O uso da religião como forma de atrair investidores se tornou prática corriqueira com empresas acusadas de atuarem como pirâmides financeiras que utilizam o Bitcoin como ativo. Não foram poucos os caros em que os fraudadores apelaram para a fé dos possíveis investidores, seja para convencê-los a fazer aportes ou para terem "paciência" diante da ruína da falta de pagamentos e bloqueio de bens.
Em agosto, o Cointelegraph chamou a atenção para golpistas que estavam aproveitando cultos de igrejas evangélicas, às vezes com a complacência de pastores e líderes, para ofertar investimentos "milagrosos".
Muitas vezes apoiados no discurso da "teoria da prosperidade", líderes de igrejas e de supostas pirâmides muitas vezes confundem papéis, ostentando carros, jóias e bens para convencer pessoas a aportarem suas economias nos esquemas.
O pastor Paulo Junior, em vídeo que circulou nas redes sociais em 2019, condena o uso dos templos religiosos como "vitrine" para empresas suspeitas. Ele diz que quem cai nos golpes também é "movido pela ganância", não compreendendo os riscos de pirâmides que deixam milhares desfalcados ao mesmo tempo em que seus gestores ficam milionários.
Entre as empresas que já usaram a religião para promover investimentos fraudulentos está a Trader Group, que atuou de 2017 a 2019, e que tinha como CEO um um líder evangélico, Wesley Binz, atuando no Brasil, nos Estados Unidos, na Nova Zelândia e em Moçambique.
Ele foi alvo da Operação Madoff, da Polícia Federal, em julho de 2019. A empresa foi fechada pela PF, que planeja vender 4.000 BTC de posse da empresa para ressarcir os investidores.
Outra empresa a usar a religião é a GenBit, que através de seu presidente, Nivaldo Gonzaga, diversas vezes teria participado de cultos evangélicos para angariar investidores. Nesta semana a empresa e seus responsáveis tiveram R$ 800 milhões bloqueados pela Justiça.
Em dezembro de 2019, com saques de 45.000 pessoas bloqueadas, Gonzaga lançou um token nativo praticamente sem liquidez, o Treep Token, e reforçou o tom religioso no discurso:
“Eu quero convidar (…) todos os interessados a continuar do meu lado (..), aqueles que realmente acreditam primeiro no seu coração, primeiro nas confirmações que você foi (sic) buscar com a sua intuição, com a sua fé, com a sua igreja. Todas essas pessoas que têm real certeza que um dia vai (sic) vencer e que acredita nesse propósito (…)”
Segundo ele, todos os Bitcoins dos investidores seriam transformados no token sem valor conhecido.
Uma investidora em janeiro deste ano deu um relato que reforça a suspeita de uso da fé pela empresa. Segundo ela, a religião era um "selo de qualidade" para investir na GenBit:
"Em abril do ano passado, uma amiga da família foi até a minha casa e conversou com meu pai, um aposentado de 78 anos, sobre investimento em bitcoins. Escutei o papo e fiquei interessada (...) A amiga contou que havia investido na corretora GenBit e que a empresa estava pagando até 15% ao mês em cima do capital aportado pela pessoa, sem atrasos. Achei que seria um bom negócio, pois poderia usar parte do rendimento para arcar com os R$ 2.600 do meu tratamento de saúde. Fiquei desconfiada até que fizemos uma reunião com diretores da GenBit e eles fizeram questão de salientar que eram evangélicos. Como também sou evangélica, achei que isso seria um tipo de 'selo de qualidade' e acreditei ainda mais na ideia. Hoje, no entanto, vejo que só usaram a religião para enganar a mim e aos outros"
A Congregação Cristã do Brasil, que teve entre seus líderes alguns embaixadores da GenBit, diz que expulsou todos que eram ligados à empresa de seus cultos.
Também em fevereiro de 2020 o Cointelegraph Brasil noticiou que a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, também abriu as portas de cultos para outra pirâmide, a AirBit Club, que abordava fiéis na saída dos cultos. Há relatos de que líderes da IURD também estimulavam os fiéis a investir na pirâmide, segundo o The Intercept Brasil.
Mais recentemente, o dono da DD Corporation, antiga Dreams Digger, empresa que teria também quebrado deixando mais de 300 mil clientes sem acesso aos investimentos, Leonardo Araújo, falou desde Portugal e também apelou à religião para dizer que considera os clientes sua "família" e que vai "honrar até o último investidor".
Em um caso mais extremo, um cliente que acreditou na fraude da Unick Forex a partir da recomendação de um pastor invadiu uma igreja para cobrar seu prejuízo em janeiro.
Uma parcela do investidor brasileiro também é presa fácil para este tipo de empresas, pois muitas vezes acessa o mercado de criptomoedas sem compreendê-lo, apostando em "rendimento garantido", uma das características deste golpe, e chega a aportar 100% de seus fundos em empresas que não são confiáveis.
Segundo especialistas, este tipo de investidor vem das classes baixa e média, ainda sonha em enriquecer rapidamente, com baixo risco e pouco investimento, o que na realidade não passa de uma ilusão.
Por isso, os fraudadores baseiam seu discurso nas promessas religiosas, na ostentação, no retorno "garantido" e "sem riscos" e na mudança radical de vida. Quando a pirâmide cai, os criminosos somem com o dinheiro e deixam um rastro de pessoas desesperadas, a quem só resta procurar a polícia e a Justiça, muitas vezes sem perspectiva de reaver os investimentos.