João Pedro Nascimento renunciou à presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 18 de julho de 2025, exatos três anos após assumir o cargo. A saída, que ocorreu dois anos antes do previsto para o término de seu mandato, foi atribuída a "motivos de ordem pessoal.”

No comunicado oficial divulgado pela CVM, o agora ex-presidente afirmou que sua gestão foi marcada por “três anos intensos, de muito trabalho", em três linhas de atuação: executiva, regulatória e desenvolvimentista.

Durante a gestão de Nascimento, o órgão regulador editou 70 novas resoluções – 30 delas somente em 2024. “Acho que não se encontra nesses 49 anos de CVM um ciclo com tantas entregas regulatórias," acrescentou o ex-presidente.

Ao longo dos últimos três anos, a CVM incluiu os ativos digitais na agenda regulatória e promoveu a modernização do mercado de capitais com o marco dos fundos de investimento (resolução CVM 175), a criação do FIAGRO Multimercado para investimentos no setor de agronegócio (Resolução CVM 214) e a implementação do Regime Fácil (Resolução CVM 232), que simplifica as exigências para entrada de empresas de médio e pequeno porte no mercado de capitais.

Otto Lobo, membro mais antigo do colegiado da CVM, assumirá interinamente a presidência na segunda-feira, 21, até que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indique um sucessor ou seu mandato se encerre no final deste ano.

A saída prematura ocorre em um momento em que a CVM enfrenta restrições orçamentárias e a possível redução de suas atribuições, conforme carta publicada recentemente por funcionários de alto escalão do órgão regulador.

O próprio Nascimento reconheceu a escassez de recursos humanos e financeiros da CVM em entrevista ao Valor Econômico:

“A CVM anda ali na ‘conta do chá’ com o dinheiro e também com o número de servidores. Conseguimos 60 servidores de nível superior [com o concurso] e temos uma expectativa de conseguir um provimento adicional de mais 30, estamos lutando por isso.”

CVM estabeleceu regras para mercado de tokenização de ativos reais no Brasil

A atuação da CVM na regulação da tokenização de ativos reais (RWA) foi decisiva para posicionar o Brasil como um dos protagonistas do setor. A regulação dos criptoativos, parte da agenda desenvolvimentista da CVM, foi uma das prioridades da gestão de Nascimento, ao lado de finanças sustentáveis, agronegócio e Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs).

No primeiro ano sob a presidência de Nascimento, o órgão regulador editou o Parecer de Orientação CVM 40, consolidando o entendimento da autarquia sobre a aplicação das normas de valores mobiliários aos criptoativos.

As normas estabeleceram uma taxonomia para a classificação de tokens digitais em diferentes categorias, como pagamentos (criptomoedas), utilidade (acesso a serviços/produtos) e referenciados (tokens lastreados em outros ativos), incluindo recebíveis, tokens de valores mobiliários e NFTs (tokens não fungíveis).

O parecer definiu que, “sempre que um token apresentar características de valor mobiliário (ex.: expectativa de retorno coletivo, promessa de lucro via esforço de terceiros), estará sujeito à regulação e supervisão da CVM, observando registro, oferta pública e transparência."

Complementando essa orientação, os Ofícios Circulares CVM/SSE 04/2023 e 06/2023, divulgados em 2023, forneceram diretrizes detalhadas aos prestadores de serviços de tokenização.

O Ofício Circular 04/2023 determinou a caracterização de tokens de recebíveis/renda fixa (TR) como valores mobiliários, ressaltando a observância dos requisitos de oferta pública e transparência. Já o Ofício Circular 06/2023 estabeleceu novos parâmetros regulatórios, detalhando quando operações com ativos digitais seriam classificadas como securitização ou contratos de investimento coletivo, ambos passíveis de regulação como valores mobiliários sob condições de captação pública e expectativa de retorno.

Outra medida relevante foi a Resolução CVM 88/2022, que atualizou o marco regulatório de ofertas de crowdfunding de investimentos. Esta resolução permitiu a oferta pública de tokens de valores mobiliários em plataformas regulamentadas, prevendo a possibilidade de tokenização de ativos financeiros nesses ambientes, com mecanismos como segregação patrimonial e limites de valores ofertados.

Desafios Estruturais: Restrições Orçamentárias e o Esvaziamento da CVM

A agenda executiva da CVM sob a presidência de Nascimento promoveu iniciativas para garantir o financiamento da autarquia, a contratação de novos profissionais e o desenvolvimento de planos de carreira para os funcionários.

No entanto, a carta aberta divulgada por vinte membros da diretoria da CVM em 9 de julho evidenciou os problemas estruturais enfrentados pelo órgão, incluindo o potencial esvaziamento de suas atribuições.

O texto menciona especificamente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre a autonomia orçamentária e financeira do Banco Central. A PEC propõe que o Banco Central (BC) passe a ter maior ingerência sobre a indústria de fundos do país, atribuição que atualmente cabe à CVM. No entanto, os representantes da CVM foram excluídos do debate, segundo o documento.

“Reformas estruturais devem ser conduzidas com base em diálogo qualificado entre todos os órgãos envolvidos, garantindo a preservação dos ganhos institucionais acumulados ao longo das últimas décadas", diz o documento. “Para que essa discussão leve a avanços consistentes e bem fundamentados, é imprescindível que a CVM esteja presente, trazendo sua perspectiva técnica e sua experiência regulatória.”

A carta defende que o aperfeiçoamento do sistema financeiro brasileiro depende do fortalecimento de suas instituições – “inclusive por meio de garantias de recursos adequados para o desempenho de suas atribuições.”

Segundo a carta, em 2024, apenas 27% (R$ 296 milhões) do total de R$ 1,1 bilhão arrecadado com taxas de fiscalização foram repassados para o exercício de suas atividades regulatórias. Isso revela um “grande descasamento entre o desafio regulatório atual e a disponibilidade de recursos para o desempenho das atribuições legais da autarquia", afirmam os signatários.

Conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil, recentemente, a CVM deve abrir duas consultas públicas até o fim de 2025: uma para ajustar a Resolução CVM 88 e outra para criaruma norma experimental, baseada nos testes que já são realizados no sandbox regulatório