O Banco Central (BC) deveria rever as resoluções que tratam da constituição e funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs), conforme apresentada nas Consultas Públicas 109/2024 e 110/2024,  para evitar distorções de mercado que possam prejudicar a inovação, afirmou Anna Lucia Berardinelli, sócia da área de ativos digitais, blockchain e Web3 do escritório Villemor Amaral Advogados.

Em entrevista ao Cointelegraph Brasil, Berardinelli sugeriu que é necessário fazer uma distinção, nos termos da lei, entre os provedores de infraestrutura e as empresas que prestam serviços financeiros e fazem a interface com os consumidores finais:

“O artigo 5º da Consulta Pública 109/2024 do Banco Central tem um inciso que fala de assistência técnica. Uma das coisas que a gente vai propor, em linha com outras entidades do setor, é que esse conceito não abarque os provedores de infraestrutura. As startups que estão desenvolvendo novas soluções tecnológicas para amparar os serviços de players que de fato prestam serviços financeiros não deveriam ser enquadradas nesse conceito.”

BC estabelece 3 categorias de PSAVs

O artigo 5º da CP109/2024 do BC trata do objeto social das PSAVs, delimitando as atividades que as empresas do setor podem exercer. De acordo com a proposta do órgão regulador, o artigo divide as PSAVs em três categorias: intermediários, custodiantes e corretoras.

Os intermediários prestam serviços de compra e venda de ativos virtuais em nome de terceiros ou por conta própria, conectando compradores e vendedores de ativos digitais.

Os custodiantes são responsáveis por armazenar ativos virtuais em nome de terceiros, incluindo a gestão das chaves criptográficas privadas associadas a esses ativos para garantir a segurança dos consumidores.

As corretoras podem acumular em seu objeto social a prestação de ambos os serviços.

As CPs 109 e 110 também estabelecem requisitos mínimos de capital social (CS) e patrimônio líquido (PL) para que as empresas recebam licenças para operar no Brasil.

As intermediárias de ativos virtuais: deverão comprovarao menos R$ 1 milhão de CS integralizado e PL; os custodiantes, R$ 2 milhões; e as corretoras, R$ 3 milhões. As PSAVs que oferecerem operações de margem e staking de criptomoedas deverão possuir um adicional de R$ 2 milhões de CS integralizado e PL, além do patrimônio já exigido conforme a modalidade de prestação de serviço.

Nos termos das resoluções apresentadas pelo BC nas CPs 109 e 110, qualquer provedor de serviços de ativos virtuais obrigatoriamente teria que se enquadrar em uma destas categorias para obter uma licença do órgão regulador.

Equilíbrio entre segurança e inovação

Berardinelli é favorável à abordagem do BC de adotar os mesmos parâmetros de segurança e conformidade do mercado financeiro tradicional na regulação dos ativos digitais:

“No âmbito desta consulta, estamos considerando a tecnologia blockchain dentro desse mesmo ambiente financeiro. Só por inserir uma camada tecnológica na prestação destes serviços, não é possível prescindir das salvaguardas que garantem proteção aos consumidores. Então, é natural que o regulador reproduza os parâmetros de regulação do mercado tradicional sob a ótica de que a segurança do consumidor é um pilar fundamental.”

No entanto, Berardinelli advertiu que, embora a regulação seja fundamental para proteger os investidores e garantir a segurança jurídica para as empresas do setor, fomentando o desenvolvimento do mercado, as regras propostas pelo BC não deveriam impor obrigações desproporcionais às startups do setor.

A advogada defende que prestadoras de serviços que não tenham interface final com o consumidor sejam isentadas de atender aos requisitos de capital social e patrimônio mínimos estipulados pelo BC:

“Quando você pensa nas instituições para as quais o BC estipulou um capital mínimo, elas prestam os mesmos tipos de serviço que bancos, DTVMs e corretoras de valores mobiliários. Para dar segurança ao consumidor nesse tipo de serviço é necessário ter um capital mínimo. São as empresas que fazem essa interface direta com o consumidor que precisam atender às exigências de capital mínimo propostas na Consulta Pública. Por outro lado, você pode ter diversas empresas de tecnologia que vão intermediar a prestação de um determinado serviço, mas não têm interface final com o consumidor.”

Como exemplo, além dos provedores de infraestrutura tecnológica, Berardinelli cita os provedores de liquidez para negociação de criptoativos e oráculos, sistemas que garantem a veracidade de informações off-chain, externas à rede.

Com relação à CP 110, que dispõe sobre o processo de autorização para as PSAVs, a advogada também defende que os reguladores criem regimes diferenciados para startups:

“Uma sugestão interessante proposta pelo Fábio Cendão recentemente é que se crie um sandbox paralelo, quase mesmo como uma incubadora para as empresas menores, pois você não pode botar em pé de igualdade as gigantes internacionais com pequenas empresas do setor que não fogem ao conceito de PSAV.”

Para Berardinelli, esse modelo mantém o equilíbrio entre segurança e inovação, garantindo que as startups testem novos produtos e serviços sob supervisão dos órgãos reguladores, com requisitos mais flexíveis que aqueles propostos na CP 110.

O prazo para apresentação de contribuições às consultas públicas abertas pelo BC se encerra na sexta-feira, 28 de fevereiro, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.

Berardinelli explica que, após a análise das propostas, o órgão regulador deverá apresentar as versões finais das resoluções, abrindo uma nova janela para a manifestação de empresas e entidades do setor.

Uma vez aprovadas as versões finais, Berardinelli espera que as solicitações de registros de PSAVs sejam encaminhadas ao BC no máximo até o mês de julho.