Um estudo recente realizado pelo Instituto Esfera de Estudos em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que a estrutura do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) não acompanhou o avanço das facções criminosas como PCC e Comando Vermelho (CV) relacionado ao uso de criptomoedas, bets e fintechs para lavagem de dinheiro.
Intitulado “Lavagem de Dinheiro e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil: Reflexões sobre o Coaf em Perspectiva Comparada”, o estudo da frente acadêmica do Esfera Brasil, organização voltada a promoever o diálogo e o pensamento sobre o país, o estudo apontou um roteiro de soluções para capacitar o Estado a enfrentar a crescente sofisticação de facções criminosas.
Segundo o documento, enquanto a demanda sobre o Coaf cresceu na última década, a sua estrutura institucional não acompanhou o avanço das ameaças. Responsável por receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas de atividades ilícitas, o órgão, peça-chave no sistema de inteligência financeira brasileiro, registrou aumento de 766,6% nas comunicações de operações suspeitas entre 2015 e 2024, e crescimento de 335,9% na produção de relatórios de inteligência financeira no mesmo período.
A análise dos ilícitos informados revela que as categorias tráfico de drogas e facções criminosas responderam, em 2024, por 48,5% dos crimes citados nos intercâmbios de informações do Coaf. O que evidência a centralidade que o crime organizado vinculado ao narcotráfico passou a ocupar no sistema de inteligência financeira do país.
De acordo com o estudo, apesar desse aumento da demanda, o órgão opera com um quadro de pessoal limitado, sem carreira própria e com dependência tecnológica que dificulta a inovação. O total de servidores alocados no Coaf é estimado em 93 funcionários, número abaixo de outras unidades de inteligência financeira no mundo, como a dos EUA, com 300 trabalhadores, e a da França, com 230. Além disso, a ausência de uma carreira própria, com servidores cedidos de outros órgãos, gera alta rotatividade e dificulta a especialização.
O levantamento aponta ainda que as facções criminosas têm ampliado e sofisticado seus métodos de lavagem de dinheiro, aproveitando-se da digitalização financeira e de brechas regulatórias, por meio de fintechs, bets e criptomoedas.
Em relação às fintechs, o estudo indica que a demora do Estado brasileiro em estabelecer uma regulação para o setor, realizada apenas em 2021, permitiu que muitas instituições financeiras operassem sem autorização do Banco Central. As bets, por sua vez, têm funcionado como um canal paralelo de escoamento e legalização dos recursos ilícitos das organizações criminosas, dificultando o rastreamento financeiro pelas autoridades. Já as criptmoedas vêm sendo usados tanto para ocultar patrimônio como para realizar transferências internacionais com anonimato e agilidade.
Na avaliação do presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Esfera, o advogado criminalista Pierpaolo Bottini, “o estudo demonstra que, se a atuação destas facções esteve inicialmente associada ao tráfico de drogas, atividade econômica que segue como importante fonte de ganho de capital e de estabelecimento do controle territorial armado nas cidades brasileiras, os últimos anos têm revelado uma crescente sofisticação nas estratégias de ocultação de patrimônio e de lavagem de dinheiro destes grupos”.
O relatório conclui que o fortalecimento da capacidade institucional do Coaf, sua independência e autonomia enquanto unidade de inteligência financeira são fundamentais para combater o crime organizado no Brasil, conclui Bottini.
Cinco eixos
Para fazer frente a este cenário, o estudo detalha cinco eixos principais de ação para o fortalecimento do Coaf:
Ampliação do quadro de pessoal: A criação de uma carreira própria para os quadros do Coaf, com servidores concursados e expertise técnica, para garantir estabilidade e responder ao aumento das demandas investigativas;
Fortalecimento das bases de informação: Melhorar o acesso do Coaf a bases de dados de outros órgãos e tornar obrigatória a comunicação de ilícitos penais (como denúncias de lavagem de dinheiro) por parte do Ministério Público, qualificando a análise de risco e a produção de inteligência;
Melhoria da infraestrutura tecnológica: Investir em ferramentas avançadas, como machine learning, e buscar maior autonomia tecnológica para o Coaf, permitindo o desenvolvimento ágil de soluções para analisar grandes volumes de dados e identificar movimentações financeiras atípicas com maior precisão. Um exemplo deste tipo de inovação é a ferramenta GoAML (Anti-Money-Laundering System), solução de software integrada das Nações Unidas;
Aperfeiçoamento da supervisão de setores não financeiros: Expandir a regulação para setores de alto risco, como promoção comercial, sorteios, feiras e exposições agropecuárias, advogados que prestam assessoria e consultoria, negociação de bens de alto valor de origem rural ou animal (como cavalos de raça) e ativos virtuais (criptoativos), que não são integralmente alcançados pela regulamentação vigente;
Coordenação entre autoridades: Aprimorar a cooperação interinstitucional entre os atores envolvidos na repressão e na prevenção à lavagem de dinheiro e a integração operacional entre Polícia, Ministério Público, Receita Federal e o próprio Coaf, superando os gargalos causados pela judicialização excessiva e garantindo um fluxo de informações mais ágil e seguro.
A CEO da Esfera Brasil, Camila Funaro Camargo Dantas, comentou os apontamentos do relatório dizendo que “a implementação dessas medidas é uma decisão estratégica para o Brasil, não apenas para o aprimoramento técnico, mas para a proteção da economia e o enfraquecimento do poder de facções criminosas que ameaçam diretamente a segurança pública e a soberania nacional”.
Recentemente, a fintech 2GO Bank, investigada por lavagem de dinheiro do PCC, entrou na mira do Ministério Público Federal após uma denúncia do governo israelense de que a empresa custodia carteiras digitais que utilizam criptomoedas para “perpetração de crimes de terrorismo”, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.