Em uma iniciativa pioneira de inovação na economia digital, a Dataprev, empresa estatal de tecnologia e informações da Previdência Social, anunciou o desenvolvimento de um projeto piloto para permitir que os usuários de seus serviços sejam compensados financeiramente pelo uso de seus dados pessoais.
O projeto de monetização de dados desenvolvido pela estatal em parceria com a startup norte-americana DrumWave reforça o protagonismo global do Brasil na economia digital, segundo Brittany Kaiser.
“O Brasil será o primeiro país a lançar nacionalmente um projeto piloto de titularidade de dados", afirmou a empresária, ativista e especialista em proteção de dados que ganhou fama internacional ao denunciar as práticas antiéticas da Cambridge Analytica na campanha presidencial dos EUA de 2016, vencida por Donald Trump, e no Brexit, referendo que resultou na saída do Reino Unido da União Europeia.
Kaiser participou do anúncio do projeto em um painel no Web Summit Rio, ao lado de Rodrigo Assumpção, presidente da Dataprev, e de Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central. A ativista é integrante do conselho da DrumWave e cofundadora da Own Your Data Foundation, entidade que promove iniciativas de educação digital para governos e empresas.
O projeto piloto permitirá que aposentados e pensionistas do INSS e de programas de assistência social do governo federal sejam recompensados pelo compartilhamento de dados com empresas privadas.
Na fase inicial do piloto, cuja data de lançamento não foi anunciada, será possível monetizar dados de contratos de crédito consignado, informou Assumpção:
“Os cidadãos poderão autorizar o uso desses dados para monetização, seja para complementar sua renda ou investir em uma poupança de dados.”
No futuro, o objetivo é ampliar o alcance do projeto por meio de parcerias com instituições financeiras e o acesso a outros bancos de dados para beneficiar um número de pessoas mais amplo.
O presidente da Dataprev ressaltou que a adesão ao piloto não demanda a instalação de aplicativos específicos:
“Vamos usar os apps que já existem, como o da Previdência, e incluir a funcionalidade para que a pessoa autorize ou não o uso dos dados.”
Os usuários também poderão determinar quais dados estão dispostos a compartilhar e com quais empresas. “O ponto mais interessante do projeto reside nessa zona intermediária de uso limitado ou parcial dos dados, que vai além do sim ou do não", afirmou Assumpção.
Além da opção de participar ou não do projeto, os usuários poderão deixá-lo a qualquer momento.
Dados: Uma nova classe de ativos financeiros
Kaiser destacou que, no mundo todo, as pessoas ainda não têm consciência sobre o valor e o poder dos dados para as grandes corporações:
“Pouco se fala da indústria de comprar e vender dados por muito dinheiro. Hoje, é assim que a economia funciona. Geramos trilhões em valor, mas as pessoas ficam de fora dessa equação.”
Gustavo Franco destacou que o projeto é inovador justamente por integrar o uso de dados ao sistema financeiro:
“Os dados pessoais têm valor, e os cidadãos precisam poder decidir como, quando e por quem eles serão usados. Isso aumenta a competição e beneficia o consumidor. A criação de um mercado com preço definido para unidades de dados permite a formação de uma nova classe de ativos.”
Embora a monetização de dados ainda esteja distante de se tornar uma fonte de renda significativa para os cidadãos, há um viés pedagógico no projeto que pode ser tão ou mais importante do que as eventuais compensações financeiras, destacou Kaiser:
“Pode parecer pouco ganhar alguns reais por dia com dados, mas para bilhões de pessoas no mundo, essa é uma oportunidade transformadora.”
Em aparente contradição com o projeto do governo federal, a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) proibiu há pouco mais de um mês que o World, protocolo de identidade digital e prova de humanidade administrado pela Tools for Humanity, remunerasse os usuários com a criptomoeda Worldcoin (WLD) mediante processo de escaneamento da íris para validação biométrica.
Conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil na ocasião, o Diretor-Presidente do Conselho da ANPD, Waldemar Ortunho Júnior, justificou o veto ao recurso da Tools for Humanity sob a alegação de que "as soluções apresentadas pela regulada não atendem à determinação da ANPD, uma vez que ainda está caracterizada a contraprestação financeira pela coleta de dado pessoal sensível.”