Em alta de 58% nos últimos 30 dias, contra apenas 16% do Bitcoin, o Ether vem roubando a cena no mercado de criptomoedas. Analistas atribuem o momento positivo à onda de adoção institucional via ETFs e tesourarias corporativas, à aprovação da Lei GENIUS nos Estados Unidos, que fornece clareza regulatória ao mercado de stablecoins e à liderança da Ethereum no setor emergente de ativos do mundo real (RWA).
No entanto, analistas ouvidos pelo Cointelegraph Brasil avaliam que o desempenho recente do Ether (ETH), por si só, não garante a sustentação de sua tendência de alta em um mercado dinâmico e altamente competitivo, no qual somente o Bitcoin (BTC) está consolidado com sua proposta de reserva de valor e proteção contra a desvalorização das moedas fiduciárias.
Apesar da liderança em setores-chave do mercado cripto, como finanças descentralizadas (DeFi), stablecoins e tokenização, a Ethereum enfrenta desafios técnicos e estruturais que podem comprometer sua vantagem competitiva e, consequentemente, a valorização do preço do Ether no longo prazo.
Liderança em stablecoins não gera valor relevante para preço do Ether
A sanção presidencial da Lei GENIUS marcou o ápice da Semana Cripto no Congresso dos EUA. Sancionado pelo presidente pró-cripto Donald Trump em uma cerimônia que contou com a presença de diversas personalidades do setor na Casa Branca, o projeto de lei estabelece regras claras para o mercado de stablecoins no país.
Apenas emissores autorizados e supervisionados por órgãos federais (Fed e Escritório do Controlador) podem emitir stablecoins, que devem ser lastreadas 100% em ativos altamente líquidos, como dólares em caixa ou títulos do Tesouro de curto prazo.
Ao classificá-las como instrumentos de pagamento, a Lei GENIUS determina que stablecoins não devem ser qualificadas como valores mobiliários ou commodities, favorecendo a adoção mais ampla por parte de consumidores finais.
Atualmente, a Ethereum e suas soluções de camada 2 detêm mais da metade do total de US$ 262 bilhões em capitalização de mercado das stablecoins, de acordo com dados do Defi Llama, posicionando-a como uma das principais beneficiadas pela nova legislação.
A tendência é que a expansão do mercado e da adoção de stablecoins para uso corrente gere um impacto positivo na demanda pelo Ether, mas não necessariamente terá um impacto decisivo sobre o valor do ativo, afirma Felipe Mendes, cofundador e CEO da Altside, consultoria em investimentos em criptomoedas:
“Basta observar a geração de receita na camada base: as transferências de stablecoins respondem por apenas 11,9% do custo total de uso do ‘computador descentralizado’, enquanto as negociações em corretoras descentralizadas representam cerca de 31%. Em outras palavras, o peso das stablecoins no consumo de gás, e, portanto, na captura de valor para o protocolo e para o detentor de ETH, permanece relativamente baixo quando comparado a atividades que realmente impulsionam as taxas na rede.”
A fragmentação da liquidez em soluções de camada 2 e redes concorrentes quebra a relação linear entre o preço do Ether e o protagonismo da Ethereum no setor, segundo Victor Alfa, economista, head de Conteúdo do DeFiverso e diretor de Research da WeSearch:
“Fatores como volatilidade do mercado, adoção de soluções de camada 2 (como Arbitrum e Optimism, que reduziram os custos das transações em até 90%) e a concorrência de redes como Solana e TRON, que processam grandes volumes de USDT com taxas mais baixas, podem moderar esse impacto.”
Por outro lado, atualizações que aprimorem a escalabilidade da rede e o aquecimento do mercado DeFi emergem como oportunidades para que o preço do Ether capture valor a partir de sua liderança no mercado de stablecoins.
Ao proibir que stablecoins gerem rendimentos automáticos para seus detentores, a Lei GENIUS pode aumentar a demanda por soluções de DeFi, por exemplo “potencializando a atividade e a demanda por ETH,” afirma Victor.
Tokenização de Ativos Reais (RWA): Fragmentação e concorrência em um setor emergente
No segmento de ativos do mundo real, as condições de mercado são semelhantes. A Ethereum detém 55,7% de participação de mercado e ampla adoção institucional, de acordo com dados da RWA.xyz, mas enfrenta desafios de fragmentação de liquidez, acirrados pelo lançamento de soluções proprietárias por grandes players do setor.
"Atualmente, o mercado de tokenização e RWA oferece uma variedade de produtos, mas ainda não está claro qual camada, seja infraestrutura base, plataformas intermediárias ou aplicações finais, capturará a maior fatia de valor econômico no longo prazo," afirma Felipe.
Cauê Duarte, sócio da plataforma de tokenização de ativos reais brasileira Nexa Finance, afirma que a concentração de capital não garante a liderança da Ethereum no setor no longo prazo:
O crescimento acelerado de redes como Solana, Avalanche e de blockchains especializadas — como a da Ondo — mostra que fatores como escalabilidade, custo por transação, velocidade e experiência do desenvolvedor também pesam na escolha da infraestrutura.”
Segundo Victor, a vantagem da Ethereum reside nos efeitos de rede. No entanto, destaca o analista, “a Solana está ganhando terreno, com um crescimento de 218% em sua participação no mercado de RWAs em 2025.”
Plataformas como Ethena (ENA), Ondo Finance (ONDO) e Pendle (PENDLE) também vêm ganhando espaço nesse mercado, buscando atender às demandas específicas de empresas e investidores que operam no setor.
“A Ethena vem se mostrando mais ágil em processos regulatórios, enquanto a Ondo investe na expansão de sua infraestrutura própria, e a Pendle se destaca no nicho de aplicações voltadas à geração de rendimento," acrescenta Felipe.
O CEO da Altside ressalta que o grande desafio da Ethereum no setor é “ajustar seus incentivos econômicos para capturar o valor criado pelos novos players institucionais.”
Já Cauê acredita que “a dominância da Ethereum pode se manter em determinados segmentos, mas o futuro da tokenização tende a ser blockchain-agnóstico, interoperável e orientado por casos de uso específicos.”
Adoção Institucional: ETFs e Tesouraria Corporativa Impulsionam o preço do Ether
A recente alta do Ether também está associada ao crescimento da adoção institucional por meio dos ETFs nos EUA e de empresas que estão incorporando o ETH à sua tesouraria corporativa. Segundo Felipe, o Ether é a altcoin mais bem posicionada para se beneficiar de uma eventual onda de institucionalização de investimentos em cripto além do Bitcoin:
“Vemos três forças atuando a favor da Ethereum: o início de um possível FOMO institucional, as empresas de tesouraria intensificando a acumulação de ETH e os próprios criptonativos rotacionando capital de volta para a rede. Enquanto o Bitcoin disparou primeiro, impulsionado por fortes entradas em ETFs, narrativa de hedge macro e adoção corporativa, saltando de US$ 16 mil para US$ 120 mil, a Ethereum ainda não teve seu grande momento neste ciclo.”
Esse movimento, no entanto, pode estar a caminho, uma vez que os influxos positivos nos ETFs de Ether estão diretamente vinculados aos avanços regulatórios nos EUA, diz Victor:
“Os ETFs de Ethereum nos EUA registraram influxos significativos, com um recorde de US$ 727 milhões em um único dia em 16 de julho, superando os ETFs de Bitcoin em certos períodos. Os influxos consistentes ao longo de 2025, com aumento de 30% no volume de ETFs de ETH no segundo trimestre, sugerem uma preferência estrutural por ativos produtivos. A integração do ETH em estratégias institucionais, como alocação de 5-10% em portfólios de hedge funds, reforça essa tendência.”
O fenômeno das “Ethereum Treasury Companies” também tem exercido pressão compradora sobre o Ether. Felipe destaca que atualmente 57 empresas mantêm aproximadamente 1,8 milhão de ETH em suas tesourarias, avaliado em US$ 6,7 bilhões, de acordo com dados da strategicethreserve.xyz – e esse número deve continuar crescendo.
Alta do Ethereum abre caminho para altseason
Paralelamente à crescente adoção institucional — desencadeada após reformulações na diretoria da Ethereum Foundation e no roadmap da Ethereum —, o componente sazonal também pode estar influenciando positivamente o preço do Ether, segundo Theodoro Fleury, gestor e diretor de investimentos da QR Asset:
“Há um lado sazonal, de pessoas que comentam que o ciclo mudou, que o ciclo acabou, mas também há um lado cíclico: estamos chegando perto dos 18 meses após o halving, e essa é uma época em que, historicamente, a dominância do Bitcoin começa a cair, e outras moedas passam a performar melhor em relação a ele. O Ethereum é a principal delas.”
Fleury acrescenta que a rotação de capital corresponde a um fenômeno cíclico característico do mercado de criptomoedas:
“Se você olhar para o passado, o padrão sempre foi: primeiro o Bitcoin, depois o Ethereum e, em seguida, as outras altcoins.”
A queda recente na dominância do Bitcoin corresponde à valorização do Ether e, embora no ciclo atual as altcoins estejam apresentando um comportamento diferente, com “lampejos setoriais”, finalmente uma altseason pode estar a caminho, segundo o executivo da QR Asset:
“Uma altseason generalizada costuma começar — pelo menos historicamente foi assim — com o Ethereum. Então, com o Ethereum se consolidando e ganhando mercado em cima do Bitcoin, pode ser, sim, um indicativo disso.”
Victor acrescenta que o desempenho superior do Ether em comparação com o Bitcoin no segundo trimestre – 51,8% contra 30,5%, respectivamente – sugere que uma rotação de capital está em curso:
“Essa rotação é análoga à de ciclos anteriores de demanda crescente por altcoins no varejo, mas agora é mais focada no Ether devido ao seu protagonismo em DeFi, RWAs e staking, e alinhada aos objetivos institucionais de rendimento e diversificação.”
Apesar da alta recente, o preço do Ether ainda é negociado 25% abaixo da máxima histórica de US$ 4.880 registrada em novembro de 2021. Além disso, Victor lembra que, desde setembro de 2022, o Ether desvalorizou mais de 60% em relação ao Bitcoin, com o par ETH/BTC caindo de 0,09 para 0,03 no período. A iminente aprovação da inclusão de staking nos ETFs de Ether pode ser o próximo catalisador para um novo impulso de alta, segundo o economista.
Conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil recentemente, a bolsa de valores Nasdaq encaminhou um pedido à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) para adicionar staking ao fundo negociado em bolsa iShares Ether da BlackRock. Se o pedido for aprovado, o fundo passará a oferecer parte dos rendimentos aos investidores.
Este artigo não contém conselhos ou recomendações de investimento. Todo investimento e negociação envolve riscos, e os leitores devem realizar sua própria pesquisa ao tomar uma decisão.