O recuo estratégico da Meta em seu projeto de desenvolvimento do metaverso e o aumento recente do volume negociado de coleções de NFTs (tokens não fungíveis) relacionadas a projetos de metaverso da Web3 apresentam uma oportunidade para que a indústria de criptomoedas se credencie a liderar o desenvolvimento de ambientes virtuais imersivos, abertos e interoperáveis.

A natureza especulativa e as vulnerabilidades de segurança do ecossistema de criptomoedas dificultam a adoção da tecnologia blockchain no desenvolvimento de ambientes virtuais, afirmou Tim Sweeney, fundador e CEO da Epic Games, em uma entrevista conceidida ao lado de Neal Stephenson, o escritor que cunhou o termo metaverso no romance de ficção científica "Snow Crash" em 1992.

"A especulação desenfreada e as fraudes no espaço cripto são uma infeliz realidade que pode minar a confiança e a estabilidade necessárias para o desenvolvimento de um Metaverso verdadeiramente aberto e interoperável", afirmou Sweeney.

A volatilidade das criptomoedas pode desestabilizar economias virtuais, minando a confiança de usuários e criadores de conteúdo, acrescentou Neal Stephenson. Além disso, a especulação potencializa a formação de bolhas, como já foi observado em diversas indústrias nascentes ao longo da história:

"Para mim, o dinheiro é a menos interessante das aplicações de redes blockchain, embora seja aquela que tem recebido mais atenção devido à sua natureza financeira."

Stephenson disse que há uma cisão inconciliável entre a comunidade de criptomoedas e os usuários e desenvolvedores de jogos:

"Muito do ceticismo e da hostilidade que temos visto, principalmente na indústria de jogos, vem desse choque de mentalidades entre pessoas com forte motivação ideológica, adeptas de um tipo de princípios libertários, e as pessoas que criam essas experiências e que realmente entendem como o entretenimento funciona."

O CEO da Epic Games reconhece que a tecnologia subjacente às criptomoedas possui diversos casos de uso úteis e interessantes para o desenvolvimento do metaverso, mas, segundo ele, a financeirização "desenfreada" de sistemas de computação distribuídos foi prejudicial para uma adoção mais ampla e diversa:

"Se pudéssemos separar a tecnologia subjacente das práticas financeiras nocivas, teríamos uma base sólida para construir um futuro digital mais seguro e inclusivo."

A vulnerabilidade dos contratos inteligentes a ataques cibernéticos, a natureza anônima das transações e a falta de clareza regulatória tornam o metaverso descentralizado suscetível a falhas, fraudes e golpes, acrescenta Stephenson.

Sweeney descarta a adoção das criptomoedas e da própria tecnologia blockchain em seus estágios atuais nos projetos da Epic Games para o metaverso. No entanto, o executivo acredita que ferramentas como criptografia, provas de conhecimento zero, e protocolos de consenso se tornarão componentes chave de ambientes virtuais imersivos interoperáveis no futuro:

"Na verdade, há muitas coisas boas na tecnologia, além dos maus usos que vimos no passado, e acho que deveríamos ter a mente aberta para os aprendizados que podem ser obtidos a partir daí. Talvez, em uma ou duas décadas, olharemos para trás e compararemos a primeira década das criptomoedas com a crise das empresas pontocom na década de 1990."

Interoperabilidade, Propriedade Digital e Impacto Social

O potencial não realizado da tecnologia blockchain poderia oferecer soluções de interoperabilidade, propriedade digital e impacto social, concordaram Stephenson e Sweeney. No entanto, até agora, as barreiras técnicas têm se sobreposto às supostas vantagens do metaverso descentralizado.

A interoperabilidade entre diferentes plataformas e jogos é uma das promessas mais sedutoras dos ambientes virtuais baseados na Web3. Os NFTs emergiram como um instrumento para garantir a propriedade de ativos digitais, mas seu principal caso de uso acabou sendo a especulação, com coleções de fotos de perfil (PFP) e muito pouco além disso. 

Stephenson ressaltou que a implementação prática desses princípios de interoperabilidade e propriedade requer uma reengenharia completa das plataformas do metaverso:

"Há um sonho de interoperabilidade, que é a ideia de que você poderia essencialmente arrastar e soltar ativos de um jogo para outro, mas isso, por enquanto, é tecnicamente inviável."

A promessa de inclusão digital e de soberania dos usuários a partir dos princípios de propriedade digital também é ilusória e não tem respaldo nas práticas do mercado de criptomoedas, afirmou Stephenson:

"A blockchain tem o potencial de promover a inclusão digital, mas também pode exacerbar a exclusão se não for implementada de maneira equitativa. Estratégias para evitar a concentração de riqueza e garantir uma distribuição mais justa dos benefícios econômicos são essenciais."

Epic Games desenvolve modelo próprio de economia compartilhada

Sem a utilização de criptomoedas ou tecnologia blockchain, a Epic Games desenvolveu um modelo econômico próprio para o seu metaverso. Embora centralizada, a "Fortnite Creator Economy 2.0" baseia-se em dois princípios fundamentais da Web3: criação de valor através do engajamento da comunidade de usuários e a distribuição justa de receitas entre os participantes do ecossistema.

No modelo criado pela Epic, criadores independentes e a própria equipe da Epic oferecem produtos em um marketplace controlado pela empresa. As receitas são distribuídas de acordo com o sucesso e o engajamento gerado, fortalecendo a economia do Fortnite.

Inicialmente, este modelo foi implementado dentro do ecossistema do Fortnite, mas Sweeney vislumbra uma Creator Economy 3.0, onde outras empresas e usuários teriam livre acesso. Isso porque Sweeney acredita que o futuro do metaverso deve ser construído sobre protocolos abertos e interoperáveis:

"Precisamos de interoperabilidade tecnológica para que qualquer criador, qualquer provedor de hospedagem, qualquer operador de ecossistema, qualquer marca e qualquer conteúdo possam interagir livremente sem serem forçados a se limitar ao jardim murado de uma única empresa."

Distanciando-se da utopia libertária, Sweeney tem uma visão pragmática sobre o futuro do metaverso. Ele reconhece que muitos espaços virtuais serão controlados por grandes empresas, mas enfatiza que nenhuma corporação deve controlar o metaverso como um todo. Isso se aplica tanto à tecnologia subjacente quanto às transações comerciais, às noções de propriedade digital e à interoperabilidade.

Sweeney sugere que a cooperação entre diferentes empresas e ecossistemas poderia criar uma economia interconectada. Como exemplo, ele explica que se um jogador comprar um item no marketplace do Fortnite e depois decidir usá-lo em um outro ecossistema, as receitas seriam compartilhadas.

A interconexão beneficiaria os jogadores, permitindo-lhes usufruir livremente de diferentes jogos e experiências, mas também aumentaria a receita para todas as empresas envolvidas, afirma o executivo:

"As empresas participantes ganhariam mais dinheiro porque haveria um aumento no engajamento de uma comunidade mais ampla através de uma economia interconectada. Quando projetamos a Fortnite Creator Economy 2.0, a ideia era compartilhar a receita da loja de itens com as experiências que geram engajamento. Esse modelo pode ser expandido para um Metaverso mais amplo."

Embora a materialização de um metaverso descentralizado baseado em protocolos da Web3 vá de encontro à visão de Sweeney e Stephenson, o setor parece estar ressurgindo no âmbito restrito do mercado de criptomoedas.

Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, o airdrop do Mocaverse (MOCA), token nativo do metaverso da Animoca Brands, foi um sucesso, resultando em lucros superiores a 70% no curto prazo.

Yat Siu, cofundador do fundo de hedge e estúdio de desenvolvimento de projetos da Web3, acredita que os NFTs e o metaverso descentralizado terão um papel central em culturas e economias cada vez mais digitais.

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