A Receita Federal do Brasil (RFB), declarou durante um painel sobre a DeCripto no Webnar de Ativos Digitais, promovido pelo Blocknews com o Cantarino Brasileiro, que nunca vai invadir a privacidade do usuário e pedir hash ou endereço publico de qualquer wallet de Bitcoin, ou criptomoedas.
"Nunca, jamais, vamos pedir hash de transações ou endereço público de wallet de nenhum usuário".
A declaração vem em meio a um momento de ajustes regulatórios sobre ativos virtuais no Brasil e reflete a preocupação da Receita em esclarecer os limites de suas exigências. Esses dados, segundo ele, são considerados desnecessários para fins fiscais e de monitoramento, e a coleta de tais informações representaria um risco à privacidade e à segurança do contribuinte.
“Essas informações sempre estiveram claramente delimitadas. Elas não constam na IN 1.888 e não constarão. A Receita quer dados objetivos, fiscais, que permitam o cumprimento da legislação, mas respeitando os limites da privacidade do contribuinte”, explicou Rubens.
Ele também destacou que a coleta formal de informações sobre operações com criptoativos começou no ano-calendário de 2015. Na época, foi criado um espaço na DITES (Divisão de Tributação de Rendas) da Receita Federal para lidar com os primeiros registros de transações em ativos digitais.
O grande marco, no entanto, ocorreu em maio de 2019, com a publicação da Instrução Normativa nº 1.888. Essa norma passou a exigir que exchanges e contribuintes brasileiros reportassem mensalmente operações que ultrapassassem R$ 30 mil. O objetivo era claro: dar segurança jurídica ao mercado e subsidiar o desenvolvimento de futuras regulamentações.
Com a evolução do mercado e o surgimento de novos modelos de negócio — como exchanges descentralizadas, contratos inteligentes e plataformas de tokenização —, a Receita promoveu uma consulta pública para revisar e aprimorar a IN 1.888.
Atualizações sem novas obrigações para o contribuinte comum
Apesar do processo de modernização da normativa, Rubens destacou que as obrigações de pessoas físicas e jurídicas não sofreram alterações substanciais. O foco foi na reorganização textual e na criação de seções mais claras:
- Artigo 8º: operações com exchanges nacionais;
- Artigo 9º: exchanges estrangeiras;
- Artigo 10º: plataformas descentralizadas e "passaportes" centralizados.
“Se vocês olharem bem, não há nenhuma novidade em relação às exigências já conhecidas. O limite de R$ 30 mil mensais continua, assim como os tipos de informações requeridas”, reforçou.
Entre as poucas mudanças, está a criação da categoria “Rendimento de Criptoativo”, que visa registrar ganhos provenientes de atividades com ativos virtuais, e o artigo 11 do novo decreto, voltado a remessas e recebimentos de criptoativos do exterior.
O avanço técnico do setor também exigiu que a Receita atualizasse seus conceitos. Um exemplo citado foi o da componibilidade atômica — uma estrutura em que múltiplas operações são agregadas em uma única transação no blockchain, dificultando sua identificação isolada.
Rubens explicou que, nesses casos, o contribuinte terá a opção de detalhar as operações internas à transação agregada. “Não é uma exigência geral, mas uma possibilidade para facilitar a declaração e a compreensão da Receita sobre a operação realizada.”
Outro conceito que será incorporado é o de contrato inteligente (smart contract), com base em estudos acadêmicos internacionais. “É uma ponte entre a parte tecnológica e a jurídica. Ainda estamos adaptando ao contexto brasileiro, mas é um passo importante para reconhecer essas estruturas no ambiente regulatório”, afirmou.
Tokenização e o caso do misterioso 'XPTO'
Um tema recorrente nas consultas da Receita é a tokenização de ativos do mundo real, como imóveis, commodities ou consórcios. Atualmente, a Receita frequentemente recebe declarações com nomes genéricos de tokens — como o fictício “XPTO” — sem qualquer descrição adicional.
“Recebemos ativos chamados XPTO, e ninguém sabe o que é. Nem Receita, nem CGU. É necessário que venha uma descrição mínima: se representa soja, café, consórcio, imóvel, qualquer coisa”, explicou Rubens.
A proposta é que contribuintes informem, de forma simples, qual é o ativo subjacente ao token e se existe alguma possibilidade de resgate em ativo físico. Não será exigido white paper, apenas uma descrição objetiva.
Essa mudança visa garantir segurança institucional e evitar lacunas de informação. Rubens alertou: “Hoje, em março de 2025, talvez o site do token XPTO esteja ativo, com white paper e tudo. Mas daqui a dois anos, pode não existir mais. E aí temos um registro de milhões de reais em algo que ninguém mais sabe o que é”.
“Queremos criar um ambiente regulatório estável, previsível, e que incentive o crescimento do setor. Mas com responsabilidade, com organização conceitual e sem invadir a esfera pessoal de ninguém.”
Origem do limite de R$ 30 mil e os impactos de uma possível revisão no valor
A regulamentação atual exige que operações com criptoativos realizadas fora do Brasil — inclusive em plataformas que não possuem representação no país — sejam reportadas à Receita Federal. O valor de R$ 30 mil, que determina a obrigatoriedade de declaração, é bastante próximo do limite de isenção para ganhos de capital de pessoas físicas, que é de R$ 35 mil.
Durante o webinar, surgiu a pergunta: de onde vem esse valor de R$ 30 mil? Ele foi definido por estar próximo ao limite de isenção dos R$ 35 mil ou há outro critério por trás?
Rubens Moura, auditor da Receita Federal, explicou que a escolha pode, sim, ter sido feita com base nessa aproximação conceitual, lá em 2018 ou 2019. “Talvez tenha sido uma tentativa de alinhar o valor com o conceito de alienação de bens de pequeno valor. Pode ser algo a se revisitar futuramente.”
No entanto, ele também destacou que qualquer mudança nesse limite precisaria considerar impactos técnicos, operacionais e orçamentários. Seria necessário, por exemplo, pensar na criação de novos códigos de DARF e avaliar os recursos envolvidos em sua implementação.
Embora a simples captação de dados não exija grandes alterações orçamentárias, o aumento do limite de isenção, como os R$ 35 mil, traria efeitos fiscais relevantes — o que envolveria outras instâncias do governo. Rubens observou que discussões similares sobre limites estão acontecendo atualmente em outras áreas da política fiscal brasileira, e sempre exigem atenção por seu impacto na arrecadação