O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que, ao viabilizar a digitalização de todas as formas monetárias existentes nos dias de hoje, a tecnologia blockchain vai acabar com o dinheiro vivo, contribuindo para a prevenção e o rastreamento de crimes financeiros cometidos no Brasil. Por outro lado, a afirmação também evidencia os riscos à privacidade financeira dos cidadãos inerentes ao design das moedas digitais de banco central (CBDCs) – e mais especificamente do Real Digital.

A declaração de Guedes veio à tona durante entrevista concedida ao podcast Flow na terça-feira, 27, no contexto de uma pergunta sobre as estratégias do governo para combater crimes financeiros cometidos através do Pix, o sistema de transferências e pagamentos instantâneos desenvolvido pelo Banco Central.

Em sua resposta, o ministro afirmou que em breve o Brasil terá a sua própria moeda digital. Sem se referir explicitamente ao termo CBDC, Guedes disse que a implementação do Real Digital "vai acabar com esse negócio de dinheiro de papel, vai ser tudo digital".

Ao explicar de forma simplificada o dispositivo tecnológico subjacente ao Real Digital, Guedes se referiu à tecnologia blockchain como um dispositivo fundamental para combater a "criminalidade digital":

"Vai ter uma blockchain embaixo, dando um encadeamento todo [ao sistema], você pode fazer o tracking inteiro. Se alguém te sequestrar e o dinheiro for para algum lugar, como ele não tem dinheiro fisicamente para pegar, vai ter que desviar para uma conta. Aí vai ser possível trackear e pegar o cara."

No exemplo apresentado pelo ministro, o rastreamento das movimentações financeiras teria como motivação a identificação de um ato criminoso. No entanto, como destacou recentemente o economista Fernando Ulrich, o mesmo dispositivo tecnológico que pode ser usado para o bem também pode ser usado para o mal.

No caso, Ulrich afirma que as CBDCs podem ser uma ameaça à privacidade e à liberdade dos cidadãos, citando o potencial uso de ferramentas de rastreamento e identificação de usuários por motivações políticas.

Em um vídeo publicado em seu canal no Youtube, no qual analisa a possível implementação de uma CBDC nos EUA e no Brasil, Ulrich afirma que o Real Digital, "dependendo de quem esteja no poder, poderá ser usado como um dispositivo totalitário."

A declaração de Guedes não deixa margem para dúvidas de que o estado terá controle total sobre toda e qualquer movimentação financeira realizada pelos cidadãos sob sua jurisdição.

O governo e a tecnologia blockchain

Em abril de 2020, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, publicou um decreto que estabeleceu a criação de uma rede em blockchain oficial para o Governo Federal. A Rede de Blockchain do Governo Federal faz parte das estratégias do programa de "Governo Digital", que pretende implementar o uso de novas tecnologias para atualizar procedimentos na Administração Pública no Brasil.

Em novembro do mesmo ano, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro assinaram um decreto para regulamentar o uso da tecnologia blockchain no Brasil para administração, fiscalização, controle e tributação de atividades aduaneiras, alterando a lei que regulamenta todas as operações de comércio exterior.

Por outro lado, no entanto, também em abril de 2020, o presidente revogou três portarias editadas pelo Exército brasileiro para criar o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (SisNaR). O sistema utilizaria a tecnologia blockchain para fazer o rastreamento e o controle de armas e munições no território nacional.

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