Durante um painel sobre stablecoins no Webnar de Ativos Digitais, promovido pelo Blocknews com o Cantarino Brasileiro, Ibiaçu Caetano CFO do Bitbank e membro da ABRACAN, revelou que o uso de stablecoins no Brasil já ultrapassa US$ 18 bilhões e superou o mercado tradicional de câmbio para turismo.

Segundo ele, 3% desse volume é destinado à arbitragem e 8% ao investimento e os 89% restantes são voltados para pagamentos.

"Basicamente, você tem dois grandes casos de uso para ativos virtuais: pagamentos e investimentos. E dá para perceber que o investimento, embora relevante, não representa um volume tão grande quanto o de pagamentos. Afinal, é por meio dos pagamentos que a economia global gira. Por isso, stablecoins têm um potencial muito maior como caso de uso prático do que o investimento em si", disse.

O executivo explica que o movimento inclui desde arbitradores — que compram ativos digitais no exterior para revender no Brasil — até fundos de investimento que, devido à ausência de regulação local, são obrigados a operar por meio de exchanges estrangeiras.

Com a entrada em vigor da Resolução 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), os fundos brasileiros ainda não estão autorizados a aplicar diretamente em exchanges nacionais, pois nenhuma delas foi, até o momento, regulamentada. “Isso faz com que essas instituições precisem mandar dinheiro para fora, realizando câmbio e operando fora do país”, explica.

Sobre a demanda por câmbio corporativo, especialmente para pagamento de salários e serviços prestados fora do país, Caetano reconhece que a mensuração exata ainda é difícil. No entanto, o crescimento é evidente, especialmente com a crescente adoção das stablecoins como meio de pagamento internacional.

“As stablecoins estão sendo cada vez mais utilizadas para comércio exterior, remessas e serviços, principalmente por causa do custo muito mais baixo quando comparado aos sistemas tradicionais, como o Swift”, afirma.

Regulamentação atual do Banco Central vai 'travar' este mercado

Segundo ele, o sistema Swift é vantajoso apenas em transações de grande volume, nas quais a taxa fixa (cerca de US$ 140 por transação) se dilui. “Para uma trading ou grande exportadora, isso não pesa. Mas para alguém que envia dinheiro para a família em pequenas quantias, como ocorre na fronteira com a Venezuela, cada centavo importa.”

Caetano ressalta que os casos de uso de stablecoins são hoje o maior exemplo de aplicação real da tecnologia blockchain. “É uma solução que resolve dores muito relevantes, inclusive relacionadas ao sustento das famílias”, pontua.

Além das remessas pessoais, o uso das stablecoins também vem ganhando espaço no comércio exterior, especialmente em contextos geopolíticos delicados. Caetano cita o caso da Rússia, excluída da rede Swift em meio à guerra com a Ucrânia.

“Ela é a maior produtora de fertilizantes do mundo, e o Brasil é o maior consumidor. Com a exclusão russa, nosso agronegócio ficou, de uma hora para outra, refém de uma disputa geopolítica da qual nem fazemos parte.”

Para o CFO do Bitbank, essa realidade ilustra como os ativos digitais e as tecnologias descentralizadas estão se tornando não apenas uma alternativa, mas uma necessidade para manter fluxos comerciais e familiares funcionando em um mundo cada vez mais fragmentado.

No entanto, segundo Caetano, se o Banco Central do Brasil implementar totalmente a atual Consulta Pública para regular o mercado de câmbio, estes US$ 18 bilhões vão 'sumir' pois nenhuma empresa estaria apta a operar nesse mercado que migraria para o "mercado black".

Participando do painel, Thiago Sarandy De Carvalho, Chefe de Assuntos Jurídicos e Regulatórios do Brasil e El Salvador na Binance, concordou com Caetano e destacou que a atual norma do BC está equivocada e diversas mudanças precisam ser feitas.

Sarandy destacou que é fundamental garantir a continuidade dos pagamentos internacionais realizados via cripto, ao mesmo tempo em que o Banco Central ganha mais visibilidade sobre essas transações.

“No mercado tradicional, como o brasileiro, temos a B3 e corretoras locais conectadas a ela. O sistema é doméstico. Já no mercado cripto, as exchanges estão conectadas ao redor do mundo, formando um ecossistema descentralizado e interligado globalmente”, explicou.

Essa diferença estrutural, segundo ele, impõe desafios específicos à regulamentação. “Não podemos aplicar o mesmo olhar do câmbio tradicional às operações com ativos digitais. Isso geraria distorções, como a tributação indevida de 1% sobre transações, ou o risco de criarmos um mercado local ilíquido, com prêmios artificiais de até 3% por operação.”

Sarandy defendeu que o Brasil preserve a participação no chamado “livro de ofertas global”, mecanismo que assegura formação justa de preços, liquidez e proteção contra manipulações de mercado.

“Nosso objetivo é evitar a desconexão do mercado brasileiro desse ecossistema internacional, o que prejudicaria usuários e empresas”, afirmou.

Outro tema abordado foi o staking, processo em que investidores deixam seus ativos em exchanges centralizadas, que por sua vez os utilizam para prover liquidez ou validar transações. Sarandy alertou que a regulação atual ainda não oferece clareza sobre como essas operações devem ser tratadas.

“Tecnicamente, o staking envolve validação em redes blockchain. Mas na prática, o que vemos são produtos representativos, em que os ativos são usados por plataformas para outras finalidades. Ainda não há regulamentação específica para isso”, observou.

Segundo ele, é esperado que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tenha papel central nesse debate. No entanto, alertou para o risco de classificação excessivamente ampla desses produtos como valores mobiliários.

“Diversos países vêm revendo essa interpretação. Derivativos, tokens de renda fixa e produtos estruturados, sim, são valores mobiliários. Mas nem todo produto ligado a staking deve ser enquadrado dessa forma.”

Sarandy concluiu destacando a importância de uma abordagem regulatória equilibrada e tecnicamente informada: “Estamos diante de pautas muito relevantes. É preciso garantir segurança jurídica sem sufocar a inovação e a competitividade do Brasil no cenário global.”