O economista Fernando Ulrich criticou o modelo do Real Digital proposto pelo Banco Central, afirmando que o arranjo financeiro engendrado pela instituição apenas cria um novo formato de passivo bancário, baseado na tokenização de depósitos, mas não se trata de uma CBDC (moeda digital de banco central).

O comentário foi feito em um vídeo publicado no canal do economista do Youtube na terça-feira,16 , em que ele analisa a apresentação da CBDC brasileira durante a participação do presidente do BC, Roberto Campos Neto, no seminário "O Futuro da Regulamentação dos Criptoativos no Brasil”, promovido pelo Escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados, em Brasília.

Em sua crítica, Ulrich chama atenção para dois pontos do projeto do Real Digital, que, segundo ele, seriam incongruentes com uma moeda digital de banco central: a custódia e distribuição do Real Digital pelo sistema de pagamentos, e o dispositivo criado para evitar a corrosão do balanço das instituições bancárias.

A proposta do Real Digital do Banco Central prevê que as instituições bancárias possam emitir stablecoins a partir da tokenização dos depósitos de seus clientes, como explicou o presidente do BC durante o seminário:

"Os bancos vão ter os seus depósitos, e eles podem emitir uma stablecoin em cima dos depósitos no formato de tokens. Se alguém quiser, no final, na cadeia de liquidação, converter essas stablecoins em uma moeda que seja emitida pelo Banco Central, o Banco Central vai garantir que toda stablecoin seja transformado na proporção de 1:1 em uma moeda emitida pelo Banco Central. Mas o que trafega no sistema é a stablecoin emitida pelos bancos."

Segundo Ulrich, tal arranjo foi pensado para evitar a corrosão do balanço dos bancos, mas questionou os efeitos práticos:

"Uma coisa que não está clara é de que forma essa CBDC brasileira vai impactar o sistema de reservas bancárias. Se um cidadão pode sacar do banco, converter [as stablecoins] em Real Digital, por que ele vai voltar para o banco? E se ele não volta para o banco isso vai impactar e transformar radicalmente a intermediação financeira."

Embora altere o formato dos passivos bancários, não teria efeitos práticos para os usuários finais, afirmou:

"Eu não entendo como isso seria feito, por que isso deveria ocorrer dessa maneira e qual seria a diferença em relação ao que já ocorre hoje para o cidadão em termos de user experience, a experiência do usuário, a interface. Qual a diferença entre usar uma conta bancária ou uma CBDC que está sob custódia do próprio banco. Pra mim, isso não faz sentido."

Ulrich disse ainda que o arranjo do Real Digital proposto pelo Banco Central replica um modelo utilizado no século 19, e que foi proibido por lei na Inglaterra, em 1854. Anteriormente, bancos privados podiam emitir o que era chamado de cédulas bancárias, que eram similares e tinham o mesmo valor de mercado que aquelas emitidas pelo Banco da Inglaterra.

"Agora, o Bacen parece estar replicando nesse formato o que era a cédula bancária. É isso que a gente está imaginando que é uma stablecoin?", questionou o economista.

Na medida em que Campos Neto afirma que são as stablecions que vão "trafegar no sistema" parece que o BC quer evitar que a CBDC circule, disse Ulrich, questionando o propósito do Real Digital sob esses moldes:

"O que é esse real digital que o Bacen está desenvolvendo? Eu ainda não consegui entender. Pra mim continua algo sem sentido, que está sendo criado justamente para evitar a corrosão do balanço dos bancos e para evitar que o Bacen lide com o varejo. Porque o Bacen não quer emitir um passivo e ter um relacionamento com o usuário da versão digital do seu real. Ele quer deixar os bancos na dianteira de todo o processo para que não haja nenhuma mudança na intermediação financeira. Mas o que nós vamos ter no final das contas não é o real digital. Por esse arranjo, é apenas um novo formato de depósito bancário. Um novo formato de passivo bancário, agora na forma de um token ou uma stablecoin que não é uma CBDC, não é o Real Digital."

Ulrich ainda fez um alerta sobre os riscos de utilização política de uma eventual CBDC brasileira, uma vez que o controle sobre os bancos centrais e as moedas cabe aos governantes da ocasião:

"A gente precisa evitar que essa ferramenta, essa tecnologia seja usada como um instrumento totalitário. Para isso, a gente precisa de auditoria, de transparência, para que qualquer cidadão possa auditar os códigos do real digital para saber o que ele pode ou não fazer."

Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente, em participação na Expert XP 2022, Ulrich afirmara que as "CBDCs são a pior forma de dinheiro possível", uma vez que podem proporcionar às autoridades as mais diversas formas de vigilância sobre a vida financeira dos cidadãos.

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