O Banco Central (BC) indicou que o Drex inicialmente será lançado sem infraestrutura blockchain e tokenização de ativos reais (RWA). Mais do que um recuo estratégico, a decisão evidencia gargalos técnicos de privacidade, performance, interoperabilidade e governança que ainda impedem a produção em escala bancária da CBDC brasileira.
Durante o painel “A Inovação Financeira em Curso no Brasil", no Blockchain Rio, Caio Fernandes, head do Departamento de Tecnologia da Informação do BC, afirmou que o momento é de ajuste fino para manter sob controle as expectativas da população e do mercado:
“É um novo momento para avaliarmos o que deu certo, o que deu errado e o que realmente faz sentido levar adiante. A nossa prioridade agora é ajustar a arquitetura, a infraestrutura e a governança, antes de escalar.”
Com experiência executiva nos projetos do Pix, Open Finance e Drex, Fernandes afirmou que os projetos de moeda digital e tokenização exigem mais do que velocidade:
"Precisamos de uma estrutura clara — tanto técnica quanto institucional — para que funcionem no dia a dia.”
Fernandes ressaltou que a tecnologia deve ser o meio e não um fim em si ao defender uma abordagem agnóstica dos problemas enfrentados durante o piloto, voltada para casos de uso que atendam as necessidades dos usuários finais:
“O Drex deve ser pensado como uma plataforma que viabilize operações financeiras com ativos de diferentes naturezas, focando na próxima fase na colateralização de ativos como garantia para crédito.”
George Smetana, especialista em Pesquisa e Inovação do Bradesco, seguiu o mesmo raciocínio, afirmando que “no fundo, muitos não querem usar blockchain necessariamente como uma rede descentralizada pura, mas sim como uma plataforma para negociação de ativos digitais, simplesmente porque a tecnologia é capaz de abstrair complexidades”:
“Quando você escolhe uma plataforma, não precisa reescrever tudo do zero: como tratar erros se a outra parte não responde? Como fazer ressincronização de informações? Uma boa plataforma abstrai isso tudo, mas a nossa experiência mostra que blockchain não é simples – não só do ponto de vista tecnológico, mas também de desenho do projeto.”
Gladstone Arantes Junior, analista de Tecnologias Emergentes em Blockchain do BNDES, destacou que contratos inteligentes – e por consequência a programabilidade do sistema – não dependem da tecnologia blockchain para serem implementados:
“É muito mais fácil você imaginar uma camada de provedores de infraestrutura fornecendo um serviço de blockchain para uma outra camada de aplicação. Quando essas duas camadas se misturam, dá ruim.”
Arantes acrescentou que a implementação de uma infraestrutura funcional em blockchain demandaria uma mudança nos modelos de negócios verticais praticados atualmente pelo mercado. O fato de cada banco ou instituição financeira utilizar infraestruturas proprietárias impede a formação de um ecossistema integrado, em que as empresas possam cooperar e competir em um universo mais amplo.
“O tipo de relação que as empresas têm hoje não têm cara de ecossistema," afirmou.
Solução enterprise
Como solução para os gargalos do Drex e a possível evolução do sistema, Smetana defendeu a adoção de uma rede enterprise doméstica focada na performance e no produto, capaz de abstrair a tecnologia subjacente:
“Se tivéssemos no Brasil uma rede enterprise doméstica — seja de parceiros, seja de mercado — na qual simplesmente pudéssemos ‘plugar’ soluções, smart contracts e casos de uso, seria excelente. Poderíamos fazer muito mais, mais rápido. Mas hoje não temos.”
Diferentemente do modelo aberto e anônimo de redes públicas como a Ethereum (ETH), uma rede enterprise é uma infraestrutura de registro distribuído operada por membros autorizados (bancos, empresas, órgãos públicos), onde cada nó é operado por uma entidade identificada e sujeita a regras do consórcio.
Essa infraestrutura facilita a gestão de identidades verificadas e controle de acesso, estabelece regras de governança claras, com maior privacidade, desempenho e previsibilidade (baixa latência, alta taxa de transações, finalização determinística), além de maior adaptabilidade à conformidade regulatória.
Para João Aragão, especialista em tecnologia e inovação do Banco Inter — participante do Piloto Drex —, se o objetivo do BC é criar uma plataforma para liquidação eficiente e inclusão de múltiplos ativos tokenizados, as prioridades devem ser desenhar a governança, alinhar a infraestrutura e padronizar consentimentos.
Assim, as empresas poderão implementar soluções com menos atrito e maior segurança jurídica e operacional. O gargalo, portanto, não está na tecnologia em si, mas no arranjo do ecossistema.
A reorientação do BC demonstra que o momento é de testar novas arquiteturas, amadurecer casos de uso e escalar com responsabilidade, priorizando o longo prazo.
Segundo o “Tech Trend Report 2025", o relatório anual de proporções enciclopédicas sobre as tendências tecnológicas que estão moldando o futuro da humanidade, publicado pelo Future Today Strategy Group (FTSG), sob a coordenação da futurista Amy Webb, levará no mínimo dez anos para que o Drex e outras CBDCs se tornem plenamente funcionais e operantes, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.