Em entrevista concedida ao editor-chefe do Cointelegraph Brasil, Lucas Caram, o CEO da Transfero Swiss, startup fundada por brasileiros e sediada na Suíça, Thiago César falou sobre o surgimento e a importância para os investidores de criptomoedas brasileiros do BRZ, a maior stablecoin pareada ao real do mundo. O executivo também avaliou o Projeto de Lei (PL) 4401/2021, que prevê a regulamentação das atividades envolvendo o mercado cripto no Brasil, e não deixou de alfinetar as exchanges de criptomoedas nacionais em relação ao embate com as concorrentes internacionais, o que, segundo ele, esconde uma tentativa de limitar a oferta de serviço aos investidores. Ele também falou sobre o atual mercado de baixa ao afirmar que os invernos criptos passados foram piores. 

Thiago César explicou que a empresa foi fundada em 2015 no Rio de Janeiro e acabou mudando sua sede em 2017 para a Suíça, onde a regulação cripto se encontra em estado mais avançado, embora o maior escritório da empresa seja na capital fluminense, onde a Transfero possui cerca de 150 funcionários, além de cerca de dez pessoas atuando em São Paulo. 

Segundo ele, a criação do BRZ veio da dificuldade dos investidores brasileiros em acessar os serviços oferecidos pelas exchanges globais, que detêm grande liquidez. 

“Se em 2017 ou 2018 você quisesse acessar uma Bittrex da vida, você teria que fazer uma TED para uma exchange local, comprar Bitcoin e aí mandar seus Bitcoins (BTC) ou Ethereum (ETH) para a exhange internacional e negociar. Desvantagem número um: você tem inflexão no processo, precisa passar por duas casas antes de chegar ao seu destino.

Fricção número dois: se você ‘tradeasse” [negociasse] lá seu Bitcoin, ‘valorizou, vendi’, você podia vender ele por dólar cripto, uma stablecoin de dólar, ou outra criptomoeda, que, para o brasileiro nem sempre é um cenário atraente, dado que os brasileiros fazem conta em reais, você paga suas contas no Brasil em reais, impostos em reais, você pensa em reais”, explicou. 

O CEO da Transfero elogiou a eficiência do sistema bancário brasileiro e disse que a startup não tem como objetivo principal a utilização do BRZ no mercado de pagamentos ao argumentar que:

“Se você for mandar dinheiro do Bank of America para alguém que tem uma conta em qualquer outro banco, essa transação pode demorar três dias, as taxas são altíssimas, paga taxa pra mandar dinheiro, pra receber dinheiro. O Brasil não, a gente uma realidade com o TED, há muito tempo funcionando bem e agora com o Pix, a gente tem um dos sistemas de pagamento mais avançados do mundo. Então nossa ideia não é fazer o BRZ competir com o Pix, seria absurdo, muito pelo contrário, nós somos uma camada que está integrando o Pix, do Brasil, ao mundo cripto.”

Ele também elogiou o texto atual do PL que estabelece um marco regulatório no Brasil ao justificar o caráter principiológico da matéria e disse que não acredita que a normatização que entrar em vigou irá transformar o ecossistema cripto nacional em uma espécie de terreno árido aos investidores de criptomedas, embora não tenha descartado esta possibilidade.

“Eu acho que é positiva a discussão que está acontecendo em Brasília, me parece que é um projeto muito mais baseado em princípios do que em especificidades, acho que é assim que o projeto de lei tem que ser. Não pode tentar entrar muito no detalhe, senão ele corre o risco de barrar eventos futuros.

O projeto de lei não previne nenhum tipo de inovação na maneira que hoje está, mas eu concordo que, dependendo da força dos agentes que têm interesse por trás desse projeto de lei, essas forças sim podem levar para um cenário, que eu não acredito que vá acontecer, mas podem sim levar para um cenário onde se cria uma barreira artificial para o mercado de cripto no Brasil, mas isso não é culpa do legislador em si e sim das forças que estão atuando sobre o tema.”

Questionado sobre uma suposta “zona cinzenta” em que estariam as exchanges estrangeiras que possuem clientes no Brasil, objeto de críticas de concorrentes nacionais, Thiago César, sem citar nomes tampouco os pontos polêmicos existentes no PL, que colocam em lados opostos as exchanges nacionais e estrangeiras, disse que: 

"Eu acho que qualquer exchange internacional que chegou a infringir normas claras no Brasil foi de alguma forma repreendida pelo órgão regulador responsável, ou seja, a CVM ou o Banco Central. Então eu discordo um pouco quando as pessoas colcam que a exchanges internacionais estão se aproveitando de uma zona cinzenta.

Veja bem: o mundo existe, logo está aí... Acho que houve alguma confusão proposital criada por alguns players desse mercado pra induzir quem está de fora do debate a acreditar que essa exchanges internacionais vieram aqui para explorar o consumidor brasileiro ou pra causar algum tipo de dano à economia local, o que não é verdade.

 A Binance está ganhando de lavada no Brasil, é de longe a maior exchange do Brasil e ela não é brasileira, isso mostra que o consumidor não está se importando tanto com esse debate semântico, ele se preocupa mais com a qualidade da oferta de serviço que ele tem.

Uma das coisa que eu não acho justo com o consumidor brasileiro é tentar diminuir a oferta de serviços destes players, ou seja, limitar a qualidade de serviço desses players globais sob um argumento de que nós somos bonzinhos e eles são ruins.

 Eu acho que cripto, por natureza, já nasceu global, isso tá lá no white paper de Satoshi Nakamoto e tentar criar barreiras artificiais para limitar atuação de exchanges internacionais no Brasil, me parece agir de maneira contrária aos interesses do consumidor brasileiro”, concluiu.

Em relação ao mercado de baixa, ele disse que os invernos criptos passados foram piores, com a diferença de que os investidores atualmente estão mais maduros. 

“Estamos nesse mercado desde 2012, podemos dizer que vimos todos os invernos cripto até agora, os anteriores foram muito piores, era muito fácil proclamar o Bitcoin como morto lá em 2013, 2015, 2017, depois do boom dos ICOs.

Acho que dessa vez, a grande diferença é que, no passado, quando havia um crash, era muito fácil ouvir do leigo, digamos assim, a pessoa que não é entusiasta, falando assim: ‘Já era, acabou, isso não tem futuro.’

 Agora não está assim, o preço caiu e eu vejo muita gente que não é do mercado falando: ‘Quem sabe agora é hora de entrar.’ Então mudou um pouco a mentalidade das pessoas, acho que passaram da fase de negação, de achar que a indústria morreu”, finalizou. 

Quem também se mostrou otimista em relação ao projeto que tramita em Brasília foi o Diretor Executivo da ABCripto, Rodrigo Monteiro. Porém, quando o assunto são as exchanges estrangeiras, a conversa é outra, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.

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