A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu um passo decisivo para modernizar o mercado financeiro brasileiro. De acordo com uma reportagem do Valor, a autarquia prepara duas consultas públicas que vão mudar o cenário da tokenização de ativos.
De olho nas tendências digitais, a CVM quer adaptar as regras atuais para acompanhar as inovações. A primeira mudança foca na revisão da Resolução CVM 88, que regula o crowdfunding de empresas de pequeno porte. A meta é ajustar a norma para o avanço da securitização via plataformas eletrônicas.
Já a segunda iniciativa prevê a criação de uma norma experimental, baseada nos testes realizados no sandbox regulatório. O sandbox, lançado em 2020, permitiu que empresas inovadoras como Estar Finance, BEE4 e Vórtx QR Tokenizadora operassem com regras mais flexíveis.
Com o fim dos testes, a CVM precisa criar um arcabouço regulatório para garantir a continuidade das operações e permitir a entrada de novas empresas. A regra experimental vai preencher a lacuna entre a Resolução CVM 88, que trata de pequenas empresas, e a Resolução CVM 135, voltada aos mercados organizados tradicionais.
Tatiana Guazzelli, sócia do Pinheiro Neto Advogados, reforçou ao Valor, que a adaptação é essencial. "Para usar de fato a tecnologia blockchain, é necessário redefinir papéis no mercado. O próprio blockchain já atua como um grande livro de registro", afirma a especialista.
CVM quer impulsionar tokenização no Brasil
A advogada ainda destaca que a regra atual de crowdfunding não foi criada para a tokenização de ativos como direitos creditórios. Essa mudança será o primeiro passo para uma regulamentação mais eficiente e alinhada ao mercado atual.
Na reportagem, João Pirola, coordenador da ABToken e fundador da AmFi, concorda. Segundo ele, muitos requisitos da Resolução CVM 88 "não fazem mais sentido hoje", principalmente porque o foco passou de ações para emissões de dívida.
Em 2024, as ofertas de dívida via crowdfunding ultrapassaram R$ 1,5 bilhão, mostrando o crescimento da tokenização no país. Esse avanço se consolidou após a inclusão das dívidas tokenizadas na Resolução 88 pelos ofícios circulares de 2023.
Para modernizar a norma, o mercado pede o aumento do limite de emissão de R$ 15 milhões para R$ 50 milhões e o de faturamento de R$ 40 milhões para R$ 100 milhões. Também querem reduzir o prazo mínimo entre ofertas e eliminar a exigência de captação mínima, que não se encaixa bem no mercado de dívida.
Outro pedido é a inclusão de recursos como o investimento automático, que facilitaria a gestão de carteiras, especialmente para papéis com vencimentos curtos de 30 ou 60 dias.
Além disso, as plataformas pedem a liberação da oferta de cotas tokenizadas de fundos, algo ainda proibido pelas regras atuais. Isso abriria mais oportunidades para os investidores e fortaleceria o ecossistema de ativos digitais.
Julia Franco, sócia do Cescon Barrieu, destaca a importância do movimento. "Ainda existem zonas cinzentas na regulamentação", alerta. Segundo ela, permitir que o mercado participe da construção do novo arcabouço trará mais segurança jurídica para todos.