O que é tokenização?

Tokenização é o processo de transformar coisas em ativos digitais.

Vamos supor que você tenha uma fazenda que valha 1 milhão de dólares. Ela tem um grande celeiro, vacas, coelhos, um ouriço - você escolhe. De repente, você precisa desesperadamente de dinheiro. Você pode vender essa fazenda da maneira antiga - preencher uma papelada, aguardar uma oferta, fechar o negócio etc. Mas e se você precisar de menos de US$ 1 milhão e quiser manter a maior parte da fazenda para você mesmo?

Imagine imprimir digitalmente 1 milhão de tokens com o símbolo "COW", por exemplo, onde cada COW vale exatamente 1% de sua propriedade - ou qualquer outra quantia, desde que cada token represente uma certa parte do ativo subjacente (neste caso, sua fazenda).

Tecnicamente falando, você estaria desenvolvendo um algoritmo que seria implementado como um contrato inteligente em uma blockchain. Esse algoritmo define todos os recursos do seu token futuro: seu valor, quantidade, denominações, nome etc.

Então, como podemos efetivamente colocar esses tokens COW no mercado para que possam ser comprados e vendidos livremente em diferentes exchanges? Para isso, precisamos de uma plataforma que suporte contratos inteligentes. A da Ethereum seria a escolha mais popular. Em vez de entrar em detalhes técnicos sobre como os tokens são criados e alongar demais o assunto, digamos que você precisará de um modelo de contrato inteligente, um editor de texto e um endereço de carteira Ethereum.

E voilà! Os tokens COW já estão em circulação! Tecnicamente, eles são tokens ERC-20 - basicamente o que significa que eles são alimentados pela blockchain da Ethereum. Agora que eles entraram no mercado, seu valor pode subir ou descer de acordo com a demanda.

Vê como a blockchain pode nos permitir tokenizar as coisas agora? Pegamos uma fazenda e criamos sua representação digital que existe em uma blockchain. Em suma, esta fazenda agora é um ativo tokenizado.

Esse conceito é novo?

Na verdade não, mas ele tem um toque moderno.

Obviamente, o conceito de securitização (como uma forma mais geral de tokenização) remonta muito antes do surgimento de criptomoedas.

A securitização é o processo de reunir vários tipos de obrigações contratuais de dívida - como hipotecas, empréstimos para automóveis ou dívidas de cartão de crédito - e vender seus fluxos de dinheiro relacionados a investidores terceiros como valores mobiliários, que podem ser descritos como títulos, valores mobiliários de repasse ou obrigações de dívida colateralizadas (CDOs).

Lembra da crise financeira de 2008? Pense nessas CDOs, que eventualmente se tornaram a pedra fundamental do padrão, como caixas que recolhem pagamentos mensais de várias hipotecas para Wall Street. Elas eram tecnicamente um tipo dos chamados títulos estruturados garantidos por ativos (ABS).

Então sim, a ideia essencial é transformar várias coisas em valores mobiliários - e vimos como isso funciona antes.

Qual a diferença entre tokenização e securitização?

Resumindo: a tokenização envolve uma blockchain.

Mas vamos nos aprofundar um pouco mais e ver o que "token" significa no nosso caso. Obviamente, como em muitos outros termos relacionados à criptomoeda, não há uma definição única e acordada.

No nível mais básico, um token é uma representação de um ativo ou utilitário específico. Parece muito abstrato? Vamos descrever e detalhar três tipos de tokens que você pode encontrar regularmente:

Tokens de moeda

Estes são os mais óbvios. Pense nas criptomoedas clássicas. O Bitcoin, por exemplo.

Os tokens de moeda são criados em suas próprias blockchains independentes. Eles não são baseados em ativos - em vez disso, seu valor está diretamente vinculado ao próprio mecanismo que os distribui.

Como diz seu nome, o objetivo dos tokens de moeda é ser negociado, gasto e recebido. Assim como se faz com as moedas convencionais. Pagar por frappuccinos com Bitcoin? Este é um exemplo de tokens de moeda em seu estado puro.

Utility tokens

Este é um pouco mais complicado, então seja paciente comigo.

Os utility tokens fornecem acesso futuro a um determinado produto ou serviço, enquanto o dinheiro que você pagou por eles permite que as startups levantem capital suficiente para realmente desenvolver esse produto ou serviço.

Um excelente exemplo aqui seria o Basic Attention Token (BAT) - uma ferramenta para o aprimoramento da publicidade digital. Os anunciantes compram anúncios com tokens BAT, que são distribuídos entre editores e usuários do navegador como compensação pela hospedagem e exibição dos anúncios, respectivamente.

Os utility tokens não devem ser considerados investimentos por seu design. Contudo, as pessoas geralmente os tratam dessa maneira e compram esses tokens com a esperança de que seu valor aumente junto com a demanda pelo produto ou serviço da empresa.

Security tokens

Os security tokens, por sua vez, representam um investimento direto. Definir este tipo de token é surpreendentemente simples, especialmente se você se usar o teste de Howey, que a correspondente norte-americana da Comissão de Valores Mobiliários (Securities and Exchange Commission - SEC) usa desde 1946 e, por incrível que pareça, ainda se aplica também às criptomoedas.

Quando você se depara com um token, faça as seguintes perguntas: Ele está sendo vendido como investimento? São esperados lucros? Esses lucros dependerão apenas dos esforços do promotor que está realizando o negócio ou de terceiros? Se você respondeu "sim" a todas as três, está lidando com um security token.

Lembra do nosso token COW? Vamos aplicar o teste de Howey a ele.

Ele está sendo vendido como uma oportunidade de investimento. Os investidores confiam em você, como proprietário da fazenda, para mantê-la lucrativa e, idealmente, não a deixar ir à bancarrota. Espera-se obter lucros? Claro, por que mais os investidores comprariam um token chamado COW (vaca)?

Em resumo, os security tokens podem representar qualquer ativo que seja negociável e fungível. Eles não são apoiados por documentos técnicos com longas explicações técnicas - os security tokens são essencialmente compartilhamentos que habitam uma blockchain preexistente.

Então, por que blockchain? 0,01% de uma fazenda não é igual a metade de um coelho?

Porque a blockchain torna a tokenização transparente.

Todas as transações que você fez com o COW foram registradas na blockchain da Ethereum, porque o COW é um token ERC-20. Como ele é um ledger público imutável, ninguém pode questionar ou forjar sua propriedade de tokens COW. Seus direitos e responsabilidades legais agora estão incorporados diretamente no token.

Além disso, as blockchains tornam a tokenização extremamente econômica. Em vez de pagar todos os intermediários pela papelada, basta programar um contrato inteligente para fazer o trabalho. E sim, os custos administrativos de compra e venda do COW são quase nulos.

Além disso, como no restante do comércio de cripto, o COW pode estar à venda 24 horas por dia, 7 dias por semana, em qualquer lugar do mundo, por isso ele é tão acessível.

Quanto aos 0,01% - você ser dono de um pedacinho da fazenda em tokens COW na verdade é um dos maiores benefícios da tokenização.

É o que se chama de propriedade fracionária de ativos reais, que oferece aos investidores mais opções para diversificar suas carteiras. Você não pode pagar por uma ação da Amazon? Normal, ela custa cerca de US$ 1.800 e só pode ser comprada como uma peça inteira. Mas que tal um quarto dessa peça, ou um oitavo? A tokenização torna isso possível: tudo, desde ações e imóveis da Amazon, passndo por obras de arte e pizzas, agora podem ser vendidos em frações como ativos digitais.

Você não tem dinheiro suficiente para ir para a faculdade? Tokenize sua fazenda, venda quantos COW forem necessários e compre esses tokens de volta ao valor de mercado assim que conseguir um emprego após a formatura.

Obviamente, o conceito de propriedade fracionária já existia antes na forma de clubes de ofertas, por exemplo. Mas alguma vez isso já foi tão democratizado?

Quando os ativos são tokenizados - especialmente os tradicionalmente ilíquidos, como as belas artes - eles se tornam acessíveis a um público muito maior. Como resultado, os chamados "descontos por falta de liquidez" são removidos e um valor maior é retirado do ativo subjacente. Os investidores, por sua vez, têm mais acesso a oportunidades de investimento em estágio de crescimento.

Em outras palavras, a capacidade de investir 30 dólares em uma pintura de Basquiat de US$ 30 milhões poderia fazer fluir milhões de dólares em ativos atualmente ilíquidos - e aumentar o volume geral de negociações em todo o mundo, pois há US$ 2,4 trilhões em captação de recursos privados só nos EUA. É isso que essa nova "economia de token" poderia oferecer ao mundo financeiro.

Tudo isso parece bom demais. Qual é a pegadinha?

A tokenização é difícil de regulamentar, embora deva ser totalmente compatível com a lei.

Esses tokens precisam estar em conformidade com a lei e é difícil de conciliar. Substituir os VPEs (veículos para propósitos específicos) - entidades legais usadas pelas empresas para isolar a empresa compradora do risco financeiro em um acordo - por contratos de confiança com firma reconhecida, realizados por meio de contratos inteligentes e blockchain, dificilmente pareceriam convincentes o bastante para qualquer jurisdição no momento.

Isso parece justo: o vínculo entre um token e seu ativo subjacente deve ser inextricável. O que se pode fazer com os tokens COW se sua fazenda for destruída por um tornado? Eles devem dar a titularidade aos direitos de proteção do investidor e somente os reguladores podem realmente aplicá-los.

Porém, algumas startups afirmam ter uma solução. Por exemplo, uma empresa chamada STP (Standard Tokenization Protocol) alega que vai usar um validador on-chain para garantir os regulamentos específicos da região: Basicamente, ele verificaria se todos os requesitos de Conheça seu Cliente (KYC) e de Cobate à Lavagem de Dinheiro (AML) são atendidos pela empresa e avalia diferentes empresas de gerenciamento de identidade digital para a tarefa - enquanto permanece na blockchain. Nesse caso, um acordo só poderia ser cumprido se todos os regulamentos fossem seguidos. Ainda assim, não ficou claro se esse modelo será bem-sucedido, pois ainda será implementado na vida real.

Uma outra empresa, chamada Tokenized, visa criar tokens para ativos do mundo real - ações, pontos de fidelidade, entradas e carteirinhas de associado - na blockchain do Bitcoin SV (BSV), enfatizando que seu produto é compatível com a regulamentação. Além disso, a startup diz que sua plataforma permite às autoridades legais emitir ordens judiciais assinadas digitalmente que podem levar ao congelamento de contratos inteligentes, abrindo também o potencial de confisco de tokens. Isso poderia convencer os reguladores - mas ainda assim, nada é certo neste momento.

No geral, o processo de venda de security tokens legalmente compatíveis é chamado de oferta de security token (STO).

O que são essas STOs?

As STOs são uma plataforma de captação de recursos que pode facilitar a tokenização.

Lembra do boom inicial da oferta inicial de moedas (ICO), quando cada projeto tinha seu próprio token "disruptivo" para qualquer coisa que alguém pudesse imaginar? O modelo de captação de recursos era tão abrangente que praticamente qualquer pessoa poderia participar da venda.

Obviamente os reguladores financeiros não gostaram da ideia de pessoas arrecadando milhões de dólares por trás de alguma ideia abstrata, frequentemente pouco articulada e na internet e começaram a jogar duro com as ICOs. Por sua vez, os emissores tentaram superar os requisitos regulatórios argumentando que seus tokens eram na verdade tokens de utilidade pública e não valores mobiliários, mas a SEC não estava nem aí com isso - lembra-se do teste de Howey?

No final, não cabe aos emissores decidir se seus tokens têm utilidade ou não - de acordo com a SEC, apenas Bitcoin e Ether não são títulos entre criptomoedas, devido ao seu modelo descentralizado de governança. O restante são security tokens, que estão tentando se apresentar como utility tokens. Assim, as ICOs ignoraram o aspecto legal, o que explica em parte seu fiasco (segundo um relatório, até 80% das ICOs em 2017 eram fraudes).

Aqui, as STOs roubam a cena: um modelo semelhante às ICOs, mas com um maior grau de conformidade em mente. Alimentados pelo conceito de security tokens, as STOs são realmente apoiadas por ativos reais e, diferentemente das ICOs, não veem problema na ideia de pagar impostos, seguir as orientações do regulador e seguir outras regras gerais.

Novamente, as STOs pretendem ser compatíveis, mas ainda não existem estruturas regulatórias necessárias. De fato, muitos países baniram de fato as STOs (junto com o comércio de criptomoedas em geral), incluindo China, Coreia do Sul e Índia, apenas para citar alguns.

Outros países ainda estão indecisos sobre como as STOs devem ser regulamentadas. Por exemplo, a Comissão de Valores Mobiliários da Tailândia argumentou que as STOs relacionadas à Tailândia lançadas em um mercado internacional infringiriam a lei.

Por fim, algumas jurisdições, como a Estônia, reconhecem os security tokens e permitem que empresas locais trabalhem com eles. Como resultado, a DX.Exchange, uma empresa de cripto da Estônia, lançou uma plataforma de negociação que permite aos investidores comprar ações de empresas populares listadas na Nasdaq - incluindo Apple, Tesla, Facebook e Netflix - indiretamente por meio de security tokens.

Mais recentemente, a DX.Exchange reivindicou ser a primeira na indústria a lançar listagens de STO. Desde março de 2019, a plataforma permite que os investidores comprem security tokens usando as principais criptomoedas e moedas fiduciárias. O comércio de security tokens exige que os investidores sejam submetidos a uma camada adicional de verificações de KYC, em conformidade com a Diretiva de Mercados de Instrumentos Financeiros da União Europeia II.

Uma economia tokenizada pode se tornar realidade?

Esta é uma suposição justa e - como descrito acima - há sinais para sugerir que está surgindo um setor.

Sim, as estruturas regulatórias devem ser ajustadas, se não para todos os países do planeta, ao menos para países importantes como os EUA. Contudo, já está ficando claro que o potencial de tokenização está sendo amplamente reconhecido. Por exemplo, a empresa do Big Four da auditoria EY começou recentemente a tokenizar vinhos, galinhas e ovos com sua plataforma blockchain.

De fato, durante o mês passado sozinho, um relatório de um fórum da UE concluiu que a tokenização de objetos físicos poderia aumentar a confiança. Além disso, um bilionário russo confirmou que planeja tokenizar um metal raro chamado paládio e uma startup de tokenização arrecadou US$ 7 milhões em financiamento.

Depois que as STOs obtiverem o sinal verde definitivo dos reguladores, a economia de tokens poderá estar entre nós, dando um grande impulso ao sistema financeiro global - tudo graças à blockchain.