Resumo da notícia:
O Banco Central abandona o Drex enquanto CBDC, redirecionando o projeto para soluções de crédito fora do blockchain.
A decisão abre espaço para stablecoins lastreadas no real ganharem protagonismo na infraestrutura financeira do Brasil.
Executivos do setor afirmam que stablecoins privadas já foram testadas e aprovadas para pagamentos, tokenização, liquidação e integração com DeFi e Pix.
Fábio Araújo, diretor do Banco Central (BC) e coordenador do Drex, confirmou que o projeto de CBDC brasileira foi adiado por tempo indeterminado. Na prática, o “real digital” tal qual concebido originalmente durante a gestão de Roberto Campos Neto à frente do BC foi definitivamente abandonado.
Araújo reconheceu que o desligamento do Drex – quatro anos após o início do projeto e a conclusão de duas fases de testes relativamente bem sucedidas – evidencia que as ambições do BC de liderar a transição da economia brasileira do sistema legado para o digital foram limitadas pela incapacidade de superar as limitações técnicas de privacidade, programabilidade e escalabilidade da tecnologia blockchain.
“As soluções testadas até o momento, apesar de promissoras, ainda não apresentam nível de maturidade compatível com o que é requerido pelos serviços operados no sistema financeiro nacional,” afirmou Araújo em entrevista à Folha de São Paulo.
Em sua terceira fase, o Drex abandonará o desenvolvimento de soluções de pagamento programáveis baseadas nas tecnologias de registro distribuído (DLT) e contratos inteligentes para focar em serviços que ampliem o acesso ao crédito e tenham benefícios diretos e imediatos para os usuários finais, acrescentou:
“A expressão moeda digital, de fato, não captura toda a extensão da iniciativa Drex, uma vez que remete a pagamentos, o que não é seu ponto central.”
O abandono da tecnologia blockchain não é novidade. A notícia já havia sido divulgada em agosto, durante o Blockchain Rio. Embora resultados preliminares sugiram que pelo menos alguns casos de uso estariam prontos para entrar em produção, nem o BC nem os representantes dos 13 consórcios participantes do Piloto Drex manifestaram-se oficialmente sobre o encaminhamento dos projetos testados.
Segundo Araújo, o BC não decidiu quais serão as tecnologias adotadas na terceira fase de testes do Drex. Os casos de uso serão o ponto de partida para a definição da infraestrutura que sustentará o novo sistema. É possível que a nova etapa do Drex promova a integração de outras ferramentas da agenda de inovação do BC como o Pix e o Open Finance.
Stablecoins são mais eficientes que CBDC
Se as interrogações sobre o futuro da infraestrutura da economia digital brasileira aumentaram a partir do anúncio do desligamento do Drex, as stablecoins do real se apresentam como alternativas privadas – e potencialmente mais eficazes – à moeda digital de banco central brasileira, afirmam executivos do setor ouvidos pelo Cointelegraph Brasil.
Marlyson Silva, presidente do grupo Transfero, emissor do BRZ, afirmou que a decisão do BC evidencia a “necessidade de foco e clareza de propósito em projetos dessa escala”:
“O Drex acabou se tornando um caso emblemático de como escopos que se ampliam demais (e tecnologias que não se provam adequadas) podem comprometer a entrega e a adoção real.”
John Delaney, CEO da Crown, emissora da recém-lançada BRLV, afirma que “é natural que iniciativas pioneiras passem por ajustes de rumo.” Para o executivo, o Drex foi fundamental para incentivar a inovação do sistema financeiro brasileiro e talvez tenha sido prejudicado pela amplitude das inovações que o BC ambicionava implementar:
“O Drex sempre despertou debates sobre qual seria seu papel mais adequado: em alguns momentos, parecia uma CBDC de varejo; em outros, uma infraestrutura de liquidação interbancária; e ainda havia potencial para aplicações como o registro de garantias sobre ativos do mundo real. Todos esses objetivos são legítimos e complexos — é difícil reunir todos em um único sistema.”
O executivo da Crown a transição do sistema financeiro legado para uma infraestrutura financeira digital “não será rápida nem linear", mas as stablecoins do real deverão ocupar um papel cada vez mais relevante e legítimo.
Fabrício Tota, diretor de Novos Negócios do Mercado Bitcoin (MB) e membro do conselho da BRL1, afirma que o redirecionamento de projetos do Drex para blockchains públicas faz com que as stablecoins se tornem “o trilho natural de liquidação para tokens denominados em reais.”
Na medida em que atuam como pontes entre o sistema financeiro tradicional e o mundo on-chain, as stablecoins do real tornam-se uma infraestrutura fundamental para o avanço da tokenização de ativos reais (RWA) no Brasil, afirma o executivo do MB.
Marlyson, da Transfero, cita os Estados Unidos como exemplo para afirmar que as stablecoins privadas são uma “alternativa mais ágil e eficiente para tokenização, liquidação e integração com o sistema financeiro tradicional.”
Para Hector Fardin, CFO da Avenia, emissora do BRLA, “o encerramento do projeto Drex reforça o papel das stablecoins privadas do real, como o BRLA, na infraestrutura financeira digital.”
Hector destacou que o BRLA já funciona como um token digital para pagamentos, liquidação de transações em blockchain, viabilizando a tokenização de ativos reais e a integração com protocolos DeFi (finanças descentralizadas) e o próprio sistema do Pix.
O executivo da Avenia destacou ainda que “as stablecoins circulam em múltiplas blockchains e são acessíveis globalmente, ampliando a capacidade de diferentes aplicações se conectarem.”
Marlyson conclui afirmando que o Brasil possui um ecossistema maduro e capacidade técnica para manter-se como uma referência global da nova economia digital.
Agora, os avanços na digitalização da infraestrutura financeira do país passam a depender de uma cooperação mais estreita entre os reguladores e a iniciativa privada para encontrar as melhores soluções de governança de tecnologia que realmente funcionem em larga escala, afirma o executivo:
“O próximo passo é transformar visão em execução para posicionar o país como referência global em eficiência, segurança e inclusão.”
