Desde as máximas de US$ 109.500, registradas em 20 de janeiro de 2025, com a posse de Donald Trump na presidência dos EUA, o Bitcoin (BTC) entrou em um período de distribuição, caracterizado pela realização de lucros por parte dos investidores.
Escore de tendência de acumulação do Bitcoin. Fonte: Glassnode
A correção de 25% no preço do Bitcoin foi acompanhada por uma desvalorização significativa das altcoins. O Ethereum (ETH) sequer renovou seu recorde de preço de novembro de 2021 e acumula um prejuízo de 61% em relação ao topo. Altcoin de maior destaque do ciclo atual, a Solana (SOL) está 58% abaixo de suas máximas históricas, após o colapso do mercado de memecoins que impulsionou a expansão de seu ecossistema.
Altcoins que se destacaram por altos ganhos registrados em 2024, como Virtuals Protocols (VIRTUAL), Ethena (ENA) e Sui (SUI) estão 87%, 76% e 58% abaixo de seus topos, respectivamente.
Gráfico diário BTC, ETH, SOL, SUI, ENA e VIRTUAL desde a posse de Trump. Fonte: TradingView
Pressionado por incertezas macroeconômicas e geopolíticas, redução na liquidez global, golpes com memecoins, vendas em pânico e enfraquecimento da convicção dos investidores – especialmente os institucionais, que vêm adotando uma postura de aversão ao risco e preservação de capital – há poucas evidências de uma potencial reversão de mercado no curto prazo.
Diante desse cenário, o Cointelegraph Brasil questionou especialistas do mercado sobre a grande interrogação do momento: o mercado entrará em um período de consolidação prolongada antes de buscar novas máximas ou a correção atual marca o início de um novo mercado de baixa?
Correção repete padrões dos ciclos de 2017 e 2021
Há um consenso geral entre os analistas de que a correção atual é comum em mercados de alta e, por si só, não seria um sinal de que a posse de Trump marcou o topo do ciclo.
“As correções que estamos testemunhando no Bitcoin são muito normais até mesmo durante mercados de alta", afirma Rony Szuster, head de Research do Mercado Bitcoin (MB).
Szuster lembra que no ciclo de alta de 2020-2021, o Bitcoin enfrentou quatro ou cinco correções de 20% a 30%, além de uma queda de 50%, quando a China baniu a mineração de criptomoedas em seu território.
Na ocasião, o Bitcoin atingiu o recorde histórico de US$ 69.000 em novembro, seis meses depois do topo de US$ 64.000 registrado em abril.
Caio Villa, CIO da Uniera, lembra que o mesmo ocorreu no ciclo de alta de 2017, quando houve cinco ou seis correções superiores a 30% durante a escalada até a máxima histórica de US$ 20.000 em dezembro.
Com base nos padrões históricos, "é prematuro afirmar que a posse de Trump marcou o topo do ciclo de alta dos criptoativos", afirmou Henry Oyama, Diretor de Estratégias de Investimentos da Hashdex. Ao mesmo tempo, Oyama reconhece que não há sinais evidentes de que a recuperação do mercado será iminente:
"O mercado segue influenciado por fatores macroeconômicos e uma dinâmica de aversão ao risco mais ampla, que levou os investidores a realizarem lucros enquanto aguardam maior clareza no cenário global."
Oyama se refere às políticas econômicas e comerciais de Trump, que aparentemente tem um viés inflacionário no front doméstico e podem acirrar os conflitos geopolíticos ao desafiarem igualmente aliados e rivais.
Theodoro Fleury, gestor e diretor de investimentos da QR Asset Management, alerta para os riscos crescentes de recessão nos EUA. Uma desaceleração da economia americana adicionaria mais um componente de incerteza em um mercado já assombrado por instabilidades:
“Com as declarações de Trump sobre tarifas, e os dados de atividade e preço da economia divulgados recentemente, existe uma possibilidade de o mercado como um todo estar precificando uma recessão nos Estados Unidos. Em ciclos de alta anteriores, o Bitcoin enfrentou algumas correções de mais de 30% no meio do caminho. No entanto, o cenário de recessão seria uma novidade nessa equação.”
A queda do mercado acionário dos EUA reforça o potencial de queda das criptomoedas. A fuga de capital dos ETFs revela uma rejeição da tese de que o Bitcoin seria uma espécie de “ouro digital." Enquanto o ouro segue em alta renovando suas máximas históricas em meio às turbulências globais, a correlação entre as ações e as criptomoedas aumenta.
“Em cenários de maior aversão ao risco, a correlação entre diferentes classes de ativos costuma aumentar, e por isso vimos quedas fortes do mercado cripto como um todo", destacou Fleury. “Além da queda superior a 50% de algumas altcoins, o próprio Bitcoin caiu 30% entre a máxima anual e as mínimas mais recentes.”
Sem entrar no mérito sobre o fim ou a continuidade do atual mercado de alta, o analista da QR Asset Management prevê que os próximos meses serão caracterizados por volatilidade acentuada, “com altos e baixos significativos, até que tenhamos mais clareza de dados sobre em que estágio do ciclo econômico nos encontramos.”
Valter Rabelo, analista de criptoativos da Empiricus Research, não descarta a possibilidade de já estarmos em um mercado de baixa, mas pondera que o cenário regulatório para as criptomoedas tornou-se “muito positivo” nos Estados Unidos desde a confirmação da vitória de Trump em novembro do ano passado. Inclusive com reflexos positivos na apreciação do Bitcoin e das criptomoedas.
No entanto, Rabelo reconhece a forte correlação entre o Bitcoin e as ações dos EUA, afirmando que uma retomada da alta no mercado de criptomoedas depende de o S&P 500 e a Nasdaq consolidarem seus fundos locais.
Políticas de Trump causam "dor" nos mercados financeiros no curto prazo
Os temores de que os Estados Unidos estão à beira de uma recessão se justificam pelas iniciativas deliberadas do governo de Trump para desacelerar a economia americana em uma estratégia que visa reduzir a inflação e refinanciar parte da dívida pública superior a US$ 36 trilhões.
Nos próximos dois anos, US$ 9,2 trilhões em títulos do Tesouro dos EUA atingirão a maturidade. Juros mais baixos são essenciais para que o governo obtenha condições mais favoráveis de refinanciamento. Ainda mais tendo em vista que o déficit do governo atingiu o valor recorde de US$ 1,15 trilhão em fevereiro, com um crescimento anual de 38%.
Tomadas pelo mercado com uma política inflacionária, as tarifas comerciais têm o objetivo de recuperar a indústria local com o objetivo de fortalecer a economia doméstica e diminuir o déficit nas contas externas dos EUA.
Assim, Trump e membros do governo têm afirmado que a “dor” no curto prazo é um mal necessário para recuperar a economia americana e diminuir a dívida pública. Em 6 de março, tanto o presidente quanto Howard Lutnick, Secretário do Comércio, declararam estar indiferentes ao mercado de ações.
Como resultado, as ações dos EUA estão tendo seu pior início em um novo governo desde 2009, quando Barack Obama assumiu a presidência dos EUA em meio à pior crise econômica desde a Grande Depressão.
Desde meados de fevereiro, o S&P 500 perdeu mais de US$ 5 trilhões em capitalização de mercado. O Nasdaq caiu mais de 14% em relação às máximas de dezembro.
Se bem sucedida, a estratégia de Trump pode devolver o protagonismo da atividade econômica ao setor privado, rompendo com a dependência de estímulos fiscais, afirma Rabelo.
Felipe Medeiros, fundador do Boteco Cripto, afirma que os mercados financeiros estão precificando exclusivamente o possível aumento da inflação no curto prazo, sem considerar os potenciais benefícios da estratégia no longo prazo:
“A guerra comercial que o Trump travou com a China no seu primeiro mandato, agora está sendo declarada ao mundo todo, inclusive a aliados como o Canadá e o Reino Unido. Isso deixa o mercado bastante ansioso e inseguro porque as exigências do Trump muitas vezes parecem exageradas, mas eu acredito que os impasses tendem a ser resolvidos, de uma forma de outra, chegando a uma acomodação dos interesses entre as partes.”
Rafaela Romano, analista da Weever Research, acrescenta que, ao contrário das percepções do mercado, as tarifas comerciais não são necessariamente “uma força inflacionária”:
“Durante o primeiro governo de Trump (2017-2021), houve anúncios agressivos de tarifas, mas, na prática, mesmo com a aplicação de tarifas, a inflação recuou. As primeiras tarifas foram anunciadas em março de 2018 e em abril, maio, junho e julho, a inflação subiu, mas nos sete meses seguintes, ela caiu e caiu abaixo de 2% nos meses seguintes, o que contradiz a visão convencional de que tarifas necessariamente geram inflação.”
Primeiro presidente pró-cripto da história dos EUA, Trump estabeleceu um ambiente mais favorável para o setor desde o início do mandato.
"Observamos uma evolução significativa no ambiente regulatório e institucional, com o encerramento de processos contra players da indústria, discussões sobre uma regulamentação mais clara e um diálogo mais próximo entre reguladores, governo e participantes do mercado", diz Oyama, da Hashdex.
Projetos de lei como o marco regulatório das stablecoins passaram a contar com apoio bipartidário no Congresso e legislações contrárias aos interesses do mercado foram revogadas.
“Esses fatores devem favorecer o desenvolvimento e adoção da tecnologia no médio e longo prazo, o que naturalmente deve se refletir nos preços – ainda que seja difícil precisar quando", acrescenta Oyama.
A ordem executiva assinada por Trump estabelecendo a criação de uma “Reserva Estratégica de Bitcoin” e um “Estoque de Ativos Digitais” confirmam a disposição do governo de incorporar os ativos digitais ao sistema financeiro, embora precise da aprovação do Congresso para se converter em uma política de estado.
Caio Leta, head of research da Bipa, acredita que a ordem executiva pode desencadear uma corrida global por Bitcoin em nível governamental:
“Se os EUA aprovarem compras adicionais, além dos Bitcoins já confiscados e sob custódia do governo, outros países podem ser forçados a fazer o mesmo para não ficar para trás. Essa nova dinâmica geopolítica adicionaria um novo e poderoso vetor de demanda estrutural, potencialmente tornando o Bitcoin um ativo disputado por governos, como ocorre com o ouro.”
A ordem executiva prevê que os Estados Unidos mantenham a custódia dos Bitcoins sob posse do governo, mas não descarta a possibilidade de aquisição de novas moedas por meio de “estratégias orçamentárias neutras", que não incorram em custos adicionais para os contribuintes.
Já o projeto de lei encaminhado ao Congresso pela senadora republicana Cynthia Lummis estipula que os Estados Unidos comprem 200.000 BTC por ano por um período de cinco anos, totalizando 1 milhão de BTC.
A reação fria do mercado à ordem executiva demonstra que a “Reserva Estratégica de Bitcoin” dos EUA nos termos propostos por Trump não será suficiente para reativar o interesse dos investidores, apesar das perspectivas otimistas no longo prazo.
Liquidez global
A queda do Bitcoin no primeiro trimestre de 2025 também está associada à redução da liquidez global M2 na segunda metade de 2024.
“O ativo demonstra um comportamento altamente sensível às expansões e contrações monetárias promovidas pelos bancos centrais e diversos estudos apontam que o preço do Bitcoin segue de perto os movimentos do M2 global, o agregado monetário que representa a liquidez disponível na economia, com um atraso de 60 a 120 dias", afirma Leta.
Agora, o crescimento da oferta monetária nos Estados Unidos está se acelerando. Após 11 meses consecutivos de expansão da oferta monetária no país, o M2 cresceu 3,9% em janeiro em relação ao mesmo período no ano anterior, conforme o gráfico abaixo.
Gráfico da oferta monetária M2 nos EUA. Fonte: ZeroHedge
Romano, da Weever Research, destaca que a expansão da oferta monetária é uma tendência global:
“Há fortes sinais de que a liquidez global está voltando a crescer. O Banco do Canadá reduziu sua taxa de juros para 2,75%, sinalizando um movimento mais amplo de flexibilização monetária. A China anunciou um novo pacote de estímulos fiscais, buscando reativar a economia e o setor imobiliário. A Alemanha está prestes a alterar suas rígidas restrições constitucionais sobre endividamento, o que pode significar um relaxamento fiscal significativo na maior economia da Europa.”
Leta aponta que “esse contexto macroeconômico reforça a tese de que o bull market ainda não está perto do fim.”
“É importante lembrar que há um delay na resposta do mercado de criptomoedas à expansão monetária, mas, por enquanto, a resposta nunca falhou”, acrescenta Romano.
Médias móveis e indicadores On-Chain: O Que Eles Revelam?
A análise dos principais indicadores on-chain do Bitcoin sugere que “o nível de aquecimento do mercado ainda está longe dos picos observados em ciclos anteriores, sugerindo que ainda há espaço para novas altas antes de um topo definitivo", segundo Leta.
Uma das métricas on-chain mais populares e amplamente monitoradas pelos investidores de criptomoedas é o MVRV (Valor de Mercado sobre Valor Realizado). O MVRV oferece uma medida da relação de lucro e prejuízo médio das entidades do mercado.
Quando o MVRV está acima de 1, infere-se que, na média, os hodlers de Bitcoin estão no lucro; quando o MVRV cai abaixo de 1, o preço médio é inferior ao valor que as moedas detinham na última vez em que foram movidas.
Atualmente o MVRV do Bitcoin está em território neutro, em torno de 1,9 após atingir um topo de 2,73 em 21 de novembro, de acordo com dados da CryptoQuant. Historicamente, o Bitcoin atinge o topo quando o MVRV ultrapassa 3,7.
MVRV do Bitcoin. Fonte: CryptoQuant
O NUPL (Valor Realizado de Lucros e Prejuízos) revela a diferença entre a capitalização de mercado do Bitcoin e a capitalização realizada dividida pela capitalização de mercado. Supondo que a movimentação mais recente da moeda seja o resultado de uma compra, o NUPL indica o valor proporcional do lucro/prejuízo da totalidade de Bitcoins em circulação.
O NUPL oscila em torno de 0,4 atualmente, após alcançar máximas de 0,62 em 17 de dezembro, de acordo com dados da CryptoQuant. Em 2021, o NUPL atingiu 0,65 em 20 de outubro, três semanas antes de o Bitcoin bater seu recorde histórico.
NUPL do Bitcoin. Fonte: CryptoQuant
Romano alerta que os indicadores on-chain podem não ser ferramentas confiáveis para analisar o estágio atual do ciclo devido à Lei dos Retornos Descendentes:
“Indicadores on-chain como MVRV Z-Score, NUPL e RHODL Ratio mostram um padrão consistente ao longo dos anos: os topos de cada ciclo tendem a ser proporcionalmente menores em relação aos ciclos anteriores, assim como a valorização total do Bitcoin.”
“Mesmo considerando essa redução na amplitude dos topos, os dados on-chain não fornecem evidências suficientes para afirmar que o topo foi atingido", acrescenta a analista.
Romano também analisou indicadores baseados em médias móveis para avaliar a probabilidade de o preço do Bitcoin ter atingido o topo na posse de Trump. Segundo ela, a análise do Py Cycle Top, do Investor Tool e do Múltiplos de Mayer tornam ainda mais frágil a tese de que o ciclo chegou ao fim.
Combinando as perspectivas dos indicadores on-chain e de médias móveis, Romano propõe três hipóteses:
“1. Ainda não atingimos o topo, e há espaço para novas altas.
2. O ciclo quebrou, alterando a dinâmica histórica do mercado.
3. Os principais indicadores precisam ser completamente reavaliados, pois estariam falhando em capturar a estrutura do atual ciclo de alta.”
Ainda haverá altseason?
A ausência de uma altseason consistente, combinando a queda da dominância do Bitcoin e a valorização das altcoins em relação do BTC, seria um indicativo de que o mercado de alta ainda está em curso.
Em linha com o pensamento de que o Bitcoin ainda vai buscar novas máximas, Szuster, do MB, projeta que o ciclo atual terá, sim, uma altseason. No entanto, isso não significa que todas as altcoins irão se recuperar. Para muitas delas, o inverno cripto pode já ter chegado, segundo o analista:
“Acreditamos ainda em uma alta de pelo menos uns 50% para o Bitcoin, fazendo ele atingir uma nova máxima e levando junto também as altcoins, mas há muitos ativos que caíram entre 80% e 90%, como o Virtuals, por exemplo. É preciso analisar as altcoins caso a caso, porque pode ser que algumas realmente não consigam buscar novos topos.”
Medeiros, do Boteco Cripto, avalia que os impactos da redução da liquidez foram exacerbados pelas políticas de Trump e projeta que nos “próximos três a seis meses o mercado como um todo tende a voltar bem forte, beneficiando os investidores que compraram o medo que está sendo vendido hoje.”
A aprovação de novos ETFs nos Estados Unidos também pode contribuir para a confirmação da altseason, segundo Villa, da Uniera, que cita como potenciais beneficiários Solana, Sui, XRP e Ethereum, este último devido à permissão da SEC para que as gestoras façam staking de ETH, gerando rendimentos adicionais para os investidores.
Perspectivas para o preço do Bitcoin
A análise dos especialistas consultados pelo Cointelegraph Brasil revela um cenário de incerteza em relação ao futuro do Bitcoin no curto e médio prazos. Embora a correção atual repita padrões de ciclos de alta anteriores e fatores como expansão monetária global e a clareza regulatória nos EUA possam impulsionar novas máximas, não há uma perspectiva clara de quando a tendência atual pode ser revertida.
Apenas Szuster, do MB, apresentou uma projeção para o preço do Bitcoin nos próximos meses. Em um cenário otimista, o Bitcoin ainda poderia crescer mais de 100% em relação ao preço atual de mercado, chegando a um topo entre US$ 180.000 e US$ 200.000.
A perspectiva realista diante das condições atuais sugere que o Bitcoin ainda pode chegar até US$ 150.000. Mesmo a visão pessimista do MB Research sugere que o Bitcoin voltará a superar os US$ 100.000 para buscar novas máximas históricas em torno dos US$ 120.000.
Enquanto entre os analistas do mercado brasileiro prevalecem cenários otimistas para o Bitcoin e as criptomoedas ao longo de 2025, nos EUA os especialistas estão divididos.
Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, o trader pseudônimo TechDev vislumbra semelhanças entre o momento atual e os mercados de alta de 2017 e 2021, enquanto o analista independente Benjamin Cowen acredita que estamos nos estágios iniciais de um novo mercado de baixa.