Na última terça-feira (25), a relatora da CPI das Bets no Senado, Soraya Thronicke (Podemos-MS), defendeu a criação de regras para diminuir o tempo nas plataformas de apostas on-line, inclusive aquelas que se assemelham a cassinos, como o caça-níquel on-line Fortune Tiger, o “jogo do tigrinho”. Na ocasião, o colegiado também ouviu o testemunho de André Rolim, ex-viciado em Bets.
Thronicke criticou a demora na regulamentação da lei de 2018 que iniciou a liberação das “apostas de quota fixa”, que só veio em 2023 com a Lei 14.790, de 2023, conforme informou a Agência Senado.
“Precisamos dificultar cada vez mais [o acesso às apostas virtuais]. Nós estamos aqui fazendo uma mea-culpa. Precisamos legislar para diminuir ao máximo os riscos e os danos dessa atividade... Agora estamos aqui aprendendo e trocando o pneu com o carro andando, porque é um mundo novo para todos nós” avaliou.
A CPI ouviu o depoimento de ex-apostador que superou o vício. André Rolim relatou os danos que sofreu em decorrência das apostas e afirmou que é preciso restringir o acesso à atividade. O objetivo do colegiado é investigar o impacto das apostas online na saúde financeira das famílias.
Rolim, que é empresário, expôs aos senadores as dificuldades que sofreu com a ludopatia por mais de vinte anos. Segundo ele, por volta de 2012 passou a perder o controle das apostas. Contornou o problema com ajuda dos familiares a partir de 2021, que culminou em internação em clínica de reabilitação por quatro meses. Ele afirmou que apostava em poker, jogos de roleta, jogos esportivos, cassino, loteria, entre outros.
“Depois de três ou quatro anos, eu percebi que não estava mais conseguindo administrar minhas dívidas. Eu entrava basicamente umas oito vezes por dia e jogava em torno de meia hora, às vezes uma hora. O ganhar é lindo, dopamina lá em cima. Mas o perder é uma decepção, é uma vontade de inexistir. Eu perdi casa, eu perdi carro, e ainda estou pagando dívidas. Eu devia cartão de crédito, família, amigos, agiota... Ainda há consequências”, contou.
Ele defendeu que a regulamentação estabeleça um tempo máximo que o usuário pode jogar e regras mais rígidas para as propagandas de Bets — com os patrocínios a eventos ou celebridades. No entanto, ele afirmou que nenhuma restrição seria o suficiente para impedi-lo de jogar quando ainda era viciado, há quatro anos.
“Eu acho que não teria política que me segurasse. O adicto, quando ele está ativo, faz o que tiver que fazer [para jogar]. Ele engana, ele dá o jeito dele... É meio ilusório achar que a gente vai restringir uma pessoa que tem acesso a dinheiro a conseguir parar de jogar”, revelou.
Em resposta ao senador Izalci Lucas (PL-DF), Rolim afirmou que a aposta em local físico — que é contravenção penal, como regra — fornece mais barreiras para o apostador que em meio digital. Mesmo no ambiente virtual havia mais dificuldade para apostar em anos anteriores, segundo o convidado.
“[Para apostar em local físico] você tem deslocamento, tem horário, tem que dizer para a mulher que você sai de casa, é uma série de barreiras. [Com o jogo online] eu digo para minha mulher que eu vou para varanda assistir um filme, mas estou jogando. Antigamente era muito mais difícil de ser apostador [online], eu tinha que ter um cartão internacional, tinha que ter uma série de limites que não me deixava apostar 24 horas por dia”, explicou.
A pedido de Soraya, o empresário explicou como se livrou do vício e como foi a ajuda de outras pessoas que sofrem do mesmo problema. Segundo ele, o transtorno é “silencioso” por não apresentar sintomas físicos como no caso de usuários de drogas ou álcool.
“Que você tenha humildade e honestidade para falar a verdade. Para quem quer começar o caminho de recuperação [é preciso] muita oração, muita espiritualidade, muita conexão com Deus, muita leitura, muitos ambientes sociais. Aos familiares: acolhimento, muita paciência. A família começa a conversar e o adicto já vai com poucas palavras querendo "matar" o assunto. Pode ter certeza que tem alguma coisa errada ali por trás. Irritabilidade, falta de paciência e isolamento são os principais comportamentos de um adicto que está precisando de ajuda”, aconselhou.
Para a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que é relatora do projeto de lei (PL) 3563/2024, que veda a publicidade e o patrocínio no setor, as propagandas também precisam ser restritas. Segundo ela, a ampla divulgação das bets prejudica os ludopatas (viciados em jogos).
“Quando nós estamos tratando de um alcoólatra, a gente não deixa ele próximo do álcool. Como tratar um ludopata, se estamos oferecendo o produto para ele a cada segundo? É impossível viver nessa nação sem ser bombardeado pelas Bets. [Se] vai assistir um jogo de futebol, está lá a [propaganda da] Bet, se vai assistir uma novela, está lá a Bet”, justificou.
Na ocasião, os senadores aprovaram quatro requerimentos de envio de informações e documentos, inclusive sigilosos, pelo governo federal sobre pessoas e empresas investigadas pela CPI, como a Playflow Processadora de Pagamentos. Outros dois requerimentos convocam os representantes das empresas Pinbank Brasil e Brax Produção e Publicidade para deporem na CPI.
A presença dos representantes das empresas acontece após o governo abrir uma ofensiva contra pagamentos a Bets ilegais, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.