*Atualizada em 5 de junho, às 12h30, para incluir depoimento de Julia Rosin, líder de políticas públicas da Bitso Brasil.
Empresas e entidades do setor de criptomoedas estão mobilizadas contra uma eventual proposta de tributação das criptomoedas como alternativa ao aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), conforme sugestões recentes do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) e do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
A ABToken (Associação Brasileira de Empresas Tokenizadoras e Blockchain) publicou na terça-feira, 3 de junho, uma carta aberta em defesa da competitividade e da inovação no setor.
O documento expressa “preocupação sobre possíveis aumentos na carga tributária sobre setores inovadores como forma de compensar eventual revogação do decreto que elevou o IOF.”
Em busca de alternativas para rever o aumento do IOF, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, busca apoio no Congresso Nacional para encontrar fontes alternativas de receita.
No começo desta semana, o presidente da Câmara dos Deputados sugeriu a tributação das criptomoedas. Anteriormente, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, ventilou uma proposta semelhante, incluindo também as bets em um novo pacote tributário, além das criptomoedas.
Os detalhes do plano alternativo negociado pelo governo serão divulgados apenas na próxima semana, uma vez que sua implementação dependerá, em parte, da aprovação do Congresso Nacional.
Haddad reconheceu na terça-feira a complexidade do processo, explicando que as medidas alternativas ao aumento do IOF devem incluir uma PEC (proposta de emenda constitucional), um projeto de lei e, possivelmente, uma medida provisória:
“Eu preciso da aprovação de pelo menos uma parte das medidas para rever o decreto. Eu tenho, além de responsabilidade fiscal, arcabouço fiscal, uma série de constrangimentos legais que me impõem uma obrigação que eu tenho que cumprir. Eu preciso garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal.”
Não são apenas as criptomoedas e as bets que estão na mira do governo e do Congresso. Fintechs e o setor de petróleo e gás também podem ser sobretaxados. Além de novos impostos, os deputados defendem redução nos pisos orçamentários nas áreas de saúde e educação, e a imposição de um limite à dedução de despesas médicas no Imposto de Renda.
Criptomoedas não usufruem de privilégios tributários
Na carta, a ABToken afirma que o setor de blockchain e tokenização “não usufrui de privilégios tributários.” Atualmente, há cobrança de IOF sobre operações cambiais de aquisição de criptomoedas no exterior.
O aumento da carga tributária poderia sufocar o desenvolvimento do setor no Brasil, argumenta a ABToken, comprometendo conquistas como maior inclusão digital e financeira e a atração de investimentos internacionais.
Entre as contribuições do setor, a ABToken lista a redução dos custos operacionais em transferências internacionais e pagamentos transfronteiriços; o aumento da competitividade no mercado financeiro brasileiro; e a democratização do acesso a serviços financeiros por meio de tecnologias descentralizadas.
Em comunicado enviado ao Cointelegraph Brasil, Julia Rosin, líder de Políticas Públicas da exchange de criptomoedas da Bitso Brasil, acrescentou que “pessoas físicas e jurídicas já pagam Imposto de Renda sobre ganhos com criptoativos, além da incidência de PIS/COFINS e, em alguns casos, do próprio IOF nas operações de câmbio para aquisição de ativos digitais.”
Rosin afirmou que novas taxações podem “empurrar milhões de usuários para soluções descentralizadas, menos rastreáveis e fora do alcance das autoridades.” Além de prejuízos à concorrência, o aumento da carga tributária tende a prejudicar as plataformas que operam de forma responsável e regulada no Brasil.
Uma ação unilateral do governo com aprovação do Congresso pode trazer prejuízos ao processo de integração das empresas de criptomoedas ao mercado financeiro tradicional, justamente em um momento em que a regulação do setor está avançando de forma coordenada, por meio de uma colaboração saudável entre os setores público e privado, concluiu a executiva.
Também na terça-feira, seis entidades que representam fintechs no Brasil divulgaram uma carta aberta criticando o governo por não abrir o diálogo às empresas do setor. Segundo o documento, um eventual aumento da carga tributária penaliza um setor que contribuiu de forma decisiva para a modernização e a expansão dos serviços financeiros no país:
“Um aumento da já elevada carga tributária das fintechs coloca em risco conquistas importantes para a sociedade brasileira como a inclusão financeira, as contas gratuitas, o aumento da oferta de crédito e a melhoria dos serviços prestados ao consumidor.”
Cobrança de IOF sobre operações com criptomoedas seria ilegal
Daniel de Paiva Gomes, sócio do Paiva Gomes Advogados e conselheiro da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto), afirmou ao Valor Econômico que a cobrança de IOF sobre criptomoedas não pode ser implementada por meio de um decreto governamental. Para ter respaldo jurídico, seria necessário aprovar legislação pertinente no Congresso Nacional.
Paiva ainda acrescenta que o artigo 3º da Lei nº 14.478/2022, que regula o mercado de criptomoedas no Brasil, caracteriza ativos virtuais como representações digitais de valor utilizadas para pagamento ou investimento, excluindo moedas nacionais ou estrangeiras de seu escopo. Portanto, nos termos da legislação atual, não estariam suscetíveis ao IOF.
Vanessa Butalla, diretora Jurídica e de Conformidade do Grupo 2TM/MB, controlador da exchange Mercado Bitcoin, ressalta que criptomoedas são consideradas bens pela Receita Federal. Assim, não deveriam estar sujeitas à incidência do imposto sobre transações financeiras. “Seria como cobrar IOF de um imóvel comprado para fins de investimento", afirma.
A regulamentação do mercado de criptomoedas e a adequação das stablecoins às regras do mercado de câmbio estão sendo elaboradas pelo Banco Central em colaboração com empresas e entidades do setor.
Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, o órgão regulador está disposto a rever propostas apresentadas na Consulta Pública 111/2024 que tratam da proibição à autocustódia de stablecoins e da equiparação de transações de compra e venda de criptomoedas a operações cambiais.