O mercado brasileiro de renda fixa está entrando definitivamente na era digital, embora a integração entre as finanças tradicionais e a criptoeconomia, por meio da tokenização de ativos reais (RWA), ainda dependa de novos avanços regulatórios.
Em julho, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) concedeu autorização à fintech SL Tools para operar um mercado de balcão organizado em crédito privado, alterando fundamentalmente as estruturas de um setor que possui R$ 6 trilhões em ativos sob gestão.
Por meio da plataforma da SL Tools, investidores institucionais poderão negociar ativos como CDBs, debêntures, CRAs e CRIs em um ambiente totalmente digital, similar aos mercados de ações e criptoativos.
A implementação de uma infraestrutura digital para negociação e liquidação de títulos de renda fixa visa reduzir custos operacionais e ampliar a liquidez dos mercados de balcão tradicionais, como destaca André Duvivier, CEO da SL Tools, em entrevista ao Cointelegraph Brasil:
“A autorização da CVM à SL Tools marca um ponto de virada na modernização do mercado de crédito privado no Brasil. Pela primeira vez, os participantes terão acesso a um ambiente de negociação e liquidação eletrônica desenhado de fato para atender às suas necessidades.”
Os investidores do varejo também serão beneficiados pela nova plataforma na medida em que bancos e corretoras poderão utilizar a infraestrutura da SL Tools para oferecer preços dinâmicos em tempo real aos seus clientes, assim como já acontece no mercado de renda variável.
Dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) mostram que o mercado de crédito privado captou R$ 783,4 bilhões em 2024 e R$ 246,4 bilhões entre janeiro e maio deste ano.
Duvivier aponta que, apesar de haver mais dinheiro de fundos aplicados em debêntures do que em ações no Brasil, ineficiências operacionais resultam em um volume diário negociado no mercado de crédito privado aproximadamente 14 vezes menor do que no mercado de ações – R$ 2 bilhões contra R$ 29 bilhões, respectivamente.
A expectativa de Duvivier é que o volume negociado no mercado de crédito privado cresça pelo menos 400% com a entrada da SL Tools nesse mercado:
“Mais do que uma nova plataforma, a SL Tools nasceu com a missão de digitalizar de ponta a ponta a experiência de quem opera crédito privado.”
A SL Tools já opera no mercado secundário de títulos públicos, com um volume diário de negociação variando entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões e mais de 100 instituições nacionais e estrangeiras credenciadas.
A experiência adquirida em um mercado que movimenta R$ 100 bilhões por dia será transferida para o setor de crédito privado.
“Ao unir tecnologia proprietária, conhecimento regulatório e escuta ativa de clientes, a proposta é simples e ambiciosa: colocar o mercado de renda fixa brasileiro nos mesmos níveis de sofisticação dos principais países do mundo,” diz Duvivier.
Controladora do Mercado Bitcoin é uma das investidoras da SL Tools
A entrada da SL Tools no mercado de crédito privado pode acelerar a integração entre as finanças tradicionais e os criptoativos. Embora, inicialmente, tokens RWA não estejam no rol dos ativos negociados na plataforma da fintech, avanços regulatórios como o Regime FÁCIL da CVM e a expansão do mercado de tokenização no Brasil sinalizam uma convergência entre ambos os mercados.
“Temos convicção de que, em um futuro próximo, grande parte dos ativos financeiros terá versões tokenizadas, e a evolução regulatória atual é um passo importante nessa direção," afirma Reinaldo Rabelo, CEO do Mercado Bitcoin (MB).
O Grupo 2TM, controlador do Mercado Bitcoin (MB), participou de uma rodada de investimento seed da SL Tools em 2021. Na ocasião, Duvivier afirmou que a fintech planejava criar uma infraestrutura baseada em blockchain para negociação de títulos públicos e privados tokenizados.
Rabelo acredita que o aval da CVM à SL Tools representa um avanço nesse sentido:
“Como investidor da SL Tools desde 2021 e pioneiro na tokenização de ativos no país – com as primeiras emissões realizadas em 2019 – o MB acredita que essa licença cria uma base sólida para o desenvolvimento futuro de um ecossistema mais eficiente, digital e interoperável.”
Para Rabelo, a regulação se adaptará às novas tendências, permitindo a integração entre plataformas como a da SL Tools e tecnologias baseadas em blockchain para “viabilizar negociação 24/7, liquidação instantânea e emissões com menos fricção e mais rastreabilidade.”
“O MB pretende contribuir com sua expertise, já aplicada em mais de R$ 1 bilhão em ativos tokenizados, para fomentar produtos financeiros inovadores e aderentes à próxima geração de infraestrutura de mercado", acrescenta Rabelo.
Recentemente, o MB anunciou uma parceria com a Ripple para tokenizar mais de R$ 1 bilhão em RWAs na XRP Ledger, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil. A iniciativa representa um passo estratégico na expansão internacional do MB, com foco em ampliar a liquidez global e o acesso a produtos digitais regulados na América do Sul e na Europa.