Baseado na manifestação de Josh Mandel, postulante republicano ao cargo de senador por Ohio que em uma postagem no Twitter sintetizou o seu credo político em três instituições - Deus, família e Bitcoin (BTC) -, o ganhador do Prêmio Nobel Paul Krugman escreveu um texto apontando as conexões entre a maior criptomoeda do mercado e o negacionismo delirante da extrema-direita norte-americana.
States that submit to the authority of Almighty God // states that don’t
— Josh Mandel (@JoshMandelOhio) December 28, 2021
States that are pro-family // states that aren’t
States that invest in #bitcoin infrastructure // states that won’t
Ohio must be a pro-God, pro-family, pro-bitcoin state.
I promise we will be.
Estados que se submetem à autoridade de Deus Todo-Poderoso // estados que não se submetem
Estados que são pró-família // estados que não são
Estados que investem em infraestrutura #bitcoin // estados que não investirão
Ohio deve ser um estado pró-Deus, pró-família, pró-bitcoin.
Eu prometo que seremos.
— Josh Mandel (@JoshMandelOhio)
Publicado no The New York Times na segunda-feira, o texto afirma que um sistema monetário independente de instituições financeiras e do poder estatal é interessante aos extremistas que procuram solapar as bases de confiança na qual estão assentadas a base da democracia americana:
"O Bitcoin deveria criar um sistema monetário que funciona sem confiança – e a direita moderna tem tudo a ver com a promoção da desconfiança. Covid é uma farsa; a eleição foi roubada; Os incêndios florestais da Califórnia não tiveram nada a ver com as mudanças climáticas e foram iniciados por lasers espaciais controlados pelos Rothschild. Nesse contexto, é perfeitamente natural que os políticos adeptos do MAGA (make America great again) exijam o fim de um sistema monetário que passa pelos bancos – sabemos quem os controla, certo? – e se baseia em uma moeda gerenciada por funcionários nomeados pelo governo."
Em seguida, Krugman conclui sua reflexão com a duvidosa afirmação de que "não há nenhuma evidência de abuso monetário generalizado" por parte de governos e instituições financeiras. Sem entrar em (grandes) juízos de valor, vamos aos argumentos do economista.
Velhas críticas ao Bitcoin
Ao longo do texto, Krugman volta a apresentar suas velhas críticas ao Bitcoin. A começar pela afirmação de que uma forma monetária digital é desnecessária, ao contrário do que advogam os adeptos do BTC, pois a grande maioria do dinheiro em circulação hoje nos EUA pode ser movimentada apenas com alguns cliques em aplicativos como o Venmo, o ApplePay ou mesmo os tradicionais cartões de crédito ou de débito.
Segundo Krugman, qualquer uma delas é mais útil e eficiente do que o Bitcoin justamente por contar com o atestado de confiança de um intermediário autorizado.
Em seguida, o economista afirma que nenhum adepto das criptomoedas jamais foi capaz de convencê-lo de que as criptomoedas sejam mais efetivas, rápidas e econômicas como forma de pagamento do que os meios citados, exceto para transferências de valor envolvendo atividades ilícitas.
Apesar de reconhecer a resiliência do Bitcoin, cuja rede se mantém em perfeito funcionamento e incorruptível há 13 anos, e também de que afinal de contas o ativo digital deve possuir algum valor, a "vasta maioria das transações envolvendo criptomoedas são especulativas e não movimentações de valores cotidianas."
O argumento de que o Bitcoin é à prova de censura é refutado pelo questionamento da real utilidade de tal qualidade em situações de caos político e social: "você realmente acha que em tal ambiente seria capaz de ficar online e descontar seus Bitcoins?", pergunta.
Mais uma vez, Krugman adota o ponto de vista de um cidadão norte-americano cujo colapso social é visualizado com tintas apocalípticas, esquecendo ou deliberadamente ignorando que em países periféricos muitas pessoas sequer têm acesso ao sistema bancário por uma questão de ordem social constituída, sem falar na possibilidade de que possam estar a mercê de ditadores ou governos autoritários.
Ouro digital
Krugman reconhece a possibilidade de que o Bitcoin realmente possa vir a se tornar de fato uma espécie de ouro digital. No entanto, não vê nenhum mérito nisso. Pelo contrário, seria mais uma prova de apego dos seus usuários a formas obsoletas de dinheiro. "Afinal, o ouro parou de funcionar como meio de troca há gerações, mas seu valor não entrou em colapso", afirma, retomando uma tese sobre a obsessão dos conservadores pelo metal preciso na qual ele vê a dos extremistas de direita com o Bitcoin como reflexo contemporâneo.
Ignorando toda uma nova classe de investidores jovens que opta por investir no ativo digital como uma alternativa ao sistema financeiro tradicional e a própria origem libertária do Bitcoin, Krugman conclui sua reflexão fazendo uma associação direta e irrevogável do criptoativo como expressão econômica da extrema direita:
"Então, a questão é que, embora existam fundamentos econômicos reais associados às criptomoedas, sua ascensão tem muito a ver com a loucura política mais ampla que tem levado a democracia americana à beira do precipício."
A verdade é que o maior expoente do radicalismo conservador norte-americano, o ex-presidente Donald Trump, é um crítico ferrenho do Bitcoin, a ponto de compartilhar a mesma opinião que a sua rival democrata, Hillary Clinton, de que o ativo digital representa uma ameaça real à dominância do dólar no sistema financeiro mundial, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.
No fundo, Krugman possivelmente compartilhe da mesma opinião. Daí seus ataques recorrentes às criptomoedas.
LEIA MAIS