurisdição, de acordo com a ameaça percebida pelo governo e a classe política, afirma o executivo.
Nym Network
Com o propósito de atender a um público potencialmente crescente, a Nym Network vem desenvolvendo há mais de três anos uma infraestrutura de privacidade descentralizada, baseada na tecnologia de mixnets, capaz de ocultar o tráfego de dados de forma mais eficaz, tornando as interações on-line mais controladas e seguras.
Respeitando a regulamentação nos países em que operam, a Nym Network busca fortalecer a descentralização do sistema para neutralizar eventuais ameaças futuras, afirma Alexis:
“Nosso objetivo é descentralizar ao máximo, porque tudo o que é descentralizado não entra na jurisdição de nenhum país específico. Portanto, uma rede global de privacidade é algo que terá um tamanho muito maior do que qualquer estado-nação, e eles não poderão se opor a ela de forma absoluta.”
O sistema da Nym Network parte do pressuposto de que a internet não foi projetada tendo a privacidade como uma propriedade fundamental. Atualmente, a maioria das soluções que oferecem recursos de proteção de conteúdo expõem metadados dos usuários. E a análise de metadados é capaz de revelar informações que, por padrão, os usuários teriam o direito de manter ocultas, como preferências políticas, relações sociais e histórico de compras.
Segundo Alexis, VPNs podem ser monitorados e censurados por meio de acesso local aos seus servidores. Isso abre brechas para o monitoramento de tráfego de rede e a vinculação de atividades on-line a dados pessoais.
Por sua vez, o Tor oferece maior proteção aos metadados, mas é vulnerável a ataques de correlação por entidades que monitoram o tráfego de entrada e saída.
A Nym é uma rede de sobreposição projetada para oferecer acesso privado a aplicações e usuários, combinando uma mixnet descentralizada que roteia o tráfego de rede de forma não rastreável, mesmo contra adversários globais, com um sistema de criptografia de credenciais anônimas baseadas em provas de conhecimento zero (ZK-Proof) que permite aos usuários provar seu "direito de uso" da rede sem prejuízo à manutenção do seu anonimato.
Quando uma mensagem é enviada pela rede da Nym, ela não é encaminhada diretamente ao destino. Em vez disso, ela passa por uma série de nós (computadores operados por pessoas ao redor do mundo) chamados mix nodes. Cada mix node recebe pacotes de dados que são criptografados mais uma vez, adicionando uma nova camada de proteção, mistura-os com outros pacotes recebidos de diferentes usuários e os transmite com um pequeno atraso aleatório.
Arquitetura e fluxos da Nym Network. Fonte: Whitepaper The Nym Network - The Next Generation of Privacy Infrastructure
Esse processo de misturar, reordenar e atrasar os pacotes torna extremamente difícil para qualquer observador externo rastrear a origem e o destino de uma mensagem específica ou identificar padrões de comunicação.
“As pessoas passarão naturalmente a usar coisas amigáveis à privacidade ou aplicações de privacidade, não porque achem que têm algo a esconder, mas porque perceberão que há inúmeras vantagens nisso", afirma Alexis.
Atualmente, a Nym oferece um produto destinado ao consumidor final que funciona em duas modalidades. A primeira tem foco em velocidade e eficiência, enquanto o modo “anônimo” utiliza todos os recursos de privacidade da rede priorizando máxima segurança.
Embora tecnicamente não se trate de um VPN, a empresa optou por comercializá-lo como se fosse por questões de marketing e negócios. “Decidimos chamá-lo de VPN, porque é isso que as pessoas entendem", explica Alexis.
Criptomoedas criam sistema de incentivo para sustentação da rede
A Nym Network adotou um sistema de incentivos baseado na distribuição do token nativo Nym (NYM) para os operadores de mix nodes, gateways e validadores. Segundo Alexis, o sistema é mais eficiente e oferece vantagens competitivas em relação a modelos de negócios clássicos ou que não oferecem compensação aos prestadores de serviço:
“O Tor é um modelo baseado em caridade. As pessoas fornecem recursos gratuitos para essa rede: computadores gratuitos, computação e largura de banda, o que quer que seja. Mas descobrimos que isso tem um tipo de limite. O outro modelo é aquele em que você cobra pelo produto, como uma empresa. Então, o modelo descentralizado permite a criação de uma cooperativa em que todos os que colocam recursos nessa cooperativa são recompensados. Sempre que as pessoas usam a rede e pagam por ela, os recursos são divididos de forma programática.”
Para garantir a sustentabilidade da rede no longo prazo, a equipe da Nym adotou um modelo econômico de suprimento limitado e emissão controlada de tokens NYM inspirado no Bitcoin (BTC).
Na fase inicial, 250 milhões de tokens NYM foram adicionados a um pool para garantir a liquidez dos incentivos. Assim, como no caso do Bitcoin, as recompensas eram altas no início e foram decaindo com o tempo.
Segundo Alexis, esta foi a fase mais difícil, mas provou-se bem sucedida, uma vez que a rede está rodando funcionalmente há três anos com nós incentivados.
A segunda fase é a mais desafiadora, reconhece o executivo, pois a ideia é que, progressivamente, as taxas geradas pelos usuários assumam o papel da recompensa por bloco.
Segundo ele, o fato de a rede oferecer uma infraestrutura de serviços favorece o equilíbrio entre oferta e demanda. A variação do preço do token, atualmente 99% abaixo de sua máxima histórica, não é motivo de preocupação, pois “os operadores de nós se preocupam mais com "a relação entre o quanto eles ganham em [NYM] comparado ao que eles gastam em moedas fiduciárias” para manter suas operações.
Mercado brasileiro e latino-americano
Fundada na Suíça, a Nym conta com o apoio do Swissnex, uma iniciativa do governo suíço para promover inovação e intercâmbio de negócios entre o Brasil e a Suíça. Alexis afirma que a comunidade brasileira e latino-americana está cada vez mais em expansão:
“No Brasil, especificamente, temos uma comunidade bastante forte que realmente gosta de nós. Na verdade, hoje, o que notamos é que no mundo, a América Latina em geral e o Brasil são os mais ativos em termos de organização de pequenos workshops, tentando entender como a Nym funciona.
Ao combinar tecnologias de ponta como mixnets e provas de conhecimento zero com um modelo de incentivo sustentável via blockchain e criptomoedas, a Nym não apenas oferece ferramentas para proteger dados e metadados, mas também contribui para a formação de comunidades globais ativas na defesa da autonomia digital contra a vigilância estatal e de grandes empresas de tecnologia.