O economista Fernando Ulrich afirmou que "dependendo de quem esteja no poder, [o Real Digital] poderá ser usado como um dispositivo totalitário" para cercear a liberdade financeira dos cidadãos brasileiros, uma vez que não estão claras quais serão as salvaguardas à privacidade dos usuários do projeto de CBDC (moeda digital de banco central) atualmente em desenvolvimento pelo Banco Central.
A declaração foi dada em um vídeo publicado no canal de Ulrich, na terça-feira, 13, intitulado "A batalha pela moeda digital do futuro é sobre o controle da sociedade". Nele, Ulrich analisa o debate sobre uma possível CBDC norte-americana à luz de declarações recentes do presidente do Banco Central dos EUA (Fed), Jerome Powell, e o compara com a forma como o projeto do Real Digital vem sendo conduzido no âmbito da sociedade brasileira.
A relevância e a utilidade de uma CBDC vem sendo cada vez mais questionadas por autoridades monetárias dos EUA nos últimos tempos. Especialmente em contraponto à implementação do yuan digital pelo governo chinês.
No vídeo, Ulrich apresenta uma declaração de Powell durante participação em um painel da Conferência Monetária do Cato Institute, em 8 de setembro, na qual o presidente do Fed diz ter reservas ao comprometimento da privacidade dos cidadãos norte-americanos a partir da instituição de uma CBDC nos moldes chineses:
"Nós estamos vendo o que acontece com o yuan digital e os problemas de privacidade que ele acarreta. Nós não queremos um mundo em que governos possam confiscar, em tempo real, os ativos dos cidadãos. Isso não seria nada atraente no contexto dos EUA. Proteção à privacidade será extremamente importante. É preciso estabelecer um equilíbrio entre a aplicação da lei e a proteção da privacidade. Isso pode ser feito da forma como acontece com o sistema bancário hoje."
Ulrich afirma que este não é o único questionamento de Powell às CBDCs, mas também os impactos que elas podem causar sobre o sistema bancário, a intermediação financeira e a expansão do crédito. Todas elas questões que o próprio economista já levantara anteriormente.
No entanto, não há dúvidas de que o grau de privacidade dos usuários do sistema é o ponto fundamental: "é muito significativo ver o presidente do Fed fazendo essa ressalva de que é importante preservar a privacidade dos cidadãos", ressalta.
Por fim, Ulrich destaca a afirmação de Powell de que não há um projeto de desenvolvimento de uma versão digital do dólar em andamento. Em fase de estudos um eventual projeto de CBDC dos EUA contará com a participação e a aprovação dos poderes executivo e legislativo, garantiu Powell – e não ficar restrito aos desígnios do Banco Central.
Falta de transparência do Real Digital
Ulrich lamenta que no Brasil não tenha havido debates sobre o Real Digital envolvendo os poderes executivo e legislativo e até mesmo a sociedade civil. Aqui, diz Ulrich, "a CBDC está sendo tratada como como se fosse apenas um processo tecnológico encaminhado pela autoridade monetária."
Em seguida, Ulrich questiona a transparência do Real Digital e destaca que os riscos à privacidade e à liberdade dos usuários têm sido completamente ignorados tanto pelos desenvolvedores do projeto quanto pela própria sociedade:
"Eu tenho sido um crítico contumaz do nosso Real Digital porque eu vejo que essas preocupações quase inexistem aqui em território brasileiro. Eu não vejo no Congresso, eu não vejo entre intelectuais e economistas. Quase ninguém levanta essa bola. E esse Real Digital, quais são as salvaguardas para o cidadão? Quais são os poderes que isso dará ao Banco Central e a quem estiver no poder? Qual será a amplitude e o escopo de monitoramento? Quais são os códigos do sistema? A gente pode auditar todos os códigos do Real Digital para entender o que ele poderá fazer? Por enquanto, a gente não tem acesso a isso. Dependendo de quem esteja no poder, [o Real Digital] pode ser usado como um dispositivo totalitário."
Questionamento à autoridade do Banco Central
Por fim, Ulrich coloca em dúvida a autoridade do Banco Central para implementar o projeto do Real Digital sem a aprovação de uma legislação específica sobre a matéria. Prometendo se retratar caso o Banco Central apresente evidências em sentido contrário, o economista questiona:
"Há amparo legal para que o Banco Central emita uma moeda digital? Eu sei que existe amparo legal para emitir papel moeda. Mas a versão digital do real, há amparo legal para que a autoridade monetária faça isso? Eu não tenho certeza. E gostaria que isso fosse debatido e que houvesse uma ampla discussão e que, caso fosse adiante, que houvesse uma lei autorizando expressamente a emissão da nossa moeda digital, o nosso Real Digital."
Sem se referir especificamente sobre o Real Digital, Ulrich já havia manifestado suas reservas a respeito das moedas digitais de bancos centrais anteriormente. Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil na ocasião, o economista afirmou que as "CBDCs são a pior forma de dinheiro possível" durante participação na edição 2022 da ExpertXP.
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