O Banco Central (BC) vai flexibilizar as regras que proíbem a transferência de stablecoins para carteiras autocustodiais propostas na Consulta Pública 111/2024, afirmou Eduardo Liberato, assessor sênior do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial, em participação no evento "Stablecoins: Casos de uso no câmbio, pagamentos e mercado financeiro", promovido pela ABToken no Rio de Janeiro.
Liberato justificou a alteração nas regras para permitir a transferência de stablecoins para autocustódia ao diálogo com associações e entidades do mercado:
“À medida que a gente foi dialogando e começando a verificar que os prestadores de serviço têm condições de fazer o acompanhamento da qualidade dos clientes, que eles têm a liberdade, digamos assim, de fazer a avaliação do tipo de cliente que mantém ativos em autocustódia, começamos a sentir que havia espaço para flexibilização desse quesito.”
O artigo 76-N da Consulta Pública 111/2024 determina que é "vedado à prestadora de serviços de ativos virtuais efetuar transmissão de ativo virtual denominado em moeda estrangeira para carteira autocustodiada".
Originalmente, o Banco Central também pretendia impedir que os usuários enviassem stablecoins para não residentes no Brasil, conforme o artigo 76-F.
Liberato declarou, no entanto, que “a norma provavelmente sairá diferente da que foi editada [na consulta pública].”
A mudança na abordagem do BC prevê que a responsabilização sobre eventuais atividades ilícitas recaia sobre os prestadores de serviços de ativos virtuais (PSAVs).
“Se o cliente, porventura, utilizar soluções de autocustódia, a empresa precisará adotar os procedimentos para conhecimento das atividades daquele cliente", afirmou o regulador.
Liberato admitiu que, inicialmente, o BC adotou uma visão equivocada sobre a autocustódia:
“O histórico que nós tínhamos sobre autocustódia, pelo menos o que chegava no Banco Central, dizia respeito em grande parte a operações ilícitas, crimes associados à lavagem de dinheiro. Isso nos causou uma preocupação talvez até exacerbada.”
Apesar da possível flexibilização, Liberato afirmou que o BC não abre mão da identificação das partes envolvidas em uma determinada transação: quem está enviando, qual a quantidade e para quem, como já ocorre em operações de câmbio no mercado tradicional.
Marcos Rocha, sócio do escritório Veirano Advogados e diretor jurídico da ABToken, elogiou a disposição do BC para rever a proibição, mas destacou os desafios técnicos para o cumprimento dos requisitos propostos pelo órgão regulador:
“Essa questão de você exigir das PSAVs brasileiras que identifiquem carteiras autocustodiadas pertencentes a residentes e não residentes, isso é tecnicamente muito difícil. Será preciso se apoiar inicialmente na autorregulação do cliente e depois, talvez, recorrer a mecanismos de rastreamento para tentar dissociar carteiras autocustodiadas ou de não residentes.”
Liberato também afirmou que há uma disposição do BC de revogar a vedação prevista na consulta pública à prestação de serviços de transmissão e pagamentos com stablecoins até que as PSAVs obtenham uma licença definitiva para operar no mercado de câmbio.
“A ideia agora é permitir que durante o período de avaliação do pedido essas empresas continuem a poder realizar essas operações normalmente", afirmou o regulador.
Rocha afirmou que a ABToken apresentou essa sugestão ao BC para evitar que as empresas que já operam no mercado de câmbio tenham uma vantagem competitiva em relação às PSAVs durante o período necessário para obtenção da licença, após a entrada em vigor da regulação.
A ABToken e as empresas do setor também pleiteiam o aumento do limite de US$ 100.000 para operações de câmbio intermediadas por PSAVs. Especialmente porque o valor é bastante inferior em comparação com DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários), que podem transacionar até US$ 500.000 e também poderão atuar como prestadoras de serviços de ativos virtuais.
Nesse caso, Liberato afirmou que o BC ainda não se sente confortável para aumentar o limite, mas declarou que a posição poderá ser revista caso as entidades do mercado apresentem subsídios que justifiquem uma ampliação:
“Nesse sentido, nós queremos estabelecer um paralelo com os competidores: uma instituição de pagamento (IPs), uma corretora, com o que as PSAVs se assemelham mais? Até o momento, nos parece que elas são mais parecidas com IPs, mas não quer dizer que seja esse o desenho ideal.”
Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, além das regras para operacões de câmbio com stablecoins e de atuação das PSAVs, o BC pretende editar normas para regulação do mercado de tokens RWA e criar regras específicas para criptoativos de privacidade, como Monero (XMR) e ZCash (ZEC).