Enquanto os clientes permanecem há mais de quatro meses com saques bloqueados nas plataformas do Grupo Bitcoin Banco (GBB), o controlador da companhia, Cláudio Oliveira, declarou à Receita Federal do Brasil (RFB) a posse de 25.000 Bitcoins, mostra documento obtido com exclusividade pelo Cointelegraph.

O documento em questão é a Declaração Anual de Imposto de Renda do controlador do GBB, referente ao ano de 2018, que foi entregue em 2019 e ao qual a reportagem teve acesso através de fontes ligadas ao GBB e à RFB, que pediram para não serem identificadas.

Captura de tela da Declaração do Imposto de Renda referente ao ano de 2018 de Claudio Oliveira

A posse dos 25.000 BTC declarados por Claudio equivale, na cotação atual, a mais de US$ 200 milhões e poderia, segundo especialistas ouvidos pelo Cointelegraph, ser utilizado para quitar as dívidas da empresa. 

O empresário, no entanto, não informou a carteira nem os endereços atrelados a ela no documento com sua declaração de renda.

Patrimônio pessoal e as dívidas da empresa

O saldo declarado por Cláudio é pessoal e não tem ligações com as empresas do Grupo Bitcoin Banco. No entanto, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o valor pode, eventualmente, ser utilizado para o ressarcimento de clientes do grupo.

“Existe uma distinção entre a pessoa física e a jurídica. De modo geral, não se imputa ao proprietário a dívida de uma empresa. Só que existe um dispositivo legal que permite, em determinadas situações, pedir a ‘desconsideração da personalidade jurídica’ e atingir os sócios da empresa individualmente, como pessoas físicas”, disse José de Araújo Novaes Neto, sócio do escritório Novaes e Roselli Advogados.

“Isso acontece em casos em que há abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade, confusão patrimonial, entre outras situações. Nesses casos, o juiz pode determinar a extensão da cobrança para os bens particulares dos sócios ou administradores da pessoa jurídica. Isso tem se tornado cada vez mais comum no direito brasileiro”, continuou o advogado
 

Polícia Militar do Paraná em frente à sede do GBB em agosto, quando ajudou no cumprimento de mandado de busca e apreensão contra a empresa. Foto: Ezequiel Gomes / Cointelegraph Brasil

IR inclui movimentações com BTC e carros de luxo que já foram bloqueados pela Justiça

Segundo dados da declaração do empresário, além dos 25.000 BTC, ele também vendeu grandes quantidades do criptoativo durante o ano de 2018.

No total, segundo a declaração de Oliveira, foram negociados por ele, pessoalmente, durante o ano de 2018, R$ 34.359.317,36 em Bitcoins - ou cerca de 1.447 BTC -, restando ainda o saldo informado de 25.000 Bitcoins em sua posse.

Essas negociações envolvem diversas partes, incluindo empresas e pessoas físicas. Entre as empresas estão NegocieCoins Intermediação e Serviços Online, BWA Brasil Tecnologia Digital, Zater Tecnologies, Brasil Digital Eirelli e várias outras.

Além do saldo final de 25.000 Bitcoins, constam na declaração do empresário os seus conhecidos carros de luxo: uma BMW X5, duas Land Rover Sport, uma Maserati GHIBLI, uma Mercedes Benz C300, uma BMW 750i e um Porsche Panamera, além de outros veículos de menor valor.

Jurisprudência para bloqueio de bens pessoais

Alguns dos veículos citados acima foram alvo, como mostrou o Cointelegraph à época, de um mandado de busca e apreensão, mas acabaram devolvidos ao dono após o encerramento do processo por conta de um acordo entre as partes. 

A apreensão mostra, entretanto, como bens ligados aos sócios podem ser envolvidos em casos relacionados à empresa.

“A regra é a autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação aos sócios, podendo tal regra ser excepcionada em qualquer fase do processo, a pedido da parte ou do Ministério Público, quando a pessoa jurídica tiver sido usada de forma fraudulenta”, disse Francisco Sandrin, Defensor Público do Distrito Federal e professor de Direito Empresarial.

“Uma vez reconhecida a fraude, o juiz poderá determinar a penhora de bens dos sócios para pagamento de dívidas da sociedade e vice-versa”, continuou o especialista.

"Às vezes acontece também de o sócio da empresa, como pessoa física, estar como garantidor ou fiador de alguma das operações da empresa. Ou, claro, se houver provas de que houve confusão patrimonial, ou fraude, etc., o credor já pode colocar o sócio da empresa como réu do processo", prosseguiu Novaes Neto.

“Bitcoins são como qualquer outro ativo e sua posse deve ser declarados à RFB. E se ele decidir vender parte desses Bitcoins, vai dizer que o dinheiro veio de onde? Por isso é importante declarar. Qualquer contador sério recomendaria declarar esse tipo de ativo”, completou o advogado.

Há também casos famosos em que bens pessoais foram bloqueados ou confiscados pela Justiça para pagamento de dívidas de pessoa jurídica, como aconteceu com Eike Batista, que teve bens apreendidos para pagamento de multas e indenizações.

Na Operação Lava-Jato, o uso deste dispositivo jurídico também é bastante comum, e foi acionado em diversas situações.

O outro lado

Procurado pela reportagem, Cláudio afirmou, através da assessoria de imprensa do Grupo Bitcoin Banco, que “é necessário esclarecer que os dados da pessoa física se distinguem totalmente de qualquer pessoa jurídica integrante do grupo.”

Os advogados ouvidos pelo Cointelegraph, entretanto, dizem que em diversos casos a lei prevê, sim, a união da pessoa física com a jurídica, como mostram as afirmações citadas ao longo deste texto.

Em sua defesa, o GBB alega, desde o início dos problemas com suas exchanges, que foi vítima de um "hack", que teria permitido saques ilegais nas plataformas e que teria roubado os fundos dos clientes que estavam com as empresas.

Por outro lado, a companhia nunca conseguiu provar a ação criminosa - nem mesmo quando uma decisão judicial deu 15 dias para a empresa fazer isso. Neste caso, o GBB preferiu fazer um acordo com o autor da ação, que desistiu do processo (de número 0005211-35.2019.8.16.0194).

Como mostrou o Cointelegraph, a Polícia Militar (PM) do Estado do Paraná chegou a ir até a sede do Grupo Bitcoin Banco para ajudar no cumprimento de um mandado de busca e apreensão no dia 20 de agosto.

A ação foi determinada pelo Poder Judiciário do Paraná em processo aberto por dois clientes do GBB, que estipularam o valor da causa em R$ 1.445.388,01.

Em nota enviada à época, o GBB declarou que "tem estado à disposição de seus clientes e da Justiça desde o início da crise que afetou sua operação, e que foi denunciada à autoridade policial".

Colaboraram as repórteres Olivia Capozzalo e Kollen Post.