A euforia dos mercados com a eleição de Donald Trump e uma provável maioria republicana em um Congresso mais favorável às criptomoedas resultou na renovação das máximas históricas do Bitcoin (BTC), em uma nova disparada das memecoins, e até mesmo o Ethereum (ETH) e diversos tokens de seu ecossistema registraram ganhos significativos.

Embora o otimismo seja o sentimento predominante entre empresas, analistas e desenvolvedores do ecossistema brasileiro de criptomoedas, há algumas interrogações sobre o comportamento do mercado nos próximos quatro anos.

No curto prazo, a tendência é que a renovação política nos EUA após quatro anos de uma administração democrata caracterizada pela hostilidade à indústria e ao mercado de criptomoedas tenha efeitos positivos sobre o preço dos ativos.

Em um horizonte temporal de quatro anos, no entanto, duas tendências divergentes se impõem, a julgar pelas promessas de campanha de Trump para as criptomoedas e para a economia americana.

Pode-se esperar maior clareza regulatória nos EUA, influenciando positivamente o desenvolvimento de leis favoráveis às criptomoedas em escala global, o amadurecimento do mercado e a adoção da tecnologia blockchain na infraestrutura do sistema financeiro.

Por outro lado, as propostas econômicas apresentadas por Trump durante a campanha projetam um cenário de inflação, expansão da dívida governamental e juros em alta.

Clareza regulatória nos EUA

Samir Kerbage, CIO da Hashdex, afirma que “a nova administração, em parceria com um Congresso mais favorável ao setor do que nunca, agirá rapidamente para assegurar a liderança dos EUA em ativos digitais.”

Entre as promessas a serem cumpridas, a mais urgente e efetiva para promover avanços imediatos no campo regulatório é a substituição do atual presidente da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), Gary Gensler. 

Uma liderança mais alinhada com as inovações em curso no sistema financeiro é o primeiro passo para a promoção de um ambiente saudável tanto aos investidores quanto para as empresas do setor, declarou Fabrício Tota, gerente de novos negócios do Mercado Bitcoin (MB) em depoimento ao Cointelegraph Brasil:

“Se a substituição do Gensler acontecer, Trump pode trazer uma nova direção mais favorável ao setor e o impacto será profundo: menos entraves para a inovação em cripto, especialmente em áreas sensíveis como a de derivativos e tokenização de ativos.”

Entre os nomes cotados para assumir a presidência da SEC destacam-se os de Hester Peirce, comissária da agência conhecida como “Crypto Mom” por suas posições contrárias à regulação por aplicação da lei instituída por Gensler; e o de Dan Gallagher, chefe jurídico da corretora Robinhood.

Ambos os candidatos sinalizam que Trump vai promover “clareza regulatória e liberdade, permitindo que o mercado se desenvolva sem sufocar a indústria com regulamentações excessivas", afirma Caio Leta, chefe de conteúdo e pesquisa da exchange Bipa:

“Gallagher é conhecido por sua visão mais moderna e favorável às criptomoedas, defendendo uma abordagem menos intervencionista na regulação, em contraste com a administração atual, que busca regular e intervir ao máximo nos negócios cripto.”

João Ferreira, fundador da carteira autocustodial e plataforma de negociação PicNic vislumbra na renovação política em curso nos EUA uma oportunidade única para que as criptomoedas deixem de ser uma tecnologia marginal:

“Um ambiente favorável à indústria nos EUA cria o ambiente necessário para elevar as criptomoedas definitivamente ao mainstream, não apenas como um mercado, mas principalmente como uma infraestrutura financeira.”

Tota pondera que, apesar do aumento expressivo da bancada pró-cripto na Câmara dos Deputados e no Senado, a aprovação das propostas de Trump deve enfrentar a oposição de determinados setores políticos e da própria sociedade:

“É tentador esperar que ele faça tudo o que prometeu, mas temos que considerar o quanto a execução pode esbarrar em disputas políticas. Mesmo com um Congresso mais simpático ao cripto, há um longo caminho entre intenção e ação. A substituição de Gensler pode até acontecer, mas a criação de uma reserva estratégica de bitcoin e cortes de impostos específicos para cripto e mineração são medidas difíceis de serem aprovadas sem alguma oposição.”

O executivo do MB acredita que a transição será gradual, “priorizando medidas mais ‘market-friendly’, de fácil implementação, para depois afrouxar a regulação da SEC com o apoio do Congresso.”

O capital político de Trump em seu início de mandato, com grande apoio popular e maioria no Congresso, pode ser utilizado para ratificar as expectativas da comunidade de criptomoedas.

“Trump não foi eleito no vácuo, mas com uma grande onda vermelha, tendo garantido maioria no Senado quanto na Câmara, isso significa que nos primeiros dois anos, ele terá, supostamente, uma grande liberdade para propor medidas e executá-las", afirma Leta. "Portanto, é bem plausível que ele consiga cumprir suas promessas, mas mesmo que ele entregue apenas metade do que prometeu, isso já seria incrível.”

Kerbage menciona que há “incertezas quanto aos detalhes das políticas a serem adotadas”, mas mantém o otimismo de que o retorno de Trump à presidência terá impactos positivos no longo prazo.

Impactos no ecossistema brasileiro de criptomoedas

É pouco provável que as eventuais políticas pró-cripto de Trump tenham algum impacto direto sobre a regulação das criptomoedas no Brasil. “O Brasil é bastante autônomo nesse sentido, principalmente com órgãos como o Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários)", afirma Tota.

Além de o processo regulatório encontrar-se em um processo bem mais avançado no Brasil, “nosso mercado financeiro e de capitais são bem desenvolvidos e essencialmente diferentes dos dos EUA", acrescenta o executivo do MB.

Leta lembra que os ETFs de criptomoedas ganharam sinal verde da CVM muito antes de serem aprovados pela SEC nos EUA.

Apesar de estar à frente dos EUA na regulação das criptomoedas, “mudanças significativas no contexto norte-americano podem motivar o Brasil a seguir o exemplo para ajustar a sua legislação”, afirma Julia Rosin, líder de Políticas Públicas da exchange de criptomoedas Bitso Brasil.

Já a oposição do novo presidente dos EUA a CBDCs (moedas digitais de banco central) tende a acelerar a adoção e a integração de blockchains públicas no sistema financeiro norteamericano, afirma Ferreira. A BlackRock, por exemplo, utiliza a infraestrutura da Ethereum para gerir o BUIDL, um fundo de títulos do Tesouro dos EUA emitidos e negociados como tokens RWA (ativos do mundo real).

"Se as coisas realmente forem no caminho de legitimar as blockchains públicas, o Drex enfrentará uma competição mais acirrada", afirma o fundador do PicNic.

“Por outro lado, também “haveria mais incentivos para os consórcios participantes do Drex compartilharem mais liquidez e criarem integrações mais profundas com essas blockchains públicas", conclui Ferreira.

Por sua vez, o desenvolvimento e a implementação do Drex não deverão ser afetados por quaisquer políticas do governo Trump. O projeto liderado pelo Banco Central “segue um processo de inovação voltado às necessidades locais e o seu desenvolvimento está alinhado a objetivos específicos, como concessão de crédito e fronteiras digitais”, afirma Rosin.

Do ponto de vista de negócios, um mercado maior e mais aberto nos EUA cria oportunidades para as empresas brasileiras que buscam financiamento e expansão internacional. 

“Pode ser uma janela de oportunidade para captar investimento e expandir operações", afirma Tota. “Além disso, um movimento mais favorável ao mercado de ativos do mundo real e stablecoins não atreladas ao dólar poderia estimular a diversificação das operações das empresas brasileiras, dado o interesse global crescente por iniciativas de tokenização.”

Tendências do mercado de criptomoedas sob o governo de Trump

Há uma clara interrogação entre os membros do ecossistema brasileiro de criptomoedas sobre os efeitos da política econômica de Trump sobre o mercado. Passada a euforia inicial, é possível que a política econômica defendida pelo republicano durante a campanha tenha efeitos negativos sobre os ativos de risco.

Trump elegeu-se propondo a imposição de barreiras tarifárias à importação e sem compromisso com a responsabilidade fiscal. Essa combinação “tende a ser um pesadelo inflacionário” e pode “colocar os ativos de risco na corda bamba", segundo Tota:

“Tarifas comerciais e pouca disciplina fiscal geralmente acabam elevando os preços, forçando o Fed a manter ou até subir os juros para controlar o aumento de preços.”

Antecipando-se ao Fed, o próprio mercado ofereceu uma sinalização nesse sentido após a confirmação da vitória de Trump.

Ao mesmo tempo que o Bitcoin, o S&P 500 e a Nasdaq renovavam as suas máximas históricas, os juros pagos por títulos do Tesouro dos EUA subiam, como destacou Fernando Ulrich, economista e autor do livro “Bitcoin: A moeda na era digital”, em um vídeo em que comenta o resultado das eleições nos EUA:

“A taxa de 10 anos do Tesouro americano subiu fortemente nas últimas semanas, especialmente após a confirmação da vitória de Trump, com 4,4% de alta. A taxa de juros nesse patamar tanto indica que a economia dos EUA pode crescer mais, mas também deve gerar mais inflação e também de um país que está mais endividado, com déficits crescentes.”

O desempenho do mercado depende mais da macroeconomia do que de decisões políticas. Na disputa entre Trump e Kamala Harris, o republicano representava “o menor de dois males”, segundo Leta. Para o chefe de conteúdo e pesquisa da Bipa, a expansão da base monetária é mais importante do que a política econômica do governo. Leta acredita que os juros seguirão em queda no início do novo mandato.

Kerbage recorre ao histórico do Bitcoin para projetar um ano de 2025 muito positivo para o mercado de criptomoedas:

“Em eleições passadas, vimos retornos de três dígitos para o Bitcoin nos seis meses seguintes, com ganhos ainda maiores em um período de 12 meses.”

No médio e longo prazos, Tota se mostra menos otimista, vislumbrando um cenário imprevisível que pode afetar a dinâmica do atual ciclo de alta: 

“Essa política externa dura e a inflação persistente criam um cenário desafiador para o mundo cripto, que hoje sente cada variação nos juros americanos. Em resumo, a volta do Trump pode até ser um alívio para o setor no curto prazo, mas o peso dos juros altos, junto com a volatilidade, promete mexer — e muito — com o mercado de ativos digitais.”

Eventuais incertezas tendem a fortalecer a tese de investimento no Bitcoin, segundo Ulrich. As perspectivas de criação de uma reserva estratégica de Bitcoin nos EUA fariam com que a maior criptomoeda do mercado deixasse de ser um ativo de diversificação de portfólio para consolidar-se como um ativo de proteção.

Os ecossistemas da Ethereum e da Solana também poderiam ser beneficiados por um aumento da adoção institucional. “A criação de um regime legal favorável para as criptomoedas e DeFi (finanças descentralizadas) beneficia aplicações que ofereçam casos de uso reais  em vez de casos de uso especulativos", afirma Ferreira.

Nesse caso, a Ethereum tem potencial para se consolidar como a infraestrutura financeira do mercado de tokenização de ativos do mundo real. Uma estimativa da Hurst Capital projeta que os tokens RWA podem alcançar US$ 16 trilhões em valor de mercado nos próximos 5 anos.

Por sua vez, a Solana se tornaria a camada base para soluções de pagamentos e infraestruturas físicas descentralizadas (DePin), além da manutenção da dominância no mercado de memecoins.

Em síntese, há razões para o otimismo testemunhado nos últimos dias. As políticas pró-cripto de Trump podem inicialmente alavancar o mercado, mas desafios macroeconômicos persistentes, como inflação, dívida pública e juros altos, oferecem riscos para os investidores de criptomoedas.