Em uma semana marcada por fortes perdas no mercado global que impactaram diretamente as criptomoedas e o setor DeFi em virtude do discurso direto e agressivo do presidente do Banco Central dos EUA, Jerome Powell, na sexta-feira, no simpósio de Jackson Hole, reiterando o compromisso da instituição com o combate à inflação, o Terra Classic (LUNC) obteve os maiores ganhos entre os tokens de finanças descentralizadas. 

Como explicar que o token de uma rede fantasma, esvaziada após o colapso da stablecoin algorítmica TerraUSD Classic (USTC), sem utilidade prática ou casos de uso reais, possa ter acumulado ganhos de 57% nos últimos sete dias, enquanto o setor DeFi como um todo acumulou novas perdas? Seria a irracionalidade do mercado?

Vamos ver se os números do ecossistema de finanças descentralizadas nos últimos sete dias são capazes de fornecer algumas pistas.

Valor total bloqueado (TVL) em protocolos DeFi

O valor total bloqueado (TVL) em protocolos DeFi caiu fortemente no fim de semana, após a manifestação de Powell, mas voltou a se recuperar na segunda-feira, 29. Assim, a queda do TVL nesta semana foi apenas marginal, de 2,3%, com a redução de US$ 61,5 bilhões em 23 de agosto para 60,1 bilhões no início da tarde desta terça-feira, de acordo com informações da plataforma de monitoramento de dados DeFi Lllama.

Entre as 10 principais redes de contratos inteligentes, apenas as soluções de camada 2 da Ethereum (ETH), Arbitrum e Optimism (OP), acumularam ganhos: 2,3% e 5,3%, respectivamente. As maiores perdas couberam à Polygon (MATIC), com 13,3%, seguida por Fantom (FTM), com 6%, Avalanche (AVAX), com 5,4%, Tron (TRX), com 5,2%, e Solana (SOL), com 3,9%.

A líder Ethereum e a terceira colocada BNB Chain (BSC) registraram as menores perdas: 1,4% e 1,6%, respectivamente. Já o fenômeno Terra Classic acumulou ganhos de 5,1% e agora ocupa a 64ª posição no ranking, com US$ 9,5 milhões em valor total bloqueado.

Outro destaque entre as redes menores foi a Dogechain (DC), que ganhou um impulso adicional esta semana depois do polêmico airdrop de seu token nativo e viu seu TVL crescer 143%, atingindo um total de US$ 22,9 milhões.

Capitalização de mercado dos tokens DeFi

A capitalização de mercado dos tokens DeFi registrou o mesmo movimento que o TVL, acumulando perdas durante o fim de semana, as quais foram parcialmente recuperadas a partir de segunda-feira. Os tokens de Lido Finance (LDO), Balancer (BAL), Avalanche e Synthetix (SNX) puxaram o crescimento nas últimas 24 horas com ganhos acima de dois dígitos.

Em 23 de agosto, a capitalização de mercado dos tokens de finanças descentralizadas era de US$ 45,8 bilhões e retrocedeu para US$ 44 bilhões no início da tarde desta terça-feira, 30, de acordo com dados do CoinGecko.

Os principais ganhadores no período foram o supracitado Luna Classic, o token da plataforma de seguros descentralizados Nexus Mutual (NXM) e o TRIBE, token de governança da stablecoin algorítmica FEI.

Terra Classic (LUNC)

O Luna Classic (LUNC) foi originalmente criado como token nativo da blockchain Terra sob o nome LUNA, originalmente lançado em 2018. Sua função era atuar como um mecanismo de estabilidade para absorver desvios de preço da stablecoin algorítmica do Terra, o TerraUSD (UST), hoje conhecido como USTC. A stablecoin mantinha seu preço atrelado ao dólar através da cunhagem ou queima de LUNA e UST.

Quando o UST perdeu a paridade com o dólar e entrou em colapso em maio de 2022, o LUNA entrou em uma mortífera espiral hiperinflacionária na tentativa de restaurar o preço alvo do UST. Hoje, o LUNC e o USTC, foram os fantasmas que restaram do LUNA e do UST depois da espiral da morte do ecossistema DeFi.

Mais de 99% abaixo de sua máxima histórica, o LUNC parece ter se tornado veículo para apostas especulativas, embora mantenha uma comunidade fiel de "lunáticos" – autodenominação que os adeptos do velho Terra utilizavam para demonstrar seu apreço ao protocolo.

Curiosamente, a recente alta do Luna Classic, que também foi acompanhada pela disparada do USTC, teve início após a divulgação da primeira entrevista em vídeo do fundador do protocolo falido, Do Kwon.

Na entrevista, Kwon assume a responsabilidade pelo fracasso do Terra, afirmando que ele jamais foi capaz de prever o que acabou acontecendo e reconhece que seu excesso de confiança era “super irracional”. Por outro lado, diz também que o projeto foi vítima de um ataque deliberado:

"Se alguém tentou tirar vantagem dessa oportunidade em particular, eu diria que a resposta é 'sim.' Mas se essas oportunidades existiam, então a culpa é da pessoa que permitiu que essas vulnerabilidades existissem em primeiro lugar. Eu, e somente eu, sou responsável por quaisquer fraquezas que possam ter sido exploradas por um vendedor a descoberto para obter lucros.”

Em uma momento confessional da entrevista, Kwon mencionou que deu à sua própria filha o nome de Luna, prova de que sempre acreditou no sucesso do projeto. Depois de falhar miseravelmente, para sua própria filha e disse que agora está trabalhando para fazer de Luna um nome do qual ela possa se orgulhar. No caso, ele estava se referindo ao novo Terra, ou Terra 2.0 (LUNA2), que foi lançado depois do colapso do projeto original.

No entanto, os desenvolvedores do Terra Classic acabam de lançar uma atualização da rede que permite aos detentores do LUNC bloquearem suas moedas em staking para obter recompensas. Poucas horas após a implementação da atualização, mais de 1% do suprimento circulante do LUNC já havia sido bloqueado, embora não haja evidências de que o ecossistema DeFi que um dia existiu na rede original possa ser retomado.

A novidade reacendeu as esperanças da comunidade acerca do futuro do projeto e desencadeou a alta de 54% do LUNC nos últimos sete dias, saltando de US$ 0,0000974 para US$ $0,0001479, de acordo com dados do CoinMarketCap. Uma demonstração de que o momentum está favorável é a alta de 87,6% do volume de negociação nas últimas 24 horas.

Atualmente, o LUNC ocupa a 211ª posição no ranking de criptomoedas, com uma capitalização de mercado de US$ 968 milhões.

Desempenho semanal do LUNC. Fonte: CoinMarketCap

Nexus Mutual (NXM)

A Nexus Mutual é um protocolo de seguro descentralizado construído na Ethereum que atualmente oferece cobertura para contratos inteligentes implementados na rede.

A Nexus Mutual inclui cobertura contra falhas de contratos inteligentes, que protege contra possíveis bugs no código executado e perdas financeiras decorrentes de ataques de hackers ou de explorações no código do contrato inteligente.

cobertura oferecida pela Nexus Mutual protege apenas contra "danos não intencionais", de modo que eventos como a perda de chaves privadas ou ataques hackers a entidades centralizadas, como exchanges de criptomoedas, não têm cobertura garantida.     

Para utilizar o protocolo, os usuários primeiramente devem escolher o Período de Cobertura e o Valor da Cobertura do seguro. O Valor de Cobertura é o valor que será pago no caso de haver falhas nos contratos inteligentes. Após um evento de violação de contrato inteligente, a Nexus Mutual empreende um processo de avaliação de sinistros antes de ressarcir o segurado.

O NXM é o token nativo da Nexus Mutual e confere aos seus portadores direitos de associação ao protocolo, juntamente com a capacidade de participar do ecossistema por meio de avaliações de sinistros e de riscos, e de decisões de governança.

Os usuários podem fazer staking do NXM em determinados contratos inteligentes para votar em decisões relativas a avaliações de sinistros e também para opinar se uma determinada reivindicação deve ou não ser paga. Sempre que uma reclamação é apresentada, os detentores do NXM são responsáveis ​​por votar sobre a legitimidade da reivindicação e sobre o pagamento ou não do sinistro.

Os membros que votam de acordo com o consenso são recompensados ​​com o NXM, enquanto os que votarem contra ele terão seus tokens bloqueados por um determinado período de tempo. Esse mecanismo é uma forma de forçar os usuários a tomarem a decisão supostamente mais acertada nos casos avaliados.

Quanto mais NXM é mantido em staking em um determinado contrato inteligente, mais barato fica comprar cobertura para ele; o grande valor em jogo é um indicador de que o contrato é considerado seguro por muitos membros.

Na última terça-feira, 23, a Nexus Mutual integrou a Prova de Reserva da Chainlink (LINK) para verificação de depósitos no protocolo de empréstimos descentralizados Maple Finance (MPL). Poucas horas depois o NXM disparou, e no início da tarde desta terça-feira, 30, acumula ganhos de 22,5% nos últimos sete dias, e está cotado a US$ 49,89, de acordo com dados do CoinMarketCap.

Atualmente, o NXM ocupa a 218ª posição no ranking de criptomoedas, com uma capitalização de mercado de US$ 327 milhões.

Desempenho semanal do NXM. Fonte: CoinMarketCap

Tribe (TRIBE)

Tribe é o token de governança da stablecoin algorítmica FEI, a qual tem como propósito oferecer uma nova solução descentralizada para moedas atreladas ao dólar.

TRIBE é o token de governança da organização autônoma descentralizada (DAO) que controla a governança do FEI e pode ser usado para obter acesso a voto em propostas de governança ou trocado por FEI.

O FEI propõe um modelo econômico semelhante ao design de um banco central de reserva fracionária. A Tribe DAO emitiu FEI a uma taxa subsidiada em relação ao Ether em seu lançamento para gerar um pool de Ether como seu tesouro.

A Tribe então implementou uma parte desse ETH com FEI recém-cunhado em um pool de liquidez ETH-FEI na exchange descentralizada Uniswap (UNI) para viabilizar a negociação da stablecoin. Embora os usuários possam comprar FEI do Tribe DAO, eles não podem vendê-lo de volta: são obrigados a negociá-lo no mercado.

Por sua vez, a estabilidade é mantida através de um sistema de incentivos. Se o preço do FEI exceder a paridade de 1:1 com o dólar, os traders podem vender ETH para o Tribe DAO e vender seu FEI na Uniswap, aproveitando estas oportunidades de arbitragem para obter lucro.

A Tribe DAO se envolvida em uma polêmica esta semana depois que o fundador do Fei Protocol, Joey Santoro, anunciou uma nova votação de governança, revelando a intenção da empresa de reembolsar as vítimas de um hack ocorrido em abril, que drenou quase US$ 80 milhões de vários pools da Rari Fuse.

A proposta apresentada por Santoro também detalha planos para resgate de ativos e distribuição de ativos de valor controlado por protocolo (PCV), cuja liquidez e rendimentos são gerenciáveis.

A proposta gerou sentimentos mistos na comunidade porque o plano prevê que a compensação das vítimas do ataque hacker seria feita através de 88,9 milhões de tokens TRIBE equivalentes a US$ 16 milhões. Ou seja, um valor muito inferior aos US$ 80 milhões comprometidos no hack.

Da forma como foi apresentada, a proposta oferece reembolsar o Frax (FXS) com 2% sobre um prejuízo total de US$ 12,3 milhões, o Olympus DAO (OHM) com 3% sobre perdas de US$ 8,9 milhões, o Balancer Labs com 19% e o VesperFi com 27%. Além disso, outros membros da comunidade questionaram a falta de prazos concretos dentro da proposta.

A proposta apresentada por Santoro acrescentava ainda que “após a conclusão desta proposta, e independentemente de as peças individuais falharem ou terem sucesso, a Fei Labs não participará mais da Tribe DAO”, dizia a proposta.

Apesar do dissenso, o TRIBE registrou um aumento do volume negociado e de seu valor de mercado logo após a apresentação da proposta. Na semana passada o token disparara 51% em sete dias. Nesta semana, manteve-se entre os tokens DeFi de maior rendimento, com alta de 9%.

Em 23 de agosto, o token estava cotado a US$ 0,223 e no início da tarde desta terça-feira, 30, era negociado por US$ 0,225, de acordo com dados do CoinMarketCap.

Atualmente, o TRIBE ostenta uma capitalização de mercado de US$ 102,3 milhões e ocupa a 251ª posição no ranking de criptomoedas.

Desempenho semanal do TRIBE. Fonte: CoinMarketCap

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