A pausa estratégica e a revisão de prioridades do Banco Central (BC) no desenvolvimento do Drex não têm relação direta com os resultados da fase 2 do piloto, encerrada em 31 de julho.

Em entrevista exclusiva ao Cointelegraph Brasil, Marcos Viriato, CEO da Parfin, destaca que, dos 13 casos de uso da segunda fase do Piloto Drex, pelo menos três já estão aptos a entrar em produção, independentemente dos planos do BC para a moeda digital de banco central (CBDC) brasileira.

Um dos projetos bem-sucedidos é o de financiamento de veículos desenvolvido pelo consórcio formado pelo Banco BV, o Santander e a B3. Os outros dois não foram revelados, uma vez que o BC ainda não divulgou o relatório com os resultados da segunda fase de testes. Ainda que não avancem imediatamente no âmbito do Drex, os três casos de uso devem ser implementados pelos consórcios envolvidos utilizando soluções proprietárias, acrescenta Viriato, sem estabelecer prazos para que isso aconteça.

A Parfin é responsável pela Rayls, uma das três soluções de privacidade utilizadas pelos consórcios participantes do Drex. Adotada em sete dos 13 casos de uso testados na segunda fase do piloto, a Rayls é uma solução baseada em prova de conhecimento zero que utiliza ledgers (registros) segregados, interoperáveis e compatíveis com a Ethereum Virtual Machine (EVM) para garantir a privacidade em redes DLT (Tecnologia de Registro Distribuído) permissionadas.

Viriato afirma que a privacidade foi aprimorada na segunda fase do Piloto Drex, com a incorporação de recursos de programabilidade via smart contracts plenamente funcionais. Além disso, alguns casos de uso testados comprovaram a interoperabilidade da CBDC com redes externas, públicas ou privadas.

A interrupção do desenvolvimento do Drex em uma DLT (Tecnologia de Registro Distribuído) não se deve exclusivamente a questões técnicas, segundo o executivo. Ele reconhece, no entanto, que questões de governança e, principalmente, de escalabilidade ainda impedem o lançamento público da CBDC brasileira.

Viriato argumenta que o entendimento de que o Drex falhou se deve à incompreensão sobre a real natureza do projeto:

“O Drex nunca foi concebido como o ‘dinheiro do futuro’, mas sim como uma plataforma para potencializar o desenvolvimento de uma economia tokenizada. Tanto o Banco Central quanto o Roberto Campos Neto sempre reforçaram essa ideia. Não é sobre o dinheiro em si, que é apenas um meio, mas sobre infraestrutura.”

Tecnicamente, a opção do BC por uma rede permissionada se alinha a uma tendência global no ecossistema de ativos digitais. Especialmente com a aprovação do Genius Act, que regula o mercado de stablecoins nos Estados Unidos, e a crescente tokenização de valores mobiliários.

O anúncio de que a Circle, emissora da stablecoin USD Coin (USDC), vai lançar uma blockchain própria de Camada 1 com validadores permissionados, demonstra que o projeto do BC está no caminho certo, segundo o executivo:

“A alegação de que o Drex parou por ser uma rede permissionada não procede; o Banco Central, com sua autoridade, agiu de forma inovadora. Trouxe participação, distribuiu o processamento e descentralizou a rede, com nós operados por bancos e consórcios.”

A visão do CEO da Parfin é que a mudança de foco do Banco Central reflete uma estratégia de amadurecimento e de adaptação aos desafios práticos, sem necessariamente abandonar os princípios inovadores que nortearam o projeto desde o início.

Na entrevista a seguir, Viriato explora os casos de sucesso da segunda fase do Piloto Drex, a real ambição do Banco Central, e discute o futuro da tokenização, da infraestrutura financeira digital no Brasil e o papel de CBDCs e stablecoins no cenário global.

Cointelegraph Brasil: Antes mesmo da divulgação dos resultados da segunda fase do Piloto Drex, o Banco Central anunciou a revisão do processo de implementação do projeto. O que isso, de fato, representa para o futuro da CBDC brasileira? O BC está abrindo mão de criar uma infraestrutura própria para o Drex?

Marcos Viriato: Em primeiro lugar, é preciso dizer que houve um forte engajamento de todos os consórcios e participantes, inclusive do Banco Central, que deu um grande apoio com um trabalho técnico profundo e detalhado. Nós da Parfin estávamos envolvidos em sete dos 13 casos de uso da segunda fase, e pelo menos três deles devem seguir para produção, independentemente do Drex.

“A pausa do Banco Central fará com que alguns bancos e consórcios que não viam o Drex como prioridade repensem seus projetos, mas aqueles que entendem que a economia tokenizada é o futuro continuarão engajados.”

Há discussões entre os próprios bancos para criar uma rede de mercado privada, com a participação do Banco Central. Isso indica que a tokenização e a transformação da indústria continuarão. Portanto, apesar da pausa no Drex, há um caminho promissor.

Nova estratégia do Banco Central e as limitações do blockchain

CT Brasil: Houve uma diminuição nas ambições do BC? Ao invés de criar uma infraestrutura para integrar o Brasil à economia digital, o foco agora está voltado para a solução de problemas específicos, como acesso ao crédito?

Marcos Viriato: Essas iniciativas de integração já acontecem independentemente do Drex. Em relação ao Drex, o Banco Central fez uma pausa, dizendo: "vamos esperar a solução evoluir mais, vamos retomar com um modelo que, no primeiro momento, não deve envolver blockchain para tentar fazer o registro de ativos que possam ser usados como colateral de empréstimos". Na nossa visão, essa pode ser uma camada inicial que interagirá com blockchain no futuro.

Lembrando que não se consegue fazer tudo no blockchain. É preciso interagir com o sistema legado. Na parte de processamento de transações e liquidação, o blockchain é perfeito. No entanto, contabilidade, cálculo de preços, cálculo de risco, relatórios, extratos de clientes – essas coisas não são feitas no blockchain. Não se pode criar uma camada de aplicação e integração apenas sobre blockchain.

“Acredito que, na próxima fase, o Banco Central criará uma camada que, pelo meu entendimento do que foi divulgado, permitirá o travamento de ativos para uso como colateral em outros bancos. Esses ativos podem estar tokenizados ou não, isso não importa.”

Essa camada de "trava" poderia ocorrer em blockchain, mas o Banco Central considerou mais eficiente não usá-lo para isso. Essa próxima fase do Drex, a terceira, visa criar uma infraestrutura que é, principalmente, de interoperabilidade. Penso que essa é a estratégia.

CT Brasil: Gabriel Galípolo, atual presidente do BC, sempre disse que via o Drex não como uma CBDC, mas como um instrumento de ampliação do acesso ao crédito. A forma como o Drex foi concebido não o torna excessivamente voltado para problemas domésticos, com conexão limitada a ecossistemas globais?

Marcos Viriato: Não. Um dos problemas de não ter capital estrangeiro mais forte no sistema financeiro brasileiro é a pouca segurança jurídica e de colateral. Se houver uma infraestrutura provida pelo Banco Central, atraindo capital internacional, a tendência é que isso mude. Minha visão é que uma transformação no sistema financeiro global está em curso. A primeira onda de adoção, com as stablecoins, funciona adequadamente para pagamentos transfronteiriços. No entanto, para o mercado de capitais e sistemas bancários, talvez não se aplique tão bem.

“Imagine ter uma carteira com todo seu dinheiro em stablecoins. No extremo, se alguém hackeia essa wallet, você perde todo o seu dinheiro. Do ponto de vista do regulador, isso é inaceitável.”

O Brasil tem 220 milhões de pessoas. Uma pessoa comum vai preferir confiar em um banco para guardar seu dinheiro. Podemos até avançar para um modelo com soluções descentralizadas reguladas que possam cumprir esse papel, mas não acredito que isso ocorrerá no curto prazo.

Por que digo isso? Atingir esse ponto de transformação levará anos. Haverá uma adoção em que, inicialmente, bancos e instituições financeiras oferecerão ativos tokenizados em um closed loop, sem permitir saques ou transferências. Uma economia totalmente aberta e descentralizada, onde tudo é possível, começará com a tokenização interna e liquidação in-house. Em alguns casos, os bancos permitirão que o cliente retire e transfira um ativo para outro participante da rede, desde que ele conste em uma lista de permissões (whitelist).

Veja o caso da BlackRock: o fundo tokenizado da gestora funciona como um ativo tradicional. Não pode ser transferido para uma carteira autocustodial. Não consigo pegar um título público tokenizado da BlackRock e transferir para onde eu quiser. Não funciona assim.

“A visão de que ‘você é dono do seu ativo, você é o custodiante’, muito comum no mercado cripto, não se aplica a ativos tokenizados. É um valor mobiliário, um ativo regulado.”

Em algum momento, o ativo até poderá circular em redes públicas: eventualmente, você poderá ter seu CDB tokenizado transferido para uma carteira, ou seu carro, ou imóvel, ou mesmo transferido para outra entidade regulada.

Resultados da fase 2 do Piloto Drex

CT Brasil: Com base na experiência da Parfin, como você avalia os resultados da segunda fase do Piloto Drex?

Marcos Viriato: A Parfin participou de sete casos de uso, e como mencionei, pelo menos três dos 13 casos estão plenamente operacionais. Nos casos em que participamos diretamente, ajudamos consórcios a tokenizar debêntures e recebíveis junto ao Banco Inter. Também trabalhamos nos dois casos da XP com a Visa, de tokenização de CPRs (Cédulas de Produto Rural) e contratos de câmbio.

O caso de financiamento de veículos com Banco BV, Santander e B3 é um exemplo da eficiência do Drex. Realizamos a tokenização do veículo, do contrato de empréstimo (CCB), e a troca tripartite: o pagamento à concessionária, a retirada do dinheiro da conta do cliente, e o registro do Gravame na B3 e no Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito).

“Um processo que, atualmente, leva quatro dias para ser concluído e envolve diversos sistemas foi feito em menos de três minutos. Uma transação que envolve 10 passos foi executada com privacidade, interoperabilidade e programabilidade. Um smart contract chamando outro, liquidando e registrando o gravame.”

Vale destacar também casos de interoperabilidade com redes públicas. O caso do Banco Inter com a autoridade monetária de Hong Kong para pagamentos internacionais usando a infraestrutura da Chainlink, por exemplo, foi um projeto super arrojado. Também houve o projeto do Mercado Bitcoin. Isso demonstra que o Drex não criou uma plataforma isolada. Sempre houve essa busca por integração ao ecossistema global.

Todos os casos, em alguma medida, demonstram a intenção de avançar para a produção, e estamos trabalhando nisso. Foram investidos muitos recursos, e os bancos envolvidos entendem que não foi apenas uma prova de conceito, mas algo que visa a produção. Essa visão persiste. O timing ainda é incerto, mas continuaremos trabalhando para que se concretizem.

Apesar dos desafios, há futuro para o uso da tecnologia em casos complexos, com ganhos excepcionais de eficiência. Estamos animados, pois, mesmo com a "esfriada" do Banco Central, há perspectivas de uso de blockchain para resolver problemas reais com programabilidade e interoperabilidade com outras redes ou sistemas legados.

CT Brasil: Além das dificuldades de combinar privacidade e programabilidade, participantes do consórcio Drex mencionaram problemas de interoperabilidade e governança. Quais foram os principais avanços e onde ainda residem as principais dificuldades do modelo inicialmente proposto pelo Banco Central?

Marcos Viriato: A questão da interoperabilidade foi resolvida, diversas soluções surgiram para abordá-la de diferentes formas. Um dos problemas persistentes, e que preocupa o Banco Central, é a escalabilidade.

“Para contextualizar: o Pix processa 230 milhões de transações por dia. Uma rede blockchain como o Hyperledger Besu, que faz 300 transações por segundo, levaria um mês para processar esse volume. Não é viável.”

Um banco que emite 1 milhão de CDBs por dia precisaria processar 1 milhão de transações para tokenizar esses CDBs. A capacidade de processar um grande volume de transações, especialmente com privacidade, é um desafio a ser superado. Muitos não compreendem a questão da privacidade. Assim como você criptografa um arquivo e o processo fica mais lento ao descompactá-lo e abri-lo, a transação criptografada também leva mais tempo.

Quando se combina programabilidade com privacidade, cada interação do programa exige que a transação seja aberta para a execução da instrução e, em seguida, recriptografada. Isso torna a transação mais lenta. Não há como evitar. No entanto, a escalabilidade pode ser resolvida de várias formas, e estamos empenhados em buscar soluções.

É possível fazer transações em bloco. Em vez de enviar uma transação de cada vez, você envia 10.000 juntas para processar em um único bloco. Isso traz ganhos de escalabilidade. Enfim, esse é um ponto que precisa ser aprimorado, como o próprio Banco Central já apontou.

Em relação à segurança e à governança, esses também são pontos que precisam ser endereçados. Sobre segurança: qual o processo para permitir que pessoas com acesso à rede implementem um novo smart contract? É inadmissível ter smart contracts hackeados, resultando em roubo de milhões de dólares em uma rede de Banco Central. É preciso garantir que todo smart contract implementado na rede seja verificado previamente. Isso inclui a auditabilidade.

Imagine milhares de pessoas lançando novos smart contracts na rede todos os dias. Numa rede pública isso é possível. Mas numa rede do sistema financeiro nacional, não.

Quanto à governança, se houver uma instrução judicial para bloquear um saldo, é imperativo que ele possa ser bloqueado. Atualmente, o Banco Central opera da seguinte forma: o juiz ordena o bloqueio dos saldos de uma pessoa, uma instrução é enviada e o banco efetua o bloqueio. Isso está em fase de implementação, mas os desafios persistem.

Precisamos desmistificar essas questões. O Banco Central já havia afirmado: "não muda nada em relação à regulação atual; não faremos nada diferente."

É necessária uma camada que implemente todas essas regras que já existem no sistema legado. Isso não foi explorado nas fases um e dois do piloto. Foi explorada a capacidade do Banco Central de abrir transações e bloquear saldos. No entanto, para cobrir amplamente as questões de governança, há muito a ser desenvolvido antes que o sistema vá para produção.

“Acredito que esses três pilares são pontos a ser desenvolvidos: melhorar a escalabilidade das soluções de privacidade (vertical e horizontalmente), garantir segurança robusta para implementação e uso de smart contracts, e aplicar soluções de governança do sistema financeiro tradicional ao blockchain.”

CT Brasil: Recentemente, presenciamos o maior crime da história do sistema financeiro nacional envolvendo empresas operantes no Pix. A centralização do Drex não aumenta os riscos de segurança e vulnerabilidade do sistema?

Marcos Viriato: Sim, veja o caso da C&M Software. Era uma empresa que tinha acesso ao sistema de pagamentos instantâneos e às credenciais de vários clientes. Os criminosos usaram a infraestrutura do Pix para transferir fundos de usuários do sistema. Poderia haver mecanismos de segurança mais fortes, mas a C&M era uma instituição regulada, autorizada e homologada, mas mesmo assim sofreu esse hack.

Ao transportar isso para o mundo blockchain, que possui novos elementos como custódia, execução na rede e smart contracts, a superfície de ataque aumenta. O Banco Central, ao abordar a segurança do Drex, reconhece isso.

A visão é que se pode começar pequeno, autorizando apenas o essencial. Por isso, é uma rede permissionada: para evitar problemas como os milhões roubados em redes públicas. Acredito que temos um caminho para evoluir. Tudo pode ser endereçado, mas a quantidade de recursos investidos é um fator determinante.

Os bancos contribuíram muito, alocando pessoal para auxiliar. Para continuar o desenvolvimento e resolver as questões de segurança, escalabilidade, privacidade, e endereçar pontos adicionais de governança que não foram o foco nas fases anteriores, é necessário um grande investimento. Esse é um dos desafios à frente.

Stablecoins ou CBDC: qual a melhor opção?

CT Brasil: No mercado de tokenização de ativos reais, existem diversas iniciativas da iniciativa privada plenamente funcionais e validadas pelo mercado. A adoção de stablecoins atreladas ao real em infraestruturas públicas e privadas já existentes, como proposto pela regulação do setor nos EUA, não seria uma solução mais efetiva para integrar o Brasil à economia global, restringindo a atuação do Banco Central exclusivamente à regulação?

Marcos Viriato: Usar uma CBDC é melhor porque, ao lastrear uma stablecoin, você pode fazer uma prova de reserva, o que é melhor do que ter o dinheiro em uma conta corrente com atualização mensal. Na minha visão, a CBDC pode ter múltiplos usos, embora talvez não se aplique para pagamentos de ponta. O propósito da CBDC do Banco Central não era esse. O Drex era mais uma ponte entre instituições bancárias.

Stablecoins fazem sentido, surgiram há 10 anos e são o "Killer App" como todos comentam, o ativo tokenizado de maior sucesso. Mas também enfrentaram problemas: algumas stablecoins sem lastro colapsaram, outras perderam a paridade ou foram hackeadas.”

Para implementar um sistema baseado em stablecoins, é essencial uma regulação clara, como a dos Estados Unidos. Quem emite stablecoins deve segregar o ativo subjacente – sejam títulos públicos ou dinheiro – de seu patrimônio, e garantir, com auditorias, lastro de 100% ou mais para os tokens emitidos. Se o emissor quebrar ou ocorrer algum tipo de fraude, os ativos subjacentes não podem ser acessados.

O Genius Act estabeleceu isso muito bem. No entanto, para pagamentos entre bancos e instituições financeiras, surge um problema: bancos podem relutar em aceitar a stablecoin de um banco menor, mesmo que ele atenda aos padrões do Genius Act, para evitar risco de contraparte.

“A utopia de um mundo com centenas de stablecoins não vai se concretizar. Apenas algumas "winning horses" dominarão o mercado. Isso contradiz a ideia de um mundo livre e descentralizado, pois poucas entidades acabarão concentrando o mercado de stablecoins.”

Grandes bancos nos EUA já planejam criar um consórcio para lançar uma stablecoin própria, talvez restrita a redes de liquidação interbancária, sem possibilidade de transferência para carteiras autocustodiais, como a MetaMask.

Imagine o Wells Fargo e o Citibank com milhões de dólares em stablecoins na carteira de um hacker norte-coreano ou de um país sancionado. A emissão de stablecoins por bancos ou instituições financeiras terá distribuição limitada, e não "livre", devido a essas preocupações. A regulamentação Mica [Markets in Crypto Assets] na Europa, por exemplo, exige a identificação das carteiras dos usuários.

“Já as stablecoins atreladas ao real, a meu ver, não terão ampla adoção. Usar stablecoins como meio de pagamento – uma função para a qual o Pix é muito mais eficiente – não faz sentido.”

Os casos de uso para stablecoins de real são: conversão para criptomoedas ou stablecoins de dólar, e liquidação de ativos tokenizados em real. Isso ainda está começando. A maioria das tokenizadoras no Brasil já possui sua própria versão da representação do depósito para liquidação, como Liqi, AmFi e Mercado Bitcoin. Todas elas já utilizam uma espécie de stablecoin interna.

CT Brasil: Apesar das negativas do Banco Central, há uma preocupação com o uso do Drex como ferramenta de controle social e financeiro, dado seu caráter programável e centralizado e a instabilidade política característica do Brasil. Do ponto de vista técnico e de governança, quais salvaguardas estão sendo criadas dentro da arquitetura do Drex para impedir que a moeda seja usada para fins como bloqueios arbitrários, restrições de gastos ou outras formas de coerção financeira?

Marcos Viriato: Isso é uma falácia. Hoje, as emissoras reguladas pelo Genius Act devem estar em conformidade com regras que exigem controle total sobre as stablecoins em circulação. Se o governo americano ordenar: "emissores, bloqueiem tudo", o emissor bloqueará. Embora se possa argumentar que os Estados Unidos não têm jurisdição sobre nós, quando a regulação para emissoras de stablecoins for implementada no Brasil, o que deve ocorrer ainda este ano, o Banco Central terá o mesmo poder. Isso já ocorre com as IPs (instituições de pagamento) brasileiras: a legislação permite a emissão de moedas eletrônicas, mas, se o regulador determinar o bloqueio dos fundos, não há como evitar: “A, mas eu quero sacar meu dinheiro. Não, você está bloqueado, meu amigo, não vai sacar seu dinheiro, não.”

A única forma de ter controle total sobre o próprio dinheiro é estar em Bitcoin ou manter seu dinheiro embaixo do colchão. Qualquer outro meio eletrônico é passível de bloqueio.

Obviamente, se você usar criptomoedas ou stablecoins não reguladas em uma jurisdição permissiva — algo que dificilmente existirá em poucos anos, pois o mercado e os países tendem a intensificar a regulação — talvez você consiga escapar.

Nos Estados Unidos, não há como evitar. Se seus ativos estiverem em uma blacklist, você terá dificuldade para transferi-los ou convertê-los. Você até pode manter o ativo na sua carteira, mas não conseguirá fazer nada com ele.

Um dos problemas para os hackers no mundo cripto é esse: se os sistemas são rápidos o suficiente para rastrear os endereços, não há como converter os fundos em dinheiro. Essa é a beleza do blockchain, no final das contas.