Em artigo publicado no Valor Investe nesta terça-feira (13), o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Marcelo Trindade criticou o conservadorismo do legislador brasileiro ao limitar a adoção de moedas estrangeiras no país e, apesar de não rechaçar a regulamentação, questionou onde as criptomoedas se encaixam no sistema financeiro, além de sugerir que o marco regulatório pode representar um “tratamento especial”, um “privilégio às criptomoedas”, com risco de “responsabilidade estatal.”

O advogado e professor da PUC-Rio frisou, por exemplo, que a legislação brasileira proíbe contratações em moedas estrangeiras e lembrou que, ao longo da história, outros bens foram usados como forma de pagamento sem que tivessem o curso legal forçado, como o ouro e a prata, que passaram a ser cunhados em moedas usadas para pagamentos e utilizadas como referência de valores para os bens trocados, além de, posteriormente, servirem de lastro para o papel-moeda emitido pelos Estados, um “dinossauro” condenado à extinção em razão da utilização dos meios de pagamento eletrônico, como o Pix e os cartões

O colunista reconheceu a importância da moeda estatal como referência comum de valor e lembrou que, no Brasil, nos anos 80 e começo dos anos 90, período marcado pela hiperinflação no país, a moeda fiduciária nacional era apenas uma formalidade, para cumprimento de lei, já que as transações eram predominantemente realizadas em dólares americanos. 

Marcelo Trindade alfinetou a política adotada pelo Brasil em relação ao protecionismo da moeda nacional, mesmo depois do Plano Real, ao dizer que países com reputação e seriedade em relação às suas moedas não têm muitas preocupações com o curso de suas moedas, que acontece naturalmente. Ele citou trechos de um artigo do professor Jairo Saddi, que também é colunista do Jornal Valor Econômico, defendendo a regulamentação das criptomoedas para a consolidação de um mercado de ativos e utilização das moedas digitais dos bancos centrais (CBDCs) na criptosfera, como instrumentos legais de pagamento. 

Por outro lado, Marcelo Trindade acrescentou que as CBDCs tendem a se enquadrar no curso legal forçado, na esteira do conservadorismo brasileiro, o que deixaria as outras criptomoedas no limbo da proibição da liquidação de contratações, a exemplo do que acontece com as moedas estrangeiras. Contexto que, segundo ele, pode restringir os criptoativos à chancela da CVM, caso sejam consideradas apenas ativos.

Em caso de liberação, como, por exemplo, a utilização de criptomoedas por aplicativos de pagamento, o jurista classificou como “sem sentido” a manutenção da proibição da utilização do ouro e moedas estrangeiras como forma de liquidação de transações, como acorre atualmente.

Ele encerrou dizendo que é válida a redução de possibilidades de descumprimento de obrigações, maior em ativos fora do sistema de pagamentos, e o aumento da preocupação dos devedores em relação à reputação, maior em um ambiente regulado. O que, por si só, não justifica um “tratamento especial às criptomoedas”, a depender dos parâmetros da regulamentação. 

Apesar dos movimentos regulatórios, as criptomoedas podem seguir seu próprio caminho, fora da burocracia dos governos, na avaliação de alguns especialistas, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.

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