O ex-presidente do Banco Central durante os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Carodoso, Gustavo Loyola, escreveu um artigo opinativo na edição desta terça-feira do jornal Valor Econômico dizendo que a "hora da verdade" está chegando para as criptomoedas.

Com seu texto, Loylola assume o papel que tem cabido a Paul Krugman nos EUA e afirma que as criptomoedas estarão no centro da próxima crise financeira global. Com a diferença que o economista americano ganhador do Prêmio Nobel parece estar mais atualizado acerca do estágio atual do mercado de criptomoedas e de sua tecnologia subjacente.

Loyola apresenta suas armas afirmando que os criptoativos poderão ser os responsáveis por uma nova crise econômica global após pontuar que o mercado contabiliza "algumas centenas de bilhões de prejuízos acumulados desde o final do ano passado."

Os "receios bem fundamentados" que apontam nesse sentido, segundo o ex-presidente do BC, baseiam-se no "excesso de alavancagem de produtos financeiros complexos, supervalorizados, opacos e mal-regulados."

Já nesse ponto, os discursos de Krugman e Loyola se bifurcam, pois o economista norte-americano é peremptório em afirmar que os criptoativos não representam uma ameaça ao sistema financeiro mundial, uma vez que sua capitalização de mercado representa apenas 6% do PIB (Produto Interno Bruto) dos EUA. Segundo Krugman, uma soma insuficiente para causar danos para além da própria indústria de criptomoedas.

Em seguida, Loyola atribui a valorização excepcional dos criptoativos no ano passado a "um longo período de taxas de juros reais negativas" e à lentidão dos governos para impor um marco regulatório para a emissão e negociação dessa classe de ativos.

Além disso, completa, o marketing competente, cujo eixo central da narrativa sugere que o Bitcoin (BTC) pode tomar o lugar das moedas fiduciárias governamentais, é fonte de atração para "libertários ingênuos" que acreditam que o criptoativo é mais eficiente e independente da "mão pesada, centralizadora e autoriária do Estado."

Não se pode saber ao certo se por desconhecimento ou ma-fé, Loyola se refere às criptomoedas como moedas privadas - o que não é exatamente o caso do Bitcoin - para reafirmar a soberania das moedas estatais:

"Acreditar que moedas privadas, como os criptoativos, possam, em condições normais, substituir moedas emitidas e garantidas por Estados nacionais soberanos é desprezar não apenas a teoria econômica como também a história monetária dos últimos séculos. Além disso, trata-se de uma visão libertária ingênua, como se os Estados pudessem impunemente renunciar ao seu inerente monopólio de emissão de moeda."

Regulação

Que os criptoativos tenham permanecido à margem da lei até agora justifica-se pela ordem natural das coisas, afirma: primeiro vem a inovação e depois, inevitavelmente, a regulação. Aqui, sub-repticiamente, o ex-presidente do BC reconhece o potencial disruptivo dos ativos digitais aos quais critica. E ainda, sem pudores, defende que a tecnolgia blockchain seja incorporada pelos Estados nacionais para emissão das suas próprias moedas digitais, tomando o espaço que hoje cabe aos "ativos digitais privados" e relegando-os à inutilidade.

Loyola está ciente sobre o cerco regulatório às criptomoedas, mas mostra desconhecimento sobre a forma como a indústria cripto tem se posicionado em relação à matéria.

Não há uma disposição deliberada de negar que determinadas regras sobre as atividades de mineração, emissão e negociação de criptomoedas sejam instituídas por autoridades competentes. Entidades e representantes do setor defendem apenas que as leis não sejam capaz de sufocar a inovação. E é assim, através de princípios democráticos, que a questão está sendo tratada nos EUA, e até mesmo em regimes notadamente mais autoritários, como a Rússia.

Criptomoedas associadas à criminalidade

O artigo não poderia terminar sem a tradicional associação das criptomoedas a atividades criminosas em razão da "anonimidade" das transações. Lavagem de dinheiro e crimes cibernéticos seriam as modalidades de ilcitudes preferenciais dos agentes maliciosos que se valem de criptoativos para perpetrar seus atos, segundo o economista.

No entanto, caso estivesse atento às notícias do mercado de criptomoedas, Loyola deveria saber que a blockchain permite a rastreabilidade das transações, tornando possível a recuperação de fundos roubados ou desviados de forma irregular.

O caso do hack da Bitfinex, cujos Bitcoins roubados acabam de ser rastreados e os criminosos presos, dão conta desse fato incontornável. No entanto, não é o único. Os ataques cibernéticos à JBS e ao Colonial Pipeline também foram investigados, desvendados e revertidos.

Embora seja verdade que os crimes associados a criptomoedas tenham crescido em 2021 em números absolutos, eles diminuíram em termos proporcionais, conforme relatório publicado pela empresa de monitoramento de dados Chainalysis.

Descorrelação

Por fim, Loyola procura negar a descorrelação entre os criptoativos e os mercados financeiros tradicionais. A prova definitiva de que as criptomoedas não funcionam como ativo de proteção teria sido dada durante a mais recente queda, na qual o preço do Bitcoin acompanhou o movimento descendente do mercado de ações.

Mais uma vez, o ex-presidente do BC peca pela inconsistência de seus argumentos. O que ele diria ao comparar o desempenho do Bitcoin ao longo dos seus 12 anos de existência em comparação com a perda de poder de compra do real, apesar de atualmente o BTC estar 36% abaixo de sua máxima histórica? Terá o BTC tido um bom desempenho ou não?

Mesmo assim, caso queira avaliar o cenário mais amplo sob uma perspectiva imediatista, Loyola descobriria que apesar da recente queda, 70% dos detentores do Bitcoin estão no lucro atualmente, de acordo com a plataforma de monitoramento de dados on-chain Into the Block.

"Criptomoedas vieram para ficar"

Depois de dar a volta quase completa no circuito de lugares comuns utilizados pelos críticos das criptomoedas para desmerecê-las e condená-las ao fracasso, o economista reconhece que "não há como se colocar o gênio de volta para dentro da garrafa".

Possivelmente trate-se de sua única conclusão digna de nota antes de se despedir com uma tremenda contradição: a forte correção que eliminou quase US$ 1,5 trilhão do valor das criptomoedas em janeiro fica como um alerta para os reguladores sobre o potencial risco sistêmico que esse mercado representa.

Não seria justamente o contrário, ex-presidente: a perda de metade do valor total de mercado sem quaisquer implicações para o sistema financeiro ou mesmo para a própria indústria, que continua ativa e operante, não provaria justamente o que o senhor mesmo afirmara algumas linhas acima: as criptomoedas vieram para ficar.

Entusiasta declarado do Bitcoin, o economista Fernando Ulrich publicou o texto de Loyola na íntegra em uma postagem no Twitter, com uma breve nota endereçada ao ex-presidente do Banco Central. Nela, Ulrich aponta quem, na sua opinião, serão efetivamente os culpados de uma eventual crise financeira global.

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