A expectativa em torno da tokenização imobiliária no Brasil sofreu um revés importante nesta semana, após diversos avanços em diferentes frentes.
A Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina (CGJ/SC) publicou a Circular nº 410/2025, acompanhada do Provimento nº 43, proibindo que cartórios de registro de imóveis realizem qualquer anotação, averbação ou registro que vincule a matrícula de um imóvel a tokens digitais ou representações em blockchain.
Na prática, a decisão impede que os Tokens Imobiliários Digitais (TIDs) tenham efeito direto no registro oficial, mesmo em operações baseadas em plataformas digitais.
A medida representa um freio às iniciativas que buscavam equiparar tokens a documentos com valor registral, reforçando que o sistema cartorial segue como o único instrumento legal para garantir a titularidade de imóveis no Brasil.
Decisão alega segurança jurídica
De acordo com o documento, assinado pelo desembargador Artur Jenichen Filho, corregedor-geral do Foro Extrajudicial de SC, a alteração do Código de Normas reforça que o artigo 1.245 do Código Civil já determina que a transferência da propriedade de um imóvel só ocorre mediante registro no cartório competente.
O parecer que embasou a decisão, elaborado pelo juiz-corregedor Maximiliano Losso Bunn, destacou que a ausência de legislação federal específica sobre tokenização imobiliária inviabiliza qualquer tentativa de vincular registros oficiais a representações digitais. Para o magistrado, permitir esse tipo de prática criaria um mercado paralelo de imóveis, abrindo espaço para fraudes, sonegação fiscal e insegurança jurídica.
O texto também lembrou que experiências de tokenização fracassaram em outros momentos, citando projetos como ReHaus, Oxis e ReitBZ (BTG Pactual), que perderam força diante da falta de amparo legal e baixa liquidez.
“Somente o registro público, com fé pública, pode assegurar a cadeia dominial e a proteção de terceiros adquirentes”, afirma o documento.
No entanto, o ReitBZ não foi negociado no Brasil, em acordo com as regras da CVM quando o token foi lançado, e todos os pagamentos programados foram realizados pelo BTG.
O que muda na prática
Com a inclusão do novo §2º no artigo 685 do Código de Normas da Corregedoria, ficou expresso que nenhum cartório em Santa Catarina poderá vincular a matrícula de um imóvel a tokens digitais.
Isso significa que investidores e empresas que apostam na tokenização podem até estruturar seus negócios, mas os efeitos jurídicos sobre a propriedade continuam restritos ao registro imobiliário tradicional.
A decisão não impede a existência de plataformas que emitam e negociem tokens ligados a imóveis, mas deixa claro que tais operações não substituem e nem se equiparam ao registro público.
Sem a chancela oficial do cartório, os tokens permanecem ativos extrarregistrários, com validade apenas contratual entre as partes.
Além disso, o movimento da CGJ/SC pode influenciar outras corregedorias estaduais e até a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ). Até agora, não existe lei federal ou regulamentação nacional que autorize cartórios a reconhecerem tokens como representação de propriedade imobiliária.
E o que diz o COFECI?
Paralelamente, o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (COFECI) aprovou a Resolução nº 1.551/2025, criando as primeiras regras específicas para a tokenização no setor imobiliário.
O texto define figuras como as Plataformas Imobiliárias para Transações Digitais (PITDs) e os Agentes de Custódia e Garantia Imobiliária (ACGIs), estabelecendo diretrizes para corretores e empresas que atuam com tokens.
Na prática, isso cria um duplo cenário: de um lado, corretores podem intermediar operações tokenizadas dentro das regras do COFECI; de outro, cartórios não podem reconhecer qualquer vínculo entre tokens e registros de imóveis.
Assim, as duas normativas coexistem, mas com alcances diferentes. O COFECI regula a intermediação imobiliária, enquanto a CGJ/SC garante que o registro oficial continue exclusivo ao cartório.
ABToken se manifesta contra a proibição
Em nota enviada ao Cointelegraph, a ABToken manifesta-se contra a publicação da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina referente à Circular nº 410, de 18 de agosto de 2025, que estabelece proibição expressa de vincular matrículas imobiliárias a tokens digitais, representações em blockchain ou outros instrumentos extrarregistrários.
A associação lamenta a vedação do registro de tokens nas matrículas imobiliárias, pois considera que o uso das tecnologias blockchain e DLT representa um avanço significativo em termos de segurança para as transações imobiliárias, além de conferir maior protagonismo ao serviço de registro de imóveis no Brasil.
Para a ABToken, o registro de imóveis é essencial e tem ligação direta com a segurança jurídica necessária nas operações do setor. Todavia, entende que a tecnologia blockchain reforça esses fundamentos e se consolidou como uma das infraestruturas mais relevantes dos últimos anos.
No contexto de modernização dos sistemas de registro e do próprio sistema financeiro nacional, a tokenização surge como instrumento capaz de ampliar o acesso de milhões de cidadãos a investimentos, otimizando o aproveitamento de bens móveis e imóveis. Além disso, a tecnologia favorece uma dinâmica mais inclusiva no mercado financeiro e negocial.
A entidade considera que a vedação da tokenização imobiliária, motivada pela falta de compreensão sobre seus impactos sociais e econômicos, representa um retrocesso. O Brasil vinha ganhando destaque internacional ao posicionar-se na vanguarda da inovação tecnológica. Medidas como esta, entretanto, podem atrasar o desenvolvimento natural do mercado digital.
Segundo Regina Pedroso, Diretora Executiva da ABToken, a instituição “sempre esteve aberta ao diálogo, trabalhando duramente para prover informação de qualidade na segurança das transações realizadas por meio da tecnologia descentralizada, no afastamento da criminalidade e também em trabalhos regulatórios junto a legisladores e reguladores em Brasília. A gente ainda acredita que o registro de imóveis é essencial, mas lamenta a falta de abertura para a inovação.”
Por fim, a ABToken convoca todo o mercado a participar ativamente da construção da regulação do setor de ativos digitais no Brasil e reafirma o compromisso de manter diálogo constante com os cartórios, sempre em busca de soluções que unam segurança jurídica e inovação tecnológica.