As stablecoins atreladas ao dólar não representam um risco ao real ou a outras moedas fiduciárias, afirmaram Fábio Araújo, coordenador do Drex, e Daniel Mangabeira, vice-presidente de Estratégia e Políticas para Brasil e América Latina da Circle.

Durante o painel "CBDCs e Stablecoins: Qual o papel de cada uma?", no Blockchain Rio, ambos defenderam que stablecoins e moedas digitais de banco central (CBDCs) serão interoperáveis no futuro.

“As coisas irão convergir naturalmente, tecnicamente [stablecoins e CBDCs] são dois instrumentos que se constroem de forma muito semelhante,” declarou Mangabeira.

Segundo o executivo da Circle, as stablecoins são instrumentos inovadores que estabelecem uma ponte entre o sistema financeiro tradicional e a economia digital, mas dependem de infraestruturas reguladas, como o Drex, para criar um ecossistema mais eficiente e dinâmico, capaz de atender às necessidades cotidianas dos usuários.

Araújo acrescentou que não enxerga as stablecoins como ameaça à soberania monetária. Embora se apresentem como uma alternativa para dolarização do patrimônio e reserva de valor, o uso de stablecoins no cotidiano esbarra em questões práticas, declarou o coordenador do Drex:

“Todos os fluxos financeiros domésticos são denominados na moeda local. Para fazer o câmbio com uma moeda de fora, você tem que arcar com a flutuação cambial ou montar operações de hedge, que têm um custo alto. Ninguém vai querer se expor a esse risco. Por isso, a ideia de que as stablecoins podem substituir completamente as moedas locais não se sustenta.”

Mangabeira enfatizou a função instrumental das stablecoins ao lembrar que elas foram criadas com o propósito de oferecer estabilidade aos investidores em um mercado extremamente volátil como o de criptomoedas.

A validação dessa nova classe de ativos nos EUA com a aprovação da Lei GENIUS no mês passado reforça essa visão ao viabilizar a criação de formas mais eficientes para executar transações e liquidar obrigações financeiras. O executivo acrescentou que a Circle busca atender aos requisitos regulatórios de todas as jurisdições em que atua, sem ferir a soberania das moedas locais ou dos bancos centrais.

Apontando a convergência entre os reguladores e as empresas do setor, Araújo afirmou que as regras propostas pelo Banco Central (BC) visam desenvolver um ambiente seguro para que as stablecoins sejam integradas ao sistema financeiro – e não operem à parte dele.

Nem todas as stablecoins são iguais

Embora sejam associadas a ativos lastreados ao dólar na paridade de 1:1, “nem todas as stablecoins são criadas de forma igual,” apontou Mangabeira. Existem diferentes tipos de ativos com propósitos distintos (pagamento, rendimento, liquidação), o que reforça a ideia de que são instrumentos utilizados para diferentes fins – e não uma solução única para substituir o dinheiro ou moedas soberanas.

Emitido pela Circle, o USD Coin (USDC), por exemplo, é a stablecoin mais adotada por investidores institucionais devido ao seu alto padrão de conformidade regulatória, afirmou Mangabeira.

Araújo ressaltou que “o Banco Central não tem a vocação de ser o provedor final de todos os serviços." Segundo o coordenador do Drex, o sistema financeiro nacional precisa de camadas privadas para funcionar:

“A plataforma do Drex funcionará como a rede de segurança e a camada base de liquidação, mas é essencial ter uma camada de pagamentos e de crédito privada, que permita a alavancagem, para o sistema funcionar.”

Utilidade das stablecoins atreladas ao real

Com a implementação do Drex, Araújo aposta na expansão do mercado de stablecoins atreladas ao real. Atualmente, a regulação já permite a tokenização de saldos de instituições de pagamento (IPs), sob regras mais simples e reservas no BC. Isso facilita a entrada de startups no mercado, reduzindo barreiras e fomentando a inovação em serviços financeiros, acrescentou Araújo:

“Hoje, nós já temos um arcabouço regulatório que permite a abertura de uma instituição de pagamento (IP) e a tokenização de saldos. Essa já é uma forma simples e segura de começar. O depósito tokenizado, por exemplo, tem que ser emitido por um banco, o que implica em uma carga regulatória muito maior.”

No ambiente do Drex, moedas privadas como os depósitos tokenizados dos bancos e os saldos tokenizados de instituições de pagamento funcionarão, na prática, como stablecoins atreladas ao real garantidas pelo órgão regulador.

“No topo dessa pirâmide, entram os ativos virtuais e as criptomoedas, que permitem a realização de novos testes, promovem inovação e ajudam a oxigenar todo o sistema,” acrescentou o coordenador do Drex.

Questionados sobre a necessidade de stablecoins atreladas ao real em um ecossistema que utiliza o Pix para pagamentos instantâneos e gratuitos, os especialistas afirmaram que se tratam de instrumentos complementares.

Embora não apresentem vantagem competitiva em relação ao Pix para pagamentos e transferências simples, as stablecoins têm o potencial de "reinventar a economia real" através de contratos inteligentes e da programabilidade — algo que o sistema de pagamentos instantâneos do BC, em sua forma atual, não oferece.

À medida que o Drex tende a impulsionar a tokenização de ativos do mundo real (RWA), as stablecoins se consolidarão como a camada de liquidez necessária para que esse mercado se desenvolva, concluíram ambos os executivos.

Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, os salários pagos em criptoativos triplicaram em 2024, revelando que os ativos digitais estão cada vez mais integrados à economia real.