Tributaristas consultados pelo Cointelegraph destacaram que as normas propostas pelo Banco Central do Brasil nas três consultas públicas abertas (CP 109, CP 110 e CP 111), podem gerar a cobrança de IOF nas operações com criptomoedas no Brasil e deixar o Bitcoin até 10% mais caro no país.

Os advogados argumentam que há dois ‘problemas interligados’ com as normas propostas pelo BC, sendo a primeira deles com relação as exchanges serem obrigadas a adotarem um book local, ou seja, as ordens de compra e venda nas corretoras, tanto nacionais como globais devem ser realizadas apenas por brasileiros, assim como ocorre na Coreia do Sul.

Segundo os tributaristas consultados, isso pode gerar um efeito conhecido na Coreia como "Kimchi Premium, no qual o preço do Bitcoin é de 2% a 10% acima da média global e em momentos extremos, essa diferença já chegou a ultrapassar 50%.

Eles argumentam que no caso das altcoins, o valor pode ser ainda maior, pois há menos liquidez local para estes ativos. Ainda segundo os advogados, criptomoedas de launchpool, ou mesmo memecoins ‘do momento’, como foi o caso da Trump, podem ter um spread de até 80%.

Essa diferença de preço com um book local ocorre pois há menos ordens em aberto (tanto de compra quanto de venda), o que aumenta a probabilidade de o usuário encontrar pouca oferta ou demanda para o ativo desejado.

Além disso, como haverá menos participantes do mercado no order book, eles argumentam que haverá uma tendência maior de manipulação de preço por parte de baleias e market markes locais que terão o poder de ‘dominar’ as ordens.

“Basta ver o que ocorria no Brasil entre 2013 e 2016, quando havia uma oferta limitada nas exchanges de criptomoeda para compra de Bitcoin com reais e os P2P, que dominavam boa parte do mercado cripto-fiat cobravam um spread de 3% a 12% no preço”, argumentam.

Ao Cointelegraph, eles destacaram que a diferença de preço pode ser ainda maior se as exchanges tiverem que trabalhar apenas com pares em BRL, ou stablecoins pareadas com o Real, já que mais de 90% da liquidez global do mercado cripto está em dólar americano via stablecoins como USDT e USDC.

Imposto e Bitcoin mais caro no Brasil

No entanto, segundo os tributaristas, o BC já estaria atento a este tipo de problema e um dos principais avanços trazidos pela CP nº 109 é a previsão de contratação de "serviços essenciais", que permite às prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs) importar liquidez do mercado global.

Essa medida busca mitigar o risco de criação de um mercado com liquidez restrita que acaba gerando o "Kimchi Premium". Assim, com a possibilidade de contratação de serviços essenciais e importação de liquidez do exterior, é possível impedir que o fenômeno Kimchi aconteça no Brasil. 

Porém, eles destacam que o BC, acabou sendo contraditório no combate a este problema quando publicou a Consulta Pública nº 111. Essa consulta, em seu art. 76-A, inciso III, propõe incluir no mercado de câmbio as operações de compra, venda, troca, transferência ou custódia de stablecoins lastreadas em moedas estrangeiras, independentemente da localização dos titulares e da prestadora de serviço de ativo virtual licenciada para operar no Brasil.

Eles também apontam que, na mesma consulta pública, o Art. 76-A, inciso I, inclui no mercado de câmbio a transferência internacional mediante transmissão de ativos virtuais independentemente da transferência estar relacionada à compra, venda, troca, custódia ou da contraparte ser identificável pelo usuário brasileiro.

"Estas disposições podem implicar custos adicionais de compliance e também o risco de incidência de IOF (que pode chegar a 1,1%) para os usuários brasileiros (independente de operar em plataforma 100% nacional ou exchange global regulamentada no país), uma vez que a norma enquadra formalmente essas operações como incluídas “no mercado de câmbio” e portanto, passível da Receita Federal considerar como obrigadas a pagar IOF", ressaltam.

Assim, eles apontam que independentemente da exchange de criptoativos ser nacional ou internacional, todas as operações com stablecoins denominadas em moeda estrangeira seriam automaticamente incluídas no “mercado de câmbio”. 

"As prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAV) ficariam então de frente com uma decisão crucial: se a norma da CP 111 for aprovada da forma como está, há um ônus de compliance no reporte dessas informações para fins de mercado de câmbio, ainda que as informações já sejam reportadas para fins de travel rule, além do risco de cobrança do IOF dos usuários.

Por outro lado, se as PSAV quiserem evitar esse ônus e o risco de cobrança do IOF dos seus usuários, seriam obrigadas a “forçar” a negociação apenas com pares em moeda nacional (Reais), sem a utilização de stablecoins e entre brasileiros.

Em ambos os casos, a decisão traria aumento dos custos locais para os usuários e disparidades nos preços em comparação com mercado global, gerando um potencial Kimchi Premium "a brasileira”", analisam.

Conforme explicado ao Cointelegraph, nesse último caso, as exchanges se limitariam a disponibilizar aos usuários brasileiros um book local, ou seja, as ordens de compra e venda nas corretoras, tanto nacionais como globais passariam a ser realizadas apenas por brasileiros, assim como ocorre na Coréia do Sul, gerando então um preço mais alto para o ativo.

Propostas

Diante disso, o grupo pretende encaminhar ao BC algumas sugestões para evitar o IOF nas operações e o spread na compra de Bitcoin.

Entre elas, a mudança para um book global e que as transações feitas por brasileiros no book global, independentemente do par de negociação e contraparte, não deveriam ser incluídas no mercado de câmbio.

"Para evitar a duplicação de reporting das operações, que já são informadas no contexto da travel rule, e também para evitar qualquer risco relacionado à incidência de IOF, a CP 111 deveria ser alterada para deixar claro que as transações feitas por brasileiros no book global, independentemente do par de negociação e contraparte (que no book não é identificada ou conhecida pelo usuário brasileiro), não deveriam ser incluídas no mercado de câmbio, haja vista seu propósito de investimento e não de 'câmbio'", destacam.

Portanto, eles devem pedir ao BC que o inciso III do artigo 76-A, acompanhado dos dispositivos que o detalham (artigos 76-L, 76-M e 76-N) sejam excluídos ou alterados para garantir liquidez global aos criptoativos sem o risco de incidência de IOF ou aumento dos custos de corretagem em virtude dos reportes demasiados.

A outra proposta é que transações feitas por brasileiros com contrapartes estrangeiras identificadas, como, por exemplo, um pagamento ou uma transferência para estrangeiro, continuaria inserida no mercado de câmbio, na medida que se trata de transação onde o usuário brasileiro tem a intenção de remeter valores ao exterior. É o que já vem previsto no inciso I, do artigo 76-A da CP 111.