“Não há nada mais danoso a uma sociedade quanto a destruição da sua moeda." A frase poderia muito bem ser atribuída a maximalistas do Bitcoin (BTC) em crítica às moedas fiduciárias, mas coube a Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central (BC), durante audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, na quarta-feira, 9 de julho.

Galípolo fez a afirmação ao se defender de críticas dos deputados aos juros altos da política monetária do BC. Com a taxa Selic atualmente em 15% ao ano, o presidente reiterou o mandato do BC de perseguir a meta de inflação de 3% para proteger a moeda e o poder de compra do cidadão brasileiro independentemente de pressões políticas ou do setor produtivo.

Em um contexto de pleno emprego e demanda aquecida, os juros elevados são fundamentais para retirar liquidez do mercado, conter a alta dos preços e preservar a credibilidade e o poder de compra do real, afirmou o presidente do BC:

“O papel do Banco Central é, a partir da definição de uma meta, colocar a taxa de juros em um patamar restritivo suficiente pelo tempo que for necessário para atingi-la dentro de um horizonte relevante. Qualquer tipo de flexibilização nesse sentido sinaliza que nós somos um país que está confortável com uma moeda que pode perder valor. Ninguém vai segurar um ativo que perde valor ano a ano.”

Galípolo argumentou ainda que a disciplina fiscal e a preservação do valor da moeda são consenso entre economistas tanto de esquerda quanto de direita e que as experiências do Brasil com inflação crônica no passado devem servir como lição.

As moedas fiduciárias são uma instituição que depende da credibilidade, acrescentou o presidente do BC. Quando essa credibilidade é abalada pela desvalorização, a moeda falha em suas funções básicas de meio de troca, reserva de valor e unidade de conta.

A eventual perda de valor e função não só desorganiza orçamentos familiares e empresariais, minando o planejamento a longo prazo e afetando desproporcionalmente os mais vulneráveis, mas também "corrói o tecido social", alertou Galípolo.

A política monetária do BC e a valorização do real

Galípolo destacou que a valorização de 12,3% do real frente ao dólar em 2025 está diretamente vinculada à política de juros altos do BC. O aumento das taxas de juros a partir de dezembro de 2024 atraiu capital estrangeiro para o país e elevou a rentabilidade de ativos denominados em real.

Juros altos favorecem operações de carry trade, explicou Galípolo:

“Em 2024, se eu comparasse o real com moedas de outros países emergentes, teria sido a moeda de pior performance em 2024. Este ano o real vem apresentando a melhor performance quando comparado com os seus pares.”

O carry trade consiste em uma operação de arbitragem. Investidores internacionais tomam empréstimos a juros baixos em uma determinada jurisdição e aplicam esses recursos em países onde os juros são mais altos para lucrar com a diferença.

Os dólares que entram no país são necessariamente convertidos em reais para a realização desses investimentos. Consequentemente, o aumento da demanda pela moeda nacional no mercado cambial resulta na sua valorização.

Galípolo reconheceu que, embora a política monetária do BC tenha contribuído para a apreciação do real, a desvalorização do dólar desde a posse de Donald Trump na presidência dos EUA também foi um fator determinante.

Adoção de stablecoins e Bitcoin crescem no Brasil apesar da valorização do real

A despeito do sucesso da política monetária do BC e da valorização do real frente ao dólar em 2025, a adoção de criptomoedas, especialmente Bitcoin e stablecoins, está em alta no Brasil.

A participação do país no volume negociado de criptomoedas na região cresceu de 17% em 2020 para 77% em 2025. O Brasil concentrou a maior parte dos US$ 16,2 bilhões movimentados entre janeiro e maio com moedas fiduciárias de países da região.

Apesar da desaceleração no volume global de negociação de criptomoedas este ano, a América Latina se encaminha para superar o recorde de US$ 18,2 bilhões transacionados em 2021.

Além disso, o real foi a quarta moeda fiduciária mais transacionada na Binance entre janeiro e maio deste ano.

Volume negociado de USDT e Bitcoin dispara em junho

Em junho, o volume negociado de USDT, a maior stablecoin atrelada ao dólar em capitalização de mercado, cresceu 32% em relação a maio, atingindo R$ 9,63 bilhões. Este aumento é atribuído ao fortalecimento das stablecoins como meio de pagamento e reserva de valor.

Paralelamente, o Bitcoin também registrou um crescimento de 5,7% no volume de negociação em seus pares com o real em junho, totalizando R$ 5,18 bilhões, mesmo em um período de oscilação negativa do preço da criptomoeda e turbulência nos mercados financeiros globais.

Ironicamente, o real registrou uma queda de mais de 2% em relação ao dólar horas após o depoimento do presidente do BC. A desvalorização foi motivada pelo anúncio de Trump de que os Estados Unidos implementarão tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.