O balanço patrimonial da Alameda Research vazado em 2 de novembro causou espanto às entidades do mercado por ser baseado majoritariamente em participações do token nativo de sua empresa irmã, o FTX Token (FTT), Solana (SOL) e outras altcoins de baixa capitalização de mercado e, portanto, de liquidez limitada.
Ainda assim, poucos seriam capazes de prever que a revelação da fragilidade das finanças da Alameda fosse capaz de precipitar os acontecimentos que levaram à FTX e 130 empresas associadas à falência apenas 10 dias depois.
Em um mercado de baixa severo, com investidores tanto do varejo quanto institucionais machucados pelo colapso do Terra e a onda de falências de entidades centralizadas que veio a seguir, bastou uma publicação no Twitter do CEO da Binance, Changpeng Zhao, anunciando a liquidação total das participações de FTT da empresa para desencadear uma sucessão de eventos a esta altura já bastante conhecida que resultaram na eliminação da concorrente e na desgraça de Sam Bankman-Fried (SBF).
O mercado foi implacável, e agora, passadas duas semanas desde que o balanço da Alameda foi divulgado e cinco dias após a FTX ter dado entrada ao pedido de recuperação judicial junto à Justiça dos EUA, é hora de observar como o mercado negociou os tokens que compunham as reservas da firma de hedge de criptomoedas que deu origem ao império – agora em ruínas – de SBF.
O balanço patrimonial da Alameda
O balanço vazado em 2 de setembro contabilizava US$ 14,6 bilhões e apresentava a seguinte composição:
- US$ 3,6 bilhões em FTT
- US$ 2,2 bilhões em SRM
- US$ 2,16 bilhões em garantias em FTT
- US$ 1,19 bilhão em SOL (a maior parte bloqueada e uma parte menor como garantia)
- US$ 616 milhões em MAPS
- US$ 312 milhões em APT
- OKY e FIDA em valores não especificados
- Outros ativos, incluindo ações e uma pequena parte em dinheiro
Naturalmente, o ativo que lidera as perdas no período é o FTX Token, que caiu de US$ 25,70 em 2 de novembro para US$ 1,64 na tarde desta quarta-feira, 16, de acordo com dados do CoinMarketCap – o equivalente a uma desvalorização de 93,5%.
Desempenho dos principais tokens referenciados no balanço vazado da Alameda Research de 2 a 16 de novembro. Fonte: TradingView
O FTT foi alvo de especulação entre segunda e terça-feira, e chegou a acumular ganhos de 53%, mas o desempenho recente do token remete ao do LUNA durante os desdobramentos que levaram ao crash da stablecoin algorítmica UST (agora renomeada USTC), embora o FTX Token não tenha ido a zero. Como token de uma exchange falida, apostar em uma possível recuperação não parece nada razoável.
A capitalização de mercado do FTT reduziu-se de mais de US$ 3 bilhões antes do início da crise da FTX-Alameda para US$ 519 milhões na tarde desta quarta-feira, segundo o CoinMarketCap.
Em seguida, no ranking de perdas vem o SRM, token nativo da Serum, o principal hub de liquidez do ecossistema de finanças descentralizadas (DeFi) da Solana. A exchange descentralizada (DEX) era um projeto no qual SBF estava diretamente envolvido e era uma engrenagem importante de sua "Máquina de Dinheiro Infinita".
Em 12 de novembro, o analista de dados on-chain da CoinMetrics, Lucas Nuzzi, revelou em um thread publicado no Twitter que tudo indica que a FTX emitiu quantidades absurdas de SRM em duas ocasiões este ano, provavelmente para inflar o balanço patrimonial da Alameda.
Os US$ 2,2 bilhões em SRM que constavam no balanço patrimonial do fundo de hedge de SBF mostraram-se absolutamente superestimados por se tratar de um token cuja capitalização de mercado gira em torno de US$ 100 milhões.
O SRM acumula perdas de 59% desde 2 de novembro, quando era negociado por US$ 0,731, apesar do hard fork promovido pelos desenvolvedores do protocolo após o suposto hack da FTX. Atualmente, está cotado a US$ 0,302, de acordo com dados do CoinMarketCap.
O terceiro da lista é o desconhecido MAPS, token nativo do serviço de geolocalização Maps.Me que promete associar recursos DeFi aos mais de 100 milhões de usuários do aplicativo que está disponível tanto para usuários da Ethereum (ETH) quanto da Solana. Focado em funcionalidades para turistas, o Maps.Me 2.0 diz oferecer serviços de pagamento, reservas em hotéis e pousadas, transferências de fundos e gestão de ativos.
Em 2 de novembro, o MAPS estava cotado a US$ 0,137 e no momento é negociado a US$ 0,061, acumulando perdas de 58,4% no referido período.
Solana ameaçada
A Solana foi o ecossistema escolhido por SBF para fazer girar as engrenagens de sua "Máquina de Dinheiro Infinito". Assim como a influência do ex-CEO da FTX foi essencial para fazer do SOL um dos tokens de maior valorização durante o ciclo de alta do mercado em 2021, agora ela está colocando em risco até mesmo a sua sobrevivência pós-colapso da FTX, conforme advertem alguns analistas.
O risco ao desempenho do token não é apenas sazonal, visto que há uma grande quantidade de SOL que pertence à massa falida da FTX que está bloqueada no momento e será liberada gradualmente até janeiro de 2028 de acordo com um cronograma de desbloqueio linear.
Por hora, o SOL caiu 54,6% desde o início dos reveses que destruíram a FTX-Alameda. Em 2 de novembro, estava cotado a US$ 31,82 e agora, na tarde desta quarta-feira, é negociado por US$ 14,10, segundo dados do CoinMarketCap.
Do ponto de vista da análise técnica pura e simples, excluídos os efeitos colaterais que estão assombrando o mercado nesse momento, duas perspectivas se apresentam para o token nativo da Solana.
A otimista aponta para uma potencial recuperação de 50% no curto prazo. A pessimista para uma queda para patamares tão baixos quanto US$ 2,50, um valor que ironicamente remete a uma postagem antiga de SBF no Twitter que se tornou lendária. Mais ainda agora, dadas as atuais circunstâncias.
I'll buy as much SOL has you have, right now, at $3.
— SBF (@SBF_FTX) January 9, 2021
Sell me all you want.
Then go fuck off.
Você concorda comigo que está supervalorizado
— CoinMamba (@coinmamba)
--
Eu comprarei o máximo de SOL que você tiver, agora mesmo, por US$ 3.
Venda-me o quanto quiser.
Então vá se foder.
— SBF (@SBF_FTX)
Caso o padrão baixista de "ombro-cabeça-ombro" que está desenhado no gráfico semanal se confirme, uma nova chance de comprar SOL a US$ 3 pode se apresentar. A grande questão é: valerá a pena?
Curiosamente, o próximo da lista é o OXY, token nativo do Oxygen, um protocolo que revela as conexões de SBF com o sistema legado das finanças tradicionais. De acordo com o site oficial do projeto, o Oxygen é liderado por J.P.Morgan, Goldman Sachs, Bolsa Mercantil de Futuros de Chicago (CME), Barclays e Bank of America.
Trata-se de um protocolo que opera tanto na Solana quanto na Ethereum e agrega as funções de marketplace de empréstimos descentralizados, gestão de risco, estruturas de liquidação, gestão de colateral e gestão de portfólio. Ou seja, tudo que foi completamente ignorado pela Alameda em suas operações.
Em 2 de novembro, o OXY estava cotado a US$ 0,043 e na tarde desta quarta-feira é negociado a US$ 0,019, acumulando um prejuízo de 54,1%, de acordo com dados do CoinMarketCap.
Seguindo na lista, o FIDA é o token nativo do Bonfida, um protocolo de análise de dados da Solana para otimizar operações de DeFi no ecossistema da rede. A desvalorização do token desde 2 de novembro está em 41,9%.
O sétimo e último colocado no ranking particular da Alameda é o APT, token nativo da Aptos, uma rede blockchain de camada 1 recém-lançada e que se apresenta como uma potencial rival da Solana devido à sua infraestrutura técnica.
Com a falência da FTX, a Aptos se vê em uma encruzilhada. Por um lado, pode se beneficiar do abalo sofrido pela Solana para atrair desenvolvedores e liquidez para o seu ecossistema nascente. Por outro lado, a interrupção dos investimentos da FTX-Alameda, bem como os efeitos colaterais da crise, podem frear o desenvolvimento da rede.
O fato é que o APT foi o token que menos sofreu entre aqueles que ganharam destaque negativo por fazerem parte do balanço altamente ilíquido da Alameda. Ainda assim, acumula perdas de 40,8% desde 2 de novembro, quando era negociado a US$ 7,39. Atualmente, está cotado a US$ 4,69, segundo dados do CoinMarketCap.
Apesar das perdas recentes e na contramão do mercado mais amplo, o APT opera em alta de 9% nas últimas 24 horas.
Para contextualizar a desvalorização dos tokens presentes no balanço da Alameda é importante comparar o desempenho de cada um deles com o Bitcoin (BTC) e o Ether, as duas principais criptomoedas do mercado. Naturalmente, elas não ficaram imunes à turbulência provocada pela falência da FTX.
A maior criptomoeda do mercado acumulou perdas de 19,2% desde 2 de novembro, quando fechou o dia cotada a US$ 20.151. Atualmente, o par BTC/USD é negociado a US$ 16.555, de acordo com dados. Já o ETH, desvalorizou 23,2% no mesmo período, tendo caído de US$ 1.518 para 1.205, também segundo o CoinMarketCap.
Interessante notar a forte correlação que marcou a ação de preço das duas maiores criptomoedas no mercado durante a crise da FTX, como se pode observar nitidamente no gráfico abaixo. Apesar da desvalorização substancial, ambas apresentam desempenhos bem menos piores do que os tokens aos quais a Alameda estava exposta.
Gráfico diário BTC/USDT e ETH/USDT (Binance) de 2 a 16 de novembro. Fonte: TradingView
Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente, um novo relatório do setor de pesquisa da Coinbase estima que os abalos provocados pela crise da FTX terá efeitos duradouros e uma potencial recuperação do mercado deverá acontecer apenas a partir do final do ano que vem.
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