Em abordagem direcionada ao sistema monetário e financeiro em sua versão de 2025 do Relatório Anual, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) abordou nesta terça-feira (24) a tokenização como alternativa viável ao modelo atual de transações. Mas a organização financeira internacional também fez sérias ressalvas em relação ao uso de stablecoins.

Segundo o BIS, “a tokenização representa uma inovação transformadora que aprimora o antigo e viabiliza o novo. Ela abre caminho para novos arranjos em pagamentos transfronteiriços, mercados de valores mobiliários e muito mais”. Entre elas, as moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs, na sigla em inglês), já que o banco avalia que “plataformas tokenizadas com reservas do banco central, dinheiro de bancos comerciais e títulos do governo no centro podem estabelecer as bases para o sistema monetário e financeiro da próxima geração”. Sobre as stablecoins, o BIS não demonstrou otimismo e elencou diversos riscos e, inclusive, casos de uso ilegais.

Evolução no sistema monetário

A instituição declarou que ”a tokenização representa a próxima progressão lógica na evolução do sistema monetário e financeiro, pois permite a integração de mensagens, reconciliação e transferência de ativos em uma única operação contínua.

Seu potencial reside na capacidade de unir operações que abrangem dinheiro e outros ativos que residiriam na mesma plataforma programável. Isso poderia ser possível graças a um novo tipo de infraestrutura de mercado financeiro – um "livro-razão unificado" – que pode ou não utilizar a tecnologia de livro-razão distribuído (DLT), completou.

Em relação aos pagamentos internacionais, o BIS argumentou que “a tokenização poderia substituir a complexa cadeia de intermediários e a atualização sequencial de contas nas transações bancárias correspondentes atuais por um processo único e integrado”.

Juntamente com as ferramentas de conformidade de última geração disponibilizadas na plataforma, a tokenização reduziria os riscos operacionais, atrasos e custos. Da mesma forma, fortaleceria os mercados de capitais, permitindo a execução contingente de ações em termos de gestão de garantias, ajustes de margem e acordos de entrega versus pagamento.

Por outro lado, o BIS deixou claro que os bancos centrais precisam estar no cerne do sistema tokenizado:

O conhecimento comum do valor do dinheiro tem uma sigla – a "unicidade do dinheiro" – onde o dinheiro pode ser emitido por diferentes bancos e aceito por todos sem hesitação. Isso ocorre porque é liquidado ao par contra um ativo seguro comum (reservas do banco central) fornecido pelo banco central, que tem o mandato de agir no interesse público.

Para a organização, os bancos centrais possuem os pilares necessários para o modelo tokenizado de liquidações funcionar, o que o BIS chamou de “sistema monetário de próxima geração”. Entre eles a capacidade de “fornecer reservas às instituições financeiras elasticamente à taxa básica de juros contra garantias de alta qualidade”, “o papel do sistema bancário na criação de moeda por meio de atividades de empréstimo, incluindo cheque especial e linhas de crédito” e “a integridade do sistema monetário contra atividades ilícitas”.

Stablecoins no limbo

Por outro lado, o banco salientou que o “papel que os criptoativos e as stablecoins desempenharão no sistema monetário e financeiro da próxima geração é uma questão em aberto”. No primeiro caso, o BIS argumentou que as criptomoedas “buscam redefinir o dinheiro de acordo com uma noção descentralizada de confiança, repudiando intermediários em favor de transações ponto a ponto”.

Apesar dessa promessa inicial, as criptomoedas sem lastro deram origem a um ecossistema onde uma nova geração de intermediários que operam carteiras hospedadas (ou seja, carteiras de criptoativos para as quais um provedor terceirizado gerencia chaves privadas e ativos) desempenha o papel dominante. Além disso, com suas grandes oscilações de preço, eles não se assemelham a um instrumento monetário estável, mas sim a um ativo especulativo.

Sobre as stablecoins, a organização reconheceu que os tokens lastreados em moedas fiduciárias são usados como rampas de acesso de entrada e saída de criptomoedas a transações transfronteiriças, mas apontou três “desempenho insatisfatório quando avaliadas em relação aos três critérios para servir como pilar do sistema monetário”.

Segundo o BIS, o anonimato nas transações facilita o uso ilegal das stablecoins; ou seja, a ausência de "conheça seu cliente" (KYC) possibilita a falta de supevisão de órgãos reguladores.

A natureza ao portador das stablecoins permite que elas circulem sem a supervisão do emissor, levantando preocupações sobre seu uso para crimes financeiros, como lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Embora a demanda por stablecoins possa persistir, elas apresentam desempenho ruim no teste de integridade em nível de sistema.

O relatório apontou ainda que as apresentam desempenho insatisfatório em termos de unicidade e elasticidade, porque “elas também não conseguem cumprir o princípio de não questionamentos do dinheiro emitido por bancos”.

Sua falha em termos de elasticidade decorre de sua estrutura: elas são normalmente lastreadas por um montante nominalmente equivalente de ativos, e qualquer emissão adicional exige pagamento antecipado integral pelos detentores, o que prejudica a elasticidade ao impor uma restrição de adiantamento de dinheiro, justificou o BIS.

O documento citou outros potenciais problemas das stablecoins, como tensão inerente entre a sua promessa de sempre oferecer conversibilidade nominal (ou seja, ser verdadeiramente estável), necessidade de um modelo de negócio lucrativo que envolva liquidez ou risco de crédito e perda de soberania monetária e a fuga de capitais. Para o BIS, o dinheiro é uma convenção social fundamental para o funcionamento de qualquer economia moderna e, “nos sistemas monetários modernos, a liquidação de pagamentos ao par é apoiada por uma estrutura de dois níveis, com as reservas do banco central e a moeda do banco comercial desempenhando papéis complementares”.

Ao sair em defesa da regulamentação, o BIS acrescentou que:

Os bancos centrais garantem a confiança no dinheiro, um bem público fundamental, fornecendo o meio seguro definitivo para a liquidação de transações na forma de reservas do banco central. Em caso de pressões de liquidez de curto prazo, os bancos centrais também atuam como credores de última instância para os bancos.

O outro lado da criptomoeda

No LinkedIn, Roberto Dagnoni, CEO da 2TM, controladora da exchange brasileira Mercado Bitcoin (MB), saiu em defesa das stablecoins ao repercutir uma reportagem do The Wall Street Journal relacionada às potenciais ameaças que esses tokens representam ao sistema bancário tradicional:

A dolarização dos investimentos não cresce por moda, mas por necessidade. Ela não é uma fuga oportunista, é uma busca legítima por reserva de valor. Pela confiança que o mercado local não consegue mais entregar. Pelas travas fiscais, pela inflação que insiste em voltar, e por um ambiente de negócios que, mesmo quando melhora, cansa.

Sobre os três pontos que têm guiado as discussões do MB sobre a utilização de stablecoins, Dagnoni elencou que não se trata de especular em cripto, mas sim se proteger em dólar via stablecoins como USDT e USDC, com ampla adesão. Ele observou ainda que, apesar da perda de força global do dólar, o real está estruturalmente frágil, e completou dizendo que “a liquidez saiu dos bancos, argumentando que os investidores não atacam o sistema financeiro, mas reagem a ele:

É totalmente legítima a busca por alternativas que ofereçam liquidez imediata, custódia simples e menos intermediários. 

Roberto Dagnoni finalizou dizendo que “o jogo já não acontece no andar térreo do sistema financeiro - e sim nas pontas, com quem entendeu que esperar o Brasil melhorar não pode ser sua única estratégia.

Na Câmara, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança criticou uma consulta pública do Banco Central (BC) de taxar as stablecoins pelo enquadramento nas regras de câmbio. Segundo o parlamentar, a medida representa desespero de um governo inchado e gastador, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.