Resumo da notícia:

  • IA é útil em alguns casos de uso, o que não justifica escalada da tecnologia.

  • Tecnologia diz que a inteligência é um processo humano, da seleção natural e voltado à sobrevivência.

  • Big techs precisam de milhões de pessoas treinando IA.

  • Consumo de água e energia e da vida útil curta não justificam investimento.

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis criticou esta semana o frenesi coletivo com a inteligência artificial (IA), apesar de reconhecer a eficiência da tecnologia em algumas áreas específicas.

Em entrevista concedida ao jornalista Leonardo Miazzo, editor de A Carta Capital, o professor da Duke University, nos Estados Unidos, reconheceu que a tecnologia é útil em alguns casos de uso, como análise de banco de dados estatísticos, redes neurais artificiais na observação da atividade do cérebro humano, em busca de padrões estatísticos. Porém, essa validade da tecnologia para rotina científica, na avaliação do professor, não justifica a generalização e a escalada das ferramentas baseadas em IA.

Miguel Nicolelis disse que as empresas de IA estão querendo vender o que elas não sabem definir o que é a inteligência. Segundo o professor, a inteligência é uma propriedade que o processo de seleção natural gerou, na tentativa de aumentar as chances de sobrevivência da humanidade “em um mundo em fluxo, cercado de organismos que querem predar você”. O que, segundo o cientista, é um fenômeno não computável, tampouco artificial, já que a IA depende de milhões de pessoas, trabalhando.

Ele salientou que, “o que todo mundo faz usando o ChatGPT é ‘trabalhar de graça para OpenAI’, porque esses sistemas erram muito frequentemente, eles alucinam. Como eles tentam melhor a performance? Eles distribuem gratuitamente, para que milhões de pessoas usem e retreinem”, exemplificando:

Então, se você faz uma pergunta: ‘Palmeiras tem mundial?’ O sistema fala: ‘Palmeiras não tem mundial’. É um erro clássico e você fala: ‘Em 51, o Palmeiras ganhou o troféu no Rio de Janeiro’. O ChatGPT fala: ‘Ok, vou readaptar os parâmetros e, na próxima vez que alguém perguntar, a resposta vai ser essa [Palmeiras tem mundial]’.

O cientista abordou questões como consumo energético e de água pelos data centers, observou que os chips têm vida útil curta e destacou questões como o avanço do desemprego pela adoção da tecnologia que, segundo ele, não é confiável, já que a inteligência artificial, para ele, “não é inteligência”.

Esses modelos são tão ineficientes que eles precisam ser treinados com bilhões de pedaços de dados, que, hoje em dia, eles estão usando milhões de GPUs, que são os chips da Nvidia, rodando em paralelo. Só que esses chips, em 18 ou 24 meses, queimam… todo esse processo gera um custo em trilhões de dólares com um retorno que, até agora, ninguém conseguiu ganhar dinheiro, argumentou.

O professor disse que a narrativa em torno da IA está baseada em uma aparente utopia tecnológica que esconde “uma visão ideológica, político-econômica do futuro da humanidade, que eles dizem que é inevitável [...] nada disso é inevitável, só é inevitável se a gente sucumbir”.

Ele rechaçou a proposta de trazer dada centers para o Brasil, alegando que a proposta não é benéfica para o país, já que os equipamentos não tem o objetivo de melhorar o acesso à internet, já que outros países já passaram por essa experiência e que “não deu certo”, pelo alto consumo de água e eletricidade.

Nicolelis salientou que “não é o número de neurônios que defineu o grau de inteligência”, acrescentando que:

Esse pessoal, que não têm nenhum conato com a neurobiologia, achou que a inteligência, um dia, ia aparecer […] eles não têm a menor noção do que a inteligência é. Qual é o drama? A narrativa é sedutora.

Na tentativa de trabalhar com os deslizes da tecnologia, entre outras frentes, a USP anunciou a criação de uma cátedra de IA em parceria com o Google, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.