Em um novo capítulo da batalha do Estado contra as criptomoedas, o economista Daniel Negreiros Conceição delineou um plano para neutralizar o interesse dos investidores no Bitcoin (BTC), que, segundo ele, é um “ativo digital sem emissor, sem garantias e sem qualquer valor de uso concreto.”

Apresentado em um artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, o “Swapcripto” se baseia na premissa de que bancos centrais poderiam oferecer contratos de investimento similares aos swaps cambiais tradicionais, permitindo que investidores apostem na valorização das criptomoedas sem precisar adquiri-las diretamente.

No entanto, especialistas do setor ouvidos pelo Cointelegraph Brasil apontam vulnerabilidades críticas no projeto. Fundamentalmente, Conceição subestima drasticamente a natureza descentralizada do Bitcoin e superestima a capacidade do Estado de competir com um mercado global de derivativos que movimenta trilhões de dólares anualmente.

“Swapcripto”: a arma dos bancos centrais para acabar com o mercado cripto

Os swaps cambiais são contratos financeiros em que bancos centrais oferecem aos investidores rendimentos equivalentes à variação cambial acrescida de juros, sem negociação direta da moeda estrangeira.

O Banco Central do Brasil (BC), por exemplo, utiliza swaps cambiais como uma ferramenta para controlar a volatilidade do câmbio e estabilizar a cotação da moeda, atuando no mercado para evitar oscilações abruptas no valor do real frente ao dólar.

Na prática, o 'Swapcripto' propõe que bancos centrais ofereçam derivativos denominados em moedas fiduciárias atrelados ao preço do Bitcoin, acrescidos de um pequeno prêmio em relação ao seu valor de mercado.

Conceição argumenta que, ao oferecer exposição ao Bitcoin com a 'segurança' do Estado como contraparte, os investidores abandonariam a criptomoeda, drenando sua liquidez e permitindo aos governos influenciar ativamente seu valor de mercado. O resultado, segundo o economista, seria a diminuição da demanda e a gradual desvalorização do Bitcoin ao longo do tempo:

“O castelo de cartas da escassez se desmancha no ar. O investidor especulativo ganha uma alternativa mais segura e o criptoativo perde seu oxigênio: a demanda inflada por expectativas.”

Falhas conceituais do “Swapcripto”

A premissa do “Swapcripto” se baseia em falhas conceituais, afirmou Victor Alpha, economista, cientista de dados e Diretor de Research da WeSearch, em depoimento ao Cointelegraph Brasil:

“A analogia entre swaps cambiais e derivativos de criptomoedas é falha devido às diferenças fundamentais entre moedas fiduciárias e criptomoedas.”

Para ser efetivo, o “Swapcripto” dependeria de um esforço de coordenação global inédito e sem precedentes no que diz respeito à regulação, explica o analista:

“Swaps cambiais operam em mercados regulados, com moedas lastreadas por Estados, enquanto criptomoedas são descentralizadas, globais e operam 24/7, dificultando a intervenção de um único banco central. Portanto, a proposta do ‘Swapcripto’ subestima a complexidade do mercado de criptomoedas e superestima a capacidade dos bancos centrais de influenciá-lo.”

Caio Leta, chefe de conteúdo e pesquisa da Bipa, acrescenta que o "Swapcripto” ignora o fator social, cultural e ideológico do Bitcoin:

“A ideia subestima várias características fundamentais do Bitcoin, como sua natureza de alternativa monetária soberana e descentralizada, sua capacidade de funcionar como um sistema de liquidação global sem intermediários e sua política monetária previsível e imutável.”

Plano reduz proposta de valor do Bitcoin a especulação

Conceição argumenta que as promessas de liberdade, descentralização e proteção contra a inflação do Bitcoin são puramente especulativas sem a chancela estatal, enquanto o valor das moedas fiduciárias deriva da soberania governamental: 

“Por que o dinheiro fiduciário tem valor? Porque o Estado exige que os impostos sejam pagos com ele. Ao anunciar punições para sonegadores de impostos, o Estado torna a obtenção da sua moeda uma necessidade. E como o Estado é o único agente capaz de criar a moeda com que pagamos impostos, a moeda será tão custosa ou escassa quanto o Estado desejar.”

Victor aponta que a demanda por criptomoedas deixou de ser exclusivamente especulativa. Investidores institucionais cada vez mais têm buscado exposição ao Bitcoin não apenas como um diversificador de portfólio, mas também como um ativo de proteção.

Maior gestora do mundo, com US$ 11,5 trilhões em ativos sob gestão, a BlackRock detém US$ 30 bilhões em Bitcoin, enquanto os moradores de países cujas moedas são inflacionárias valorizam a descentralização e a proteção à depreciação do patrimônio que o Bitcoin oferece, justamente por sua independência em relação ao controle estatal.

O analista da WeSearch sugere ainda que o "Swapcripto” poderia causar efeitos opostos aos desejados, na medida em que “a oferta de derivativos por um banco central poderia, paradoxalmente, legitimar as criptomoedas, atraindo mais especuladores e aumentando a volatilidade do mercado.”

Não apenas os investidores ficariam mais expostos a riscos sistêmicos, como também os próprios bancos centrais.

“A volatilidade do Bitcoin, com variações diárias de até 20% (contra 1-2% no câmbio tradicional), exporia os bancos centrais a riscos financeiros enormes, potencialmente comprometendo sua solvência", alerta Victor.

“A promessa de ‘segurança’ do plano ignora o risco de contraparte estatal”, acrescenta o analista. Um colapso de 50% no preço, como ocorreu em 2022, forçaria os bancos centrais a honrar compromissos bilionários com os detentores do contrato, drenando reservas e potencialmente transferindo parte dos custos para estabilizar o sistema aos contribuintes.

Além disso, a infraestrutura e o capital necessários para gerenciar o “Swapcripto", incluindo o monitoramento dos preços e a liquidação em tempo real, exigiriam investimentos estatais massivos para que os bancos centrais pudessem competir em condições de igualdade com exchanges de derivativos estabelecidas, destaca Victor.

Portanto, os argumentos de Conceição de que o “Swapcripto” ofereceria maior liquidez e segurança aos investidores, eliminando os riscos operacionais, tecnológicos e jurídicos do mercado de criptomoedas, não se sustentam.

“A intervenção estatal seria redundante e ineficiente, desviando recursos de funções prioritárias como controle inflacionário e estabilidade financeira", conclui Victor.

Risco sistêmico: quando o remédio é pior que a doença

Conceição não ignora os riscos inerentes ao seu plano, mas propõe que eventuais prejuízos do “Swapcripto” aos cidadãos sejam “compensados seletivamente por intervenções soberanas, privilegiando pequenos investidores para quem tais perdas pudessem representar ameaças graves aos seus sustentos.”

O economista defende que os custos contábeis das operações de derivativos seriam amplamente compensados pela estabilização dos mercados financeiros e a redução do risco de crises sistêmicas"

“Se a política for bem-sucedida, não haverá valorização dos criptoativos, e, sem valorização, o prêmio pago pelo Estado será mínimo."

A proposta de oferecer garantias aos investidores contra perdas patrimoniais abriria um precedente perigoso, segundo Victor, incentivando comportamentos de risco que poderiam amplificar contágios em colapsos como o da FTX, em 2022.

Ao fim e ao cabo, a adoção de swaps atrelados a criptomoedas reforçaria a centralização do sistema financeiro, não ofereceria proteção contra a desvalorização monetária e teria margem limitada para causar impactos significativos nos preços das criptomoedas, além de  não oferecer a liberdade, descentralização e previsibilidade monetária que o Bitcoin proporciona.

Para os analistas, o "Swapcripto” revela mais sobre o desconforto das instituições tradicionais com a ascensão de um ativo alternativo ao sistema legado do que sobre uma estratégia viável para conter o avanço das criptomoedas. Enquanto governos continuam buscando formas de regular ou controlar o mercado cripto, o Bitcoin segue demonstrando sua resiliência frente a tentativas de intervenção e controle estatal.