O presidente Luiz Inácio Lula da Silva antecipou nesta sexta-feira (6) em Paris que a Cúpula do Brics, que acontece nos dias 6 e 7 de julho no Rio, deve adotar uma declaração exigindo governança sobre a inteligência artificial (IA).

A cúpula dos Brics vai adotar uma declaração sobre governança da inteligência artificial, é preciso colocá-la a serviço de todos e não somente de meia dúzia, declarou o presidente, que recebeu o título de Doutor Honoris Causa durante a cerimônia da Universidade Paris 8.

Em Brasília na última quinta-feira (5), no terceiro e último dia do 11º Fórum Parlamentar do Brics, representantes de parlamentos dos países-membros defenderam o desenvolvimento de uma inteligência artificial que seja ética, inclusiva e baseada em princípios de responsabilidade e transparência.

Conforme noticiou a Agência Senado, a 4ª sessão de trabalho do encontro, com o tema "Cooperação Interparlamentar para uma Inteligência Artificial Responsável e Inclusiva", foi aberta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, com participação na mesa do senador Humberto Costa (PT-PE), coordenador parlamentar do fórum no Senado, e do deputado Fausto Pinato, coordenador na Câmara.

Na avaliação de Hugo Motta, os parlamentos do Brics têm papel central na formulação de diretrizes comuns para garantir que os avanços tecnológicos não aprofundem desigualdades nem violem direitos.

Ele advertiu que a ausência de protagonismo na regulação pode relegar os países a um papel de consumidores passivos de tecnologias produzidas sob regras impostas por outras nações. Para o deputado, é necessária uma governança tecnológica plural e cooperativa, que respeite a privacidade, a soberania dos dados e os direitos autorais.

O desafio é disciplinar algo que muda tão rápido e, ao mesmo tempo, estimular o desenvolvimento nos nossos próprios países, ponderou.

Alinhamento regulatório

A busca por padrões regulatórios comuns foi destacada por diversos participantes como condição para um avanço equilibrado da inteligência artificial entre os países do grupo. Mostafa Taheri, da Assembleia Consultiva Islâmica do Irã, defendeu o alinhamento de legislações como forma de facilitar a troca de dados e reduzir disparidades tecnológicas.

A falta de harmonização tem sido um obstáculo à cooperação efetiva. Precisamos falar com uma só voz na governança global da inteligência artificial, disse.

Nesse sentido, o vice-presidente da Duma Estatal da Rússia, Alexander Zhukov, apresentou a criação da Aliança Internacional do Brics para Inteligência Artificial, iniciada em 2024, como uma iniciativa concreta para coordenar abordagens nacionais e integrar institutos e associações de diversos países.

Já temos 17 instituições de 14 países e estendemos o convite para que mais nações se unam à aliança, destacou.

Desenvolvimento responsável e inclusão digital

Representantes do Egito, da China, dos Emirados Árabes Unidos e da Índia apontaram o duplo papel da inteligência artificial: motor de desenvolvimento, mas também fonte de riscos se utilizada sem critérios éticos.

Mohamed El Sallab, da Câmara dos Representantes do Egito, reforçou que a inteligência artificial deve ser desenvolvida de forma responsável, com respeito à privacidade e à segurança.

Wang Ke, do Congresso Nacional do Povo da China, classificou a inteligência artificial como força transformadora da economia global e defendeu que os parlamentos atuem de maneira proativa para garantir que ela se torne um bem público.

Única mulher a falar, Sara Falaknaz, do Conselho Nacional Federal dos Emirados Árabes Unidos, disse que, se mal regulada, a tecnologia pode ampliar desigualdades.

Realizar o potencial da inteligência artificial exige mais do que inovação, exige responsabilidade. Os algoritmos devem ser justos; os dados, protegidos; e o crescimento, inclusivo, enfatizou.

Transparência e controle público

A necessidade de transparência nas aplicações de inteligência artificial também foi apontada como prioridade. Representante da Assembleia Nacional do Poder Popular de Cuba, Ian Pedro Carbonell Karell defendeu que os modelos usados em serviços e plataformas digitais sejam públicos, auditáveis e reprodutíveis.

A inteligência artificial não é só uma ferramenta, é um novo território político e ético que precisa ser governado com responsabilidade. Precisamos reduzir assimetrias e garantir concorrência leal, pontuou.

Ao encerrar a sessão, o presidente da Câmara Baixa da Índia, Om Birla, lembrou que a própria atividade parlamentar pode se beneficiar da inteligência artificial ao se tornar mais eficiente e centrada no cidadão. Ele destacou a importância de construir uma estrutura ética comum entre os países.

Estou confiante de que o Brics pode liderar essa transformação global com responsabilidade e colaboração, concluiu.

Reunião de mulheres

A regulação da inteligência artificial foi tema também da Reunião de Mulheres Parlamentares do Brics, promovida terça-feira (3), primeiro dia do fórum. Representantes de parlamentos dos países participantes discutiram o impacto da IA nas oportunidades femininas e a necessidade de uma regulação que garanta a inclusão e a equidade de gênero no desenvolvimento das novas tecnologias.

Na avaliação da deputada Jack Rocha (PT-ES), coordenadora-geral da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, a sub-representação feminina nas equipes de desenvolvimento tecnológico limita a diversidade na perspectiva e nas soluções. Para ela, a revolução da IA deve ser inclusiva.

Algoritmos criados por homens reproduzem preconceitos e desigualdades históricas. E a automação ameaça setores com alta concentração feminina, como serviços e educação, observou.

De acordo com informações da Agência Câmara de Notícias, a deputada Delegada Katarina (PSD-SE) lembrou que ferramentas desse tipo abrem novos espaços para a vida política, o que torna urgente construir uma governança digital capaz de prevenir formas mais sofisticadas de exclusão e violência.

É imprescindível que os parlamentos formulem marcos legais para que o uso da IA respeite os direitos humanos, e para que os avanços tecnológicos promovam a inclusão feminina na economia digital, salientou.

Exemplos

Representantes de outros parlamentos apresentaram exemplos de como seus países estão lidando com a inclusão de mulheres no contexto de crescimento da IA.

Sara Falaknaz, parlamentar dos Emirados Árabes Unidos, afirmou que seu país vê a transformação digital como poderoso catalisador para a igualdade de gênero. “Nossa estratégia nacional para o empoderamento das mulheres prioriza a liderança feminina em setores futuros, incluindo IA. Hoje, as mulheres constituem mais da metade de nossa força de trabalho no setor espacial”, comentou.

Membro do Congresso Nacional do Povo da China, Qian Fangli destacou que, em seu país, as mulheres representam mais da metade dos empresários de internet e 45% dos trabalhadores de tecnologia.

A deputada Iza Arruda (MDB-PE) chamou a atenção para o uso de medidas legislativas capazes de enfrentar os riscos da evolução tecnológica para as mulheres. Ela destacou principalmente a Lei 15.123/25, que agrava o crime de violência psicológica contra mulheres quando praticados com uso de inteligência artificial. “O universo digital não pode ser terra sem lei. Crimes on-line têm que ser punidos com rigor.”

Outros temas

Sobre mudanças climáticas, as participantes da reunião disseram que as mulheres são atingidas de forma desigual. “Inundação, secas e deslocamentos forçados impõem desafios. Vamos discutir como as mulheres podem e devem ser protagonistas nas políticas de adaptação e mitigação e na construção de estratégias climáticas que integrem justiça ambiental e justiça social”, defendeu a senadora Leila Barros (PDT-DF).

A deputada Jack Rocha reforçou que essas mudanças não são neutras, por isso as mulheres devem estar no centro da construção de respostas.

Para construir soluções, Leila Barros e Jack Rocha acreditam em um BRICS feminino que valorize a pluralidade de experiências e o papel das mulheres no século 21.

IA e redes terroristas

A necessidade de atualização de mecanismos de resposta diante do uso de novas ferramentas tecnológicas da internet para fins terroristas é uma realidade comum aos países do Brics. O Grupo de Trabalho de Contraterrorismo, coordenado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em Brasília, aprofundou os debates sobre o tema, também na quinta-feira. A intenção é que os países do foro estejam preparados a enfrentar o terrorismo de forma antecipada e preventiva.

Organizações terroristas ao redor do mundo utilizam inteligência artificial, deep web, plataformas de redes sociais e jogos online para disseminar desinformação e propaganda ao terrorismo. O enfrentamento a esses novos desafios passa pela adaptação na resposta e pela construção conjunta de capacidades, de acordo com o GT.

Brasil e Etiópia lideram o subgrupo de trabalho para construção de capacidades de ensino relacionado ao contraterrorismo, de acordo com informações da Agência Gov. Durante a reunião, a diretora da Escola de Inteligência da Abin, Anna Cruz, apresentou as oportunidades de cursos e treinamentos.

Esperamos que esta edição do Brics promova novas ferramentas de construção de capacidades para estreitar nossa cooperação e aprofundar nosso conhecimento sobre essa ameaça. Nos próximos anos podemos desenvolver uma resiliência ainda maior contra o terrorismo e o extremismo violento, declarou.

Protocolo de Prevenção de Ameaças

Na sessão de boas práticas, a Abin compartilhou com os países o novo "Protocolo de Prevenção de Ameaças do Extremismo Violento", lançado pela Agência também como instrumento de cooperação internacional. O documento traz uma análise estratégica do fenômeno e apresenta medidas de prevenção e de enfrentamento ao extremismo violento.

A diretora substituta do departamento Inteligência Externa da Abin, Bárbara Requião, explicou que objetivo do trabalho é prevenir potenciais atos violentos. Ela citou como exemplo o aumento de casos de ataques em escolas no Brasil nos últimos anos, influenciados por subculturas violentas e transacionais do mundo digital.

O protocolo permite que instituições brasileiras elevem o nível de alerta e padronizem processos para otimizar esforços. Além disso, o documento diferencia ameaças extremistas de outras formas de violência, disse.

No âmbito internacional, ela citou  existência de características comuns às várias dimensões do extremismo. A 10ª Reunião do Grupo de Trabalho de Contraterrorismo do Brics termina nessa sexta em Brasília, no contexto da Presidência brasileira do Brics em 2025.

O Brics é um agrupamento formado por onze países-membros: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. Serve como foro de articulação político-diplomática de países do Sul Global e de cooperação nas mais diversas áreas.

Em outra seara da IA, uma pesquisa recente apontou que 31,3 milhões de empregos e 13 profissões devem ser impactados pela tecnologia no país, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.